Há um recente descontentamento, bastante natural, diga-se de passagem, por parte do mercado consumidor de televisores, gerado pela decisão unilateral dos fabricantes, de abandonar radicalmente a capacidade de exibição de imagens em terceira dimensão dos seus modelos, a partir de 2016.
A reação dos usuários começou a tomar corpo quando a Samsung anunciou em alto e bom som que não iria mais fabricar televisores 3D, a partir da sua linha 2016.
Como se trata do fabricante de maior peso nesta área, a decisão logo depois alcançou consequências previsíveis, entre elas a renúncia do 3D entre outros fabricantes de grande peso, como a Sony, por exemplo.
O abandono da imagem 3D não é recente. Alguns dos fabricantes de aparelhos de TV com menor expressão no mercado mundial já haviam tomado esta decisão a partir de 2012, mas com pouca ou nenhuma repercussão no mercado consumidor de massa.
A TV 3D sobreviveu oficialmente entre 2010-2015 somente. O colunista do site c/net David Katzmaier publicou um texto sobre o assunto no início de 2016, no qual ele mostra um epitáfio, emprestado de outro site, com os seguintes dizeres: “3D TV, 2010-2015, Liked By Few, Hated By Most” (“apreciada por poucos, odiada pela maioria”).
Entre este suposto ódio pode-se imaginar que o desconforto no uso de óculos por tempo prolongado tenha sido um fator que depreciou significativamente o sistema e desencorajou o seu uso disseminado.
Aqui no Brasil foi a RedeTV! quem primeiro transmitiu em 2010 imagens 3D pelo ar no mundo todo, através do canal digital 6.2, no formato lado a lado. Não convenceu! Eu me lembro de ouvir de engenheiros da Rede Globo em palestra anos depois afirmar que o formato da RedeTV! era de baixa qualidade, com erros óbvios de paralaxe simulada (conversão 2D para 3D), e que o departamento de pesquisa da Globo não iria seguir o mesmo caminho. Na realidade, não seguiu caminho nenhum. Em meados de 2015 a RedeTV! capitulou. A emissora alegou diminuição da relação custo-benefício, ou seja, muito gasto para pouco interesse. Também pudera: quem iria se dispor a ficar horas a fio vendo TV com óculos?
Estardalhaço e injustiça
Eu imagino que ninguém que lê este texto consegue se esquecer de que o lançamento de televisores 3D foi feito debaixo de enorme fanfarra. E ainda supostamente para sustentar o novo formato os estúdios de cinema se lançaram em realizar projetos com projeção 3D, sem falar no relançamento de filmes antigos com uma conversão do fotograma original para o novo formato. Porém, a indústria ficou dividida entre o formato ativo e o passivo, o que confundiu consumidores sobre os prós e contras de cada um deles.
Quando o 3D foi lançado eu comentei com amigos que aparentemente lições do passado não haviam sido aprendidas. O 3D no cinema, tentado na década de 1950 para lutar contra o crescente domínio das transmissões de TV, foi um formato que durou pouco.
E o mais espantoso foi notar que a indústria de televisores falou do 3D como se fosse algo novo. Novo seria para as gerações que não tiveram a chance de ver o 3D no cinema, com aqueles óculos de papel ridículos, composto de filtros de plástico vermelho e verde.
O abandono do 3D, sob o ponto de vista técnico, só se justifica pelo relativo baixo nível da imagem exibida, tantos foram os empecilhos enfrentados na construção de telas 3D confiáveis. Olhando pelo lado dos chipsets, eu sou um que não acredito que a economia de fabricação fosse importante.
A alegação de desinteresse pelo formato foi o principal argumento lançado desde o início da desistência. E novamente, me parece uma contradição em termos, porque ainda se vê nos cinemas filmes em 3D e discos Blu-Ray vendidos como tal.
No final das contas, quem realmente se ferrou com isso foi o usuário que colecionou discos e deseja agora investir em um modelo de TV com tecnologia mais moderna, OLED, por exemplo.
Talvez tenha sido por isso que foi lançada uma petição on-line quando a LG, última das grandes a pular fora, chegou a deixar no ar a possibilidade de retomada do formato em modelos subsequentes. A última LG OLED com 3D foi lançada em 2016. E acontece que a LG é a principal fornecedora de displays OLED para os outros fabricantes, o que possibilitaria a retomada do 3D por estes últimos.
A confusão de formatos sempre afeta o consumidor
Quem quer montar um home theater razoável tem que se defrontar com aquela sopa de letrinhas dos formatos de vídeo e de áudio. E para quem não se interessa por este tipo de tecnologia, o caminho percorrido é áspero!
Reparem que não basta ter noção desses formatos todos, ficam na berlinda aspectos relativos principalmente à compatibilidade entre eles.
No caso do 3D existem discos Blu-Ray com duas codificações (2D e 3D), mas outros com 3D somente. Estes últimos não podem ser reproduzidos por aparelhos de leitura ou televisores convencionais.
No âmbito do áudio, ainda é pior. Se o equipamento reprodutor não dispuser do respectivo decodificador, a trilha sonora do programa gravado simplesmente não toca. E se o usuário não souber do que se trata, ficará a ver navios porque não vai entender o que está acontecendo com o equipamento.
Finalmente, existe o lado financeiro desta coisa toda. A tecnologia nova dita preços altos no mercado, com a alegação da indústria de estarem recuperando gastos com pesquisa. Consumidores mais alertas evitam investir em formatos novos quando os mesmos são lançados. Agora, imaginem se este novo formato, mais caro, acaba não dando em nada de espetacular como prometido?
O 3D ficou assim, e agora a bola da vez é o HDR. Para mim, o HDR traz inovações importantes na captura e reprodução de imagens, e tem tudo para não repetir a desistência dos estúdios com aconteceu com o 3D. Mas, sem bola de cristal, é difícil prever se ele não vai pelo mesmo caminho.
No meu uso pessoal, eu acabei migrando de volta para o 2D, por causa dessa tecnologia. Precisei me desfazer de alguns discos da minha coleção. Acabei me dando conta de que não usava 3D fazia mais de ano, as baterias dos óculos em estoque sem uso. Para mim, portanto, a ausência do 3D na rotina não me fez falta. Mas, fica a pergunta no ar: e para os outros? [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
2 respostas
Ainda hoje, 29 de agosto de 2019, tenho minha Philips 3D funcionando e continuo comprando Bluray nesse formato. Sim, eles continuam sendo produzidos e vendidos. Quando minha tv parar de funcionar, perderei minha coleção de filmes em 3D. Uma opção vai ser comprar um projetor 3D, mas terei, também, que adquirir os óculos que, nesse caso, são ativos.
Crônica de uma morte anunciada. Quando começaram a surgir as primeiras TVs com esse tecnologia eu fui vaiado nos fóruns de discussão quando afirmei que seria só uma onda passageira, “mais do mesmo”. Fui taxado de ranzinza. Mas essa coisa de 3-D já havia sido tentada antes nos idos dos anos 50 e mais tarde de novo nos idos do início dos 80’s. A cada ciclo o 3D vinha um pouco melhor tecnicamente, mas era sempre fogo de palha e não via razão pra ser diferente agora. No anos 50 foi utilizado pra combater a TV, nos 80 pra combater a popularização do VHS e agora vinha tentar fazer frente aos downloads e streamings da vida. Fadado ao fracasso, como, modestamente, eu havia preconizado. Não porque eu seja muito inteligente ou sagaz, mas porque era óbvio para o observador um pouco mais atento. Jamais embarquei nessa onda, porque basicamente vejo como muito raros os casos nos quais o 3D foi utilizado organicamente e acrescentou algo à narrativa. No mais das vezes era só “firula”. Pior ainda são os casos de filmes antigos relançados com versões em 3D. É preciso atentar para o fato de que o 3D para funcionar tem que ser planejado e filmado como tal. Pegar um filme originalmente criado e filmado em 2D e fazer a conversão (na minha opinião deveria ser crime) liquida com todo o visual do filme, destrói a profundidade, altera enquadramento, enfim joga no lixo o visual do filme. Eu tenho uma TV Panasonic com tecnologia 3D, escolhi o modelo por ser as única plasma full HD disponível no tamanho que eu queria (42″) e o 3D veio “como brinde” pois não era o meu interesse ao fazer a compra. Usei o 3D da TV duas vezes, uma logo que comprei e queria ver como era, e outra quando um amigo me pediu pra ver funcionando. Depois disso, nunca mais. De qualquer, que tiver paciência e ainda estiver por aqui, verá certamente um novo ciclo de 3D daqui uns 30 anos… Nada contra quem gosta, evidentemente, mas a mim não fará falta alguma.