A PRK-30 e os grandes pioneiros do humor brasileiro

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O rádio brasileiro abrigou em seus auditórios grandes humoristas e escritores, que iriam colocar as bases no que de melhor em humor se fez no Brasil. Ouça algumas produções notáveis.

 

Anos atrás o meu filho me deu de presente o interessante livro “No Ar: PRK-30”, escrito pelo jornalista Paulo Perdigão. O livro traça uma trajetória completa de um dos mais importantes programas de humor feitos no Brasil, criado por Lauro Borges (que também escrevia os textos) e Castro Barbosa.

O meu presente vem a propósito da lembrança de que quando os meus filhos ainda eram crianças eu peguei emprestado com um amigo meu os dois volumes da gravadora Equipe, contendo uma compilação de gravações feitas em equipamento de transcrição em discos fonográficos (Transcriptor) e armazenadas em um transmissor da Rádio Nacional do Rio de Janeiro.

Na época, passei os discos para fita magnética e contei a eles a história da PRK-30 e do imenso sucesso que eles haviam feito no rádio. Anos depois, eu peguei esses mesmos discos e fiz uma restauração do conteúdo, para posterior remasterização e preservação no domínio digital.

Como as gravações originais eram cheias de ruídos, estes se juntaram ao ruído de massa e estalidos típicos do vinil, e eu precisei usar alguns filtros para tirar os dois simultaneamente. O resultado deste esforço pode ser ouvido nos clipes a seguir.

A PRK-30

Eu nunca tive dúvida de que Lauro Borges e Castro Barbosa foram mais do que pioneiros no humor brasileiro. O estilo de ambos teve fortíssima influência no melhor dos humoristas brasileiros que vieram depois. Embora ambos tenham chegado à televisão, foi no rádio em que as suas criatividades tiveram uma maior expressão.

O nome PRK-30 foi escolhido com base nas siglas usadas para a transmissão de sinal de rádio (e depois televisão). A Rádio Nacional era a PRE-8, uma emissora inaugurada em setembro de 1936. Quando menino eu fui levado por um tio para uma visita aos estúdios da emissora, que ficava situada no Edifício A Noite, localizado na Praça Mauá, e muitos anos depois eu ainda tive a chance de ver o antigo auditório da emissora um pouco antes do mesmo ser demolido.

A Rádio Nacional e a PRK-30 reinaram supremas durante a maior parte da década de 1950, a despeito da presença da televisão. A emissora chegou a ter três orquestras e contava com a colaboração de maestros da estatura de Radamés Gnatalli, Lyrio Panicalli, Leo Peracchi e Guerra Peixe, e outros.

A Rádio Nacional, além de muito bem equipada, ainda contava com sonoplastas e técnicos capazes de teatralizar novelas e demais programas com alta qualidade. A transmissão era moderna também, na faixa de AM, ondas médias (980 kHz) para o Rio de Janeiro, e ondas curtas, para o resto do país.

O programa PRK-30 se baseava na estrutura do rádio para criar paródias, mas o mais importante da criação foi o uso sistemático de figuras de retórica usando trocadilhos de maneira sarcástica ou debochada.

Os dois notáveis comediantes usaram todos os recursos culturais de que dispunham, e ao mesmo tempo deixavam no ar palavras com sílabas trocadas propositalmente.

Um outro aspecto importante diz respeito à criação das vozes, exclusivamente construída pelos dois comediantes. Inicialmente Castro Barbosa personifica o locutor Megatério Nababo d’Alicerce e Lauro Borges o inimitável “speaker” Otelo Trigueiro. Todos os diálogos, sem exceção, são feitos com a criação dos mais diversos tipos de vozes, o que pode ser ouvido a seguir.

Eu deixei abaixo alguns dos meus clipes restaurados dos Lps da Equipe. Não havia na época em que Renato Murce (produtor da PRK-30) compilou parte dos programas gravados nenhum equipamento redutor de ruído disponível que melhorasse o som do material original.

O primeiro clipe já mostra a apresentação da fadista portuguesa Maria Dobradiça da Porta Baixa, personagem reprisado diversas vezes. A voz da fadista é de Lauro Borges:

 

 

A seguir, a PRK-30 anuncia que o programa de aula de português será apresentado por um professor alemão, já que “o artigo estrangeiro é sempre muito mais bem aceito do que o nacional”…

 

 

O convidado para ministrar a aula de inglês não pode vir, então a emissora resolve convidar a tia dele, diplomada em corte e costura 142 vezes…

 

 

Hilário, e com críticas à velhice (talvez hoje consideradas politicamente incorretas), a PRK-30 irradia o seu programa de “preguntas” e “repostas”, um absurdo que lembra os sketches do Monty Python:

 

José Vasconcellos

Este antológico comediante foi um dos primeiros, senão o primeiro, que se apresentou sozinho no palco, o chamado “one man show”, método hoje conhecido como “standup comedy”, pelo fato de que o comediante se apresenta quase o tempo todo em pé.

José Vasconcellos fez de tudo no teatro, no rádio e depois na televisão. O seu ponto forte era a maneira como se apresentava ao vivo. Na década de 1960 ele grava vários discos para a Odeon, que mostram a sua versatilidade no palco: um deles é o Lp “Eu Sou O Espetáculo”, gravado ao vivo em uma das suas peças de teatro, e o outro foi “O Mundo Alegre de José Vasconcellos”, gravado no auditório da extinta TV Rio, canal 13, no Rio de Janeiro, também ao vivo.

Deste último disco eu retirei dois clipes que mostram o lado de palco e o radiofônico do comediante.

O primeiro deles mostra um cidadão que deseja lançar a sua candidatura, e discursa pedindo votos ao eleitor. Reparem como o discurso denuncia a enrolação típica dos políticos, que já naquela época enganavam todo mundo. No meio do texto Vasconcellos parodia o Marechal Castelo Branco (o primeiro presidente militar pós-revolução de 1964) e depois Ademar de Barros, governador com hábitos de nepotismo e roubo do dinheiro público:

 

 

A seguir, também na TV Rio, José Vasconcellos comenta que às vezes era chamado na Rádio Nacional para cobrir as eventuais ausências de Lauro Borges ou Castro Barbosa, lembrando que PRK-30 era transmitido ao vivo:

 

O legado da comédia

O rádio brasileiro, mais do que a televisão, deixou um enorme elenco de atores com enorme talento para a comédia. A lista, se descrita aqui, seria muito longa. A grande maioria desses atores passaram pelo cinema e foram absorvidos pelas emissoras de televisão.

Resquícios da PRK-30 poderiam ser vistos em vários dos novos e inovadores comediantes, como por exemplo, o grande Jô Soares, que criou tipos com bordões inesquecíveis. Chico Anysio foi outro que criou grandes personagens, e já no seu final, abrigou comediantes veteranos no programa da Escolinha. Muitos daqueles comediantes, José Vasconcellos inclusive, haviam perdido o seu momento na mídia, ficaram esquecidos pelo público, mas Chico Anysio os trouxe de volta.

O estilo de comédia de Lauro Borges e Castro Barbosa, criando vozes e brincando com as palavras, me veio à memória quando ainda adolescente eu vi pela primeira vez os filmes do grupo inglês Monty Phyton. Na década de 1990 eu assisti a série “Flying Circus”, realizada na BBC anos antes. Aquilo ali é a pura PRK-30, com os atores personificando mulheres, criando vozes, etc. E ainda fica mais notório quando o grupo inglês ataca autoridades e personalidades.

Dizem os exegetas que o humor dos Phyton é intelectual demais. Mas, e o da PRK-30? Mesmo na época, o público precisava ficar atento às tiradas e insinuações dos dois comediantes. Eu me atrevo a dizer que o rádio brasileiro transmitiu através de Lauro Borges e Castro Barbosa um humor avançado em estilo e forma, anos antes de grupos com humor revolucionário como os do Phyton aparecerem no Brasil.

Muito do humor clássico brasileiro foi levado ao disco fonográfico comercial, mas acabou perdido por aí. Uma empresa de Petrópolis, cujo nome não me recordo, vendeu fitas cassetes com programas recuperados da PRK-30. Em tempos de Internet, bem que o que fosse possível resgatar poderia ficar disponível para quem quisesse ouvir, estudar ou fazer pesquisa. Mas, isto, diante da ausência de memória histórica neste país, já é querer demais.

Outrolado_

 

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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0 resposta

  1. Paulo, sou humorista e pesquisador de Humor. Sou diretor do Teatro Chico Anysio e Museu do Humor Cearense, aqui em Fortaleza. Parabéns e obrigado por nos proporcionar este belo trabalho da “PRK-30”, que Chico Anysio inclusive cita, na letra da música “Rio antigo”, que a Alcione gravou.
    Abraço
    Jader Soares

    1. Olá, Jader,

      Antes de mais nada parabéns pelo seu trabalho.

      Eu fico feliz em saber que este manuscrito teve boa receptividade. Aliás, pela contagem do YouTube os maiores acessos dentre todos os clipes do meu pequeno canal são os da PRK-30. Este canal tem servido como uma espécie de repositório que contem as ilustrações do meu texto, e parece que acabou se tornando de um caminho de ida e volta para os textos do Outro Lado.

      O grande Chico Anysio! Nunca o conheci pessoalmente, mas sei da sua enorme generosidade e grandeza como ser humano. Eu tive uma amiga de infância que se tornou comediante, chamada Claudia Jimenes. A Claudia ficou muito doente, com um câncer inoperável, e que foi acompanhado por um colega do Departamento de Patologia. Durante todo o tempo, foi o Chico Anysio quem bancou e deu suporte a este tratamento!

      Agradeço a sua leitura e elogio, volte sempre!

  2. Parabéns Prof Paulo !
    Num país sem memória, numa TV mais interessada no chulo, no vulgar e na ideologia de gênero , onde fazer rir é quase sempre pornografia, lembrar dos grandes humoristas, precursores do bom e sadio riso, da sátira de costumes é meritório.
    Tenho o livro que o Sr. ganhou, tenho CDs da dupla e do José de Vasconcellos e mesmo sabendo as falas de cor, solto boas gargalhadas até hoje.

    1. Caro amigo,

      As nossas gerações e aquelas que nos precederam tivemos todos nós o privilégio de ouvir ao vivo estes pioneiros do humor, portanto com a consciência de que o humor de boa qualidade depende muito do ator que observa a vida e sabe fazer críticas a ela, com as quais nós nos identificamos.

      Nada que possa ser escrito a respeito desses grandes comediantes do passado poderá fazer justiça ao conjunto de suas obras, mas a gente tenta!…

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