O apagão em definitivo da transmissão analógica terrestre

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Transmissão analógica

O fim da transmissão analógica começou o ano passado e avança pelos grandes centros urbanos. Quem não tem condições financeiras e quer continuar assistindo TV vai ter que se inscrever em um programa de fornecimento de kits, visando impedir que a ausência de sinal analógica possa inutilizar os aparelhos antigos em existência.

Com o fim das transmissões analógicas OTA (“Over The Air”), vão ficar em funcionamento somente os transmissores digitais.

Um calendário existe desde o ano passado, mas que prenuncia o desligamento nos grandes centros este ano. O Rio de Janeiro, por exemplo, terá o sinal desligado em outubro próximo. De qualquer forma, o desligamento completo no resto do país só chegará a termo no final de 2018, teoricamente.

No passado distante, este que vos escreve testou a recepção digital e publicou várias colunas sobre o assunto, algumas das quais fartamente copiadas por terceiros, pela Internet afora. Essas colunas foram publicadas pelo Webinsider nos meses de julho e agosto de 2008, e depois em abril de 2010.

De 2006 para cá algumas mudanças aconteceram, como por exemplo a multiprogramação, mas outras empacaram desastrosamente.

Entre essas últimas, está o middleware Ginga, que deveria cumprir o papel de interatividade com o espectador, mas nada mostrou de interessante até hoje.

E não adianta pesquisar de quem é a culpa, mas sim analisar se o objetivo do Ginga não bateu de frente com serviços de streaming e redes sociais, que vêm sistematicamente derrubando a TV aberta e, eu ouso dizer, até a TV por assinatura.

Segundo consta, lá fora a interatividade da TV aberta também não deu certo. E tudo indica que o trabalho feito aqui no meio acadêmico com o Ginga está indo solenemente pelo mesmo caminho.

Os fabricantes de TV sequer se deram ao trabalho de orientar o usuário como acessar o recurso e as emissoras se limitam a exibir um ícone no canto superior da tela sinalizando que o Ginga está no ar. Mas, é possível que o televisor tenha que ser ajustado de maneira a que este ícone apareça, o que na prática significa que qualquer pessoa que possa ter o Ginga incluso em uma atualização de firmware ou instalado na fábrica nem saiba que o sistema está sendo transmitido.

Sem Ginga

O governo, com a sua demagogia eleitoreira habitual, acena agora com o bolsa conversor, que, por coincidência, não tem software para se usar o Ginga.

A maioria das TVs atuais tem o programa instalado, mas eu não ficaria surpreso se muita gente comprasse uma TV nova e nem soubesse que o Ginga funciona, como chegar até ele e se serve para alguma coisa de útil.

Transmissão analógica

Outra coisa que me chama constantemente a atenção é a continuidade da ignorância dos estabelecimentos comerciais sobre o fornecimento do sinal de HDTV gratuito. Esses dias mesmo, eu estava em um restaurante da vizinhança e vi os garçons e os donos se digladiarem com a ausência de sinal do receptor da operadora.

Quando eu mencionei a um deles que bastava uma antena UHF para ter sinal de alta qualidade vinda do morro do Sumaré, ficou todo mundo olhando para mim como se eu estivesse falando com uma língua de outro planeta.

E nesses casos o meu argumento é sempre o seguinte: o cliente que frequenta esses lugares pode entrar lá para assistir uma partida de futebol paga por fora (PPV), o que justifica o uso da operadora, mas quando esta falha, a TV digital aberta funciona muito bem como plano B, eu diria mil vezes melhor do que a mesma imagem via operadora.

E se o estabelecimento insiste em só colocar nas TVs a imagem das emissoras abertas, para que então aumentar os custos com as operadoras? Em um dos restaurantes locais, no meio do salão tem uma TV com uma antena externa VHF, o sinal foge a todo o momento, um barulho no som que até atrapalha quem está comendo.

Falta pouco e não vai ter mais sinal VHF nenhum, e aí pode ser que os donos fiquem procurando a razão da falta de imagem. Ou não!

A TV aberta está decadente e não mostra nada de interessante

O principal motivo pelo qual eu conheci pessoas recorrendo às operadoras para ver TV aberta era porque a imagem analógica não tinha boa recepção na maioria dos bairros encoberta por acidentes geológicos, como os morros. O Rio de Janeiro está cheios deles, acompanhados das respectivas “zonas de sombra” para o sinal das emissoras.

O tempo passou e o técnico antenista dos grandes centros começou a ficar sem trabalho! A TV Digital (DTV) teria sido um grande alento para um profissional desta área, mas aparentemente não foi.

A impressão que passa é que as pessoas não querem se incomodar com a instalação e manutenção das antenas. Muito embora a recepção de DTV seja super simples, os transmissores das emissoras nem sempre contemplam a recepção dentro de casa, e assim o usuário que quiser ter HDTV de bom nível é automaticamente compelido a fazer uso de uma antena externa.

Apesar de existir um mercado potencial em muitas regiões do país a oferta de conteúdo aberto continua a quilômetros de distância do conteúdo das operadoras, ou seja, quem quiser variedade e opções vai ter que esquecer a TV aberta.

As próprias operadoras enfrentam também o seu quinhão de problemas, na forma do chamado Video Sob Demanda, que entra por streaming na casa do assinante. O streaming carece de boa velocidade na banda larga, mas em contrapartida permite a quem usa um maior controle sobre o conteúdo, por exemplo, como vê-lo por assunto, e na hora que bem entender, não ficando assim prisioneiro de horários ou reprises.

Ironicamente, o fechamento da transmissão analógica aumentará a faixa de transmissão destinada à banda larga, e consequentemente beneficiará os serviços de streaming, dentro e fora do telefone celular.

Inclusão digital?

O governo fornecerá um kit com conversor e antena para os menos favorecidos. Segundo os critérios do bolsa-família. Na ficha de inscrição é obrigatório declarar se o beneficiário é possuidor de uma TV com tubo. Eu confesso que não entendi, porque as TVs com LCD antigas não tem conversor embutido algum.

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Se existe alguma forma de driblar a ausência exclusiva de TV com tubo para se conseguir um kit eu não saberia dizer. Mas, em contrapartida, nota-se que mais uma vez que a administração pública se defende gastando dinheiro do erário catando votos, sem explicitar claramente como e porque este tipo de inclusão digital é justificável.

Cultura inútil

Eu não gosto da expressão “cultura inútil”, acho que ela é um mito, não existe. Mas, a TV aberta brasileira historicamente se imiscuiu com diversos tipos de marketing, dirigindo-os ao que mais chulo e inútil se pode divulgar na mídia.

E a grande evidência de que isto é verdade é o aumento da adesão à TV por assinatura. Nela, o usuário passou a ter um mar de opções que a TV aberta raramente ofereceu, o que inclui a escolha por legenda e áudio multicanal. Lógico que a TV aberta digital pode oferecer áudio multicanal, som original e legendas, mas alguém sabe, alguém ouviu?

Os apelos, chulos ou não, são parte de uma estratégia para se conseguir audiência a qualquer custo. As exceções no mundo todo ficam por conta das emissoras estatais, como as BBCs, que são financiadas com a ajuda da contribuição de quem assiste TV aberta na Grã-Bretanha. Mas, mesmo assim, é preciso existir uma confiança nos interesses dos dirigentes de qualquer TV estatal de produzir conteúdo de bom nível e sem compromisso com o lado financeiro.

Bolsa conversor

No Brasil, a TV Educativa foi criada com este objetivo também, mas acabou se perdendo em um monte de problemas, entre os quais a politização ou partidarização de seus funcionários, o que leva a distorções nos seus efeitos culturais para a audiência que ela serve.

Eu entendo que o maior equívoco é tratar “cultura” como “coisa popular”, porque nem sempre o “popular” é de boa qualidade. Na verdade, pode ser execrável como material criativo, e assim não deveria merecer crédito ou ser transmitido como tal.

Eu sei que sou opinião de uma minoria, mas nada me impede de escrever o que eu penso. Pior seria se eu ficasse indiferente a esta mentira classificada de “cultura” que se propaga na mídia. O povo brasileiro precisa ter consciência de que existe coisa melhor. Agora mesmo, a turma do Theatro Municipal do Rio de Janeiro foi às ruas para sensibilizar as pessoas mostrando o que estão passando, e foram aplaudidos por pessoas comuns, transeuntes que se sensibilizaram com o que viram.

Então, por essas e outras, que eu não posso admitir é o preconceito de que cultura é só para as elites culturais. Quem não teve a chance de ter cultura pelos métodos da educação formal deve ser apresentado a ela, de uma forma ou de outra. Vê ou ouve quem quiser.

Ao incentivar o “bolsa conversor” a administração pública está na realidade ajudando a TV aberta a sobreviver. Esquecem que as classes financeiramente desprivilegiadas não são de interesse das emissoras, a não ser quando transmitem cultura travestida.

A TV aberta poderia fazer um bom papel na transmissão de conteúdo relevante e de bom nível. Se algum dia vai fazer, eu tenho cá as minhas dúvidas, analógica ou digitalmente, em baixa ou alta resolução! [Webinsider]

. . . . .

http://br74.teste.website/~webins22/2008/07/17/dtv-e-hdtv-a-tv-digital/

http://br74.teste.website/~webins22/2008/08/10/dtv-fixa-dtv-movel-e-1-seg/

http://br74.teste.website/~webins22/2010/04/27/as-minhas-mal-tracadas-linhas-sobre-a-tv-digital/

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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