O filme A Dança dos Vampiros, último da fase inglesa do cineasta na década de 1960, tem agora o seu lançamento em 2K para Blu-Ray, como parte da Archive Collection da Warner.
Roman Polanski, cineasta de família polonesa, mas nascido na França, teve uma vida para lá de conturbada. Na sua fase inglesa, cresceu de realizador humilde e quase obscuro, para um patamar mais alto, que o levou posteriormente à Hollywood.
Polanski ficou conhecido pelos frequentadores de cinemas de arte (no Rio, Paissandu e Tijuca Palace, de propriedade da Franco-Brasileira), durante a década de 1960, com o filme “A Faca Na Água”, seu primeiro longa-metragem.
Mas foi com A Dança Dos Vampiros, seu terceiro filme em estúdios britânicos, que ele alcançou maturidade, junto com uma produção de orçamento bem mais alto.
Nesta sua fase Polanski já havia feito Repulsion (no Brasil, “Repulsa ao Sexo”) e Cul-de-Sac (no Brasil, “Armadilha do Destino”), filme este que eu tive a chance de ver no lançamento em um cinema de São Paulo.
Em todos esses filmes a atmosfera é inquietante e o cineasta, junto com seu colaborador também cineasta e amigo francês Gérard Brach, iria aproveitar esta mesma atmosfera ao criar A Dança dos Vampiros.
O filme foi finalmente lançado como parte da coleção Archive Collection da Warner, com uma ótima transcrição de imagem e som, a partir do negativo original, transferido com 2K de resolução:
O lançamento original na década de 1960
Eu estava em uma sessão do Metro-Tijuca, ao lado de uma multidão que provavelmente tinha ido ao cinema para assistir mais um filme do personagem de terror Drácula. Mas, se enganaram: A Dança dos Vampiros é, na realidade, uma comédia de costumes, que usa o assunto “vampiro”, para extrapolar a visão dos cineastas sobre a população ignorante das pequenas províncias europeias.
O roteiro trata de um professor universitário cuja linha de pesquisa encobre morcegos e vampiros, cuja existência ele quer provar. Não o tendo feito, ele é ridicularizado pelos seus colegas, que o chamam de maluco. O Professor Abronsius, foi interpretado pelo eclético ator irlandês Jack MacGowran, mais tarde conhecido pelo grande público em sua aparição como o diretor de cinema Burke Dennings, em O Exorcista, seu último filme antes de falecer.
Não obstante, e a despeito do desapontamento, a plateia que superlotou aquela sessão reagiu de acordo com o clima de tensão do filme, principalmente na cena em que o filho gay do Conde von Krolock sai correndo atrás do ingênuo Alfred. Em um dado momento da correria, todo mundo lá dentro do cinema explodiu em uma sonora gargalhada.
O filme como um todo é uma mistura de comédia pastelão do cinema mudo e thriller de suspense. As tomadas de câmera são muito bem planejadas, às vezes com aceleração que simula a comédia silenciosa antiga. Existem várias passagens com estrutura típica de cinema de animação americana, do gênero cartoon.
Digno de nota, a trilha sonora composta pelo polonês Krzysztof Komeda é inovadora no uso dos arranjos do coral que acompanha a orquestra, para dar uma atmosfera sinistra em cenas críticas do filme. Lamentavelmente, Dança dos Vampiros foi uma das poucas trilhas assinadas pelo compositor, que faleceu prematuramente, vítima de um acidente, dois anos depois do filme ser lançado nos cinemas.
No âmbito das críticas, uma que me impressionou foi a do estalajadeiro Shagal, personificado de forma caricata pelo ator inglês Alfie Bass como um judeu avarento, que não deixa a filha tomar banho, para economizar água. Em falas de alguns diálogos a crítica é direta, Shagal sendo chamado de ladrão, rufião (por conta da ambição dele para comer a criada), etc. No roteiro, ambos Polanski e Brach fazem alusão à personalidade de Shagal na forma de diálogos entre Abronsius e Alfred.
Essas alusões incitaram críticos a dizer que o filme é notoriamente antissemita, só que o próprio Polanski é judeu sobrevivente da segunda guerra mundial, e, portanto, poder-se-ia dizer supostamente insuspeito ao tratar de assuntos desta natureza.
Note-se que nesta época ainda inexistia qualquer movimento político ao nível de defesa de homossexuais masculinos ou femininos, como temos hoje. Historicamente, a alcunha “bicha”, entre várias outras, refere-se ao homossexual masculino, com intenso tom pejorativo. E, coerentemente, a plateia da década de 1960 se divertiu com a intenção do filho do Conde de correr atrás de Alfred.
O ator canadense Iain Quarrier que faz o papel de Herbert von Krolock, também de forma caricata, já havia participado com Polanski no filme Cul-de-Sac, em outro tipo de papel. Neste filme, a interpretação de Iain é efeminada, quase cômica, o que ajuda a manter o clima de comédia junto à plateia.
Ferdy Maine, ator sério de outros filmes ingleses, traz ao filme uma estatura bem maior, ao interpretar com sobriedade e criatividade nas expressões faciais o papel do Conde von Krolock. Uma cena para mim hilária ocorre quando Abronsius e Alfred são apanhados invadindo o castelo, mas quando von Krolock fica sabendo que Abronsius é um professor da Universidade de Könisgberg ele muda tudo, de invasores a bem vindos! Von Krolock é um intelectual, interessado em estudos sobre morcegos, e tem uma imensa biblioteca, impressionando Abronsius, que gostaria de ficar por lá.
A versão original inglesa e a posterior mutilação na pós produção da M-G-M
A Dança dos Vampiros começou a ser filmado com lente esférica (filme plano), mas Polanski mudou de ideia durante as filmagens, trocando a cinematografia de Douglas Slocombe para Panavision. Entretanto, várias tomadas planas permaneceram no filme re-enquadradas , mas uma delas, a da perseguição de Koukol atrás do trio fugitivo Abronsius, Alfred e Sarah, a imagem é esticada lateralmente para Panavision, exibindo uma distorção ótica visível.
Em outras cenas é possível perceber agora na cópia do Blu-Ray que foi feito um compósito que simula a altura da posição dos personagens à beira dos parapeitos e telhados, mas no geral a imagem é muito bem feita tecnicamente, ficando o compósito praticamente imperceptível.
O filme foi produzido pela M-G-M inglesa, através de Martin Ransohoff. A relação entre eles foi aparentemente amistosa, embora a presença de Sharon Tate tenha sido forçada por Ransohoff. Durante algum tempo, atribuiu-se a ele a verdadeira carnificina na sala de montagem da M-G-M nos Estados Unidos.
Na época, ao saber da mutilação e remontagem, Polanski teria ficado revoltado e pedido para que o seu nome fosse retirado dos créditos.
Mas, soube-se depois que fora a montadora chefe da M-G-M Margaret Booth quem cortaria cerca de 17 minutos do filme, com o apoio da chefe de pós produção Merle Chamberlain. A introdução foi também mudada para um desenho animado, mostrado nas edições em vídeo.
Na América, o filme chegou a ter vários títulos: The Fearless Vampire Killers (com o subtítulo Pardon me, but your teeth is in my neck), The Vampire Killers, e Your Teeth In My Neck. O primeiro deles ficou até hoje nas edições em vídeo norte americanas. Mas o filme mutilado nunca foi, até onde eu sei, lançado no Brasil.
Assim, o que apareceu nas telas dos Metros foi mesmo “A Dança Dos Vampiros”, sem os cortes da mutilação americana.
As edições em home vídeo
Para sorte dos fãs, a remontagem da M-G-M nunca chegou a qualquer edição de vídeo, que começou com a versão em Laserdisc. O conteúdo deste videodisco foi literalmente copiado pelo dono do selo brasileiro Cinemagia, na década de 1990. Eu tive este disco e o mandei para o crítico canadense Gary Tooze, que estava na época montando uma comparação entre as várias edições, agora atualizada com a edição em Blu-Ray.
Este DVD da Cinemagia, sendo uma cópia literal do Laserdisc, apresenta uma imagem 4:3, no formato letterbox, sendo que o documentário publicitário sobre Sharon Tate foi inserido com um “easter egg”. O DVD americano, já anamórfico, foi lançado muitos anos depois.
Depois que este Blu-Ray foi lançado, alguns membros do site Blu-ray.com apontaram discrepâncias entre a versão em DVD e o Blu-Ray, a principal delas a distorção de crominância no DVD, atribuído à tomada em noite americana (filtro de luz que simula noite em uma filmagem diurna), que nunca aparece na nova remasterização.
Na minha opinião, o Blu-Ray supera todas as expectativas de qualidade de imagem. Algumas cenas apresentam uma granulação no background, mas nada de muito importante. O som, mono, é transcrito com qualidade ainda no DVD americano, e no novo disco é ligeiramente melhor.
A cena de entrada do Conde Abronsius e Alfred na biblioteca do castelo mostra um corte abrupto, que indicaria erro de montagem do negativo, mas no Blu-Ray o mesmo corte aparece alguns fotogramas à frente. Na realidade, segundo a Warner, a cópia em 2K foi tirada de um interpositivo, junto com uma limpeza da película. De forma similar a outros títulos da Archive Collection, a compressão de vídeo é mínima.
Para mim, A Dança dos Vampiros sempre foi um filme divertido. Durante o filme todo, as insinuações sobre sexo, típicas do tema “Dracula”, ficam perfeitamente encaixadas no espírito cômico do roteiro. Na época em que eu o assisti no cinema não notei ninguém insatisfeito. E olhem que o Metro-Tijuca estava cheio! Outrolado_
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.