Faça algum exercício, tome sol, não se deixe impressionar demais pelas notícias, beije seu namorado se puder, tenha um pequeno ritual matutino, tente ser equilibrado na comida e outras medidas de higiene mental.
Confinamento: dia 26, sexta-feira 10 de abril, Barcelona.
No mesmo dia que escrevi a última crônica, no 16º dia de confinamento, fui ao supermercado. Tudo normal. Fila para entrar, raio de dois metros dos humanos ao redor, várias pessoas já mascaradas, luvas obrigatórias para encostar em frutas e verduras, apenas dez clientes dentro do estabelecimento ao mesmo tempo e um silêncio sepulcral.
No dia seguinte, a surpresa: mercado fechado. Fui ao Twitter e rapidamente resolveram o mistério. Havia a possibilidade de um possível contágio de um trabalhador, o que fez com que seguissem o protocolo de segurança — fechar, desinfetar e reabrir. Eles voltariam dois dias depois e, de fato, assim foi.
Li a mensagem e imediatamente meu sangue gelou. Eu havia estado ali 16 horas antes! Todos os trabalhadores estavam com máscaras, luvas e distâncias. Tudo estava limpo. Eles, nós, estávamos seguindo as normas de como comprar no supermercado sem espalhar germes letais. O que deu errado?
Meia hora depois, notícias e mais notícias ruins subindo pelo computador, mensagens realistas-pessimistas pelo Whatsapp, “alguém contaminado no supermercado” martelando na minha cabeça, e meu peito começou a doer. Na hora, caiu a ficha: a infodemia me pegou. E eu ainda tinha umas quatro horas de trabalho pela frente.
Dane-se, pensei. Eu estava com dificuldade para respirar. Nas noites anteriores, havia acordado de madrugada e passado horas insone. O trabalho vai esperar meia hora, decidi. E comecei a fazer um exercício de respiração/meditação. Aos poucos, fui me centrando novamente e consegui terminar o dia mais ou menos com a mesma sensação de sempre — de que tudo vai acabar bem.
Esse microepisódio, no entanto, detonou um processo que deixou de ser supérfluo e virou essencial para não pirar. Basicamente são 12 medidas diárias de higiene mental:
- Fazer algo de exercício, nem que seja cinco minutos. De preferência, algo aeróbico. No meu caso, escolhi pular corda e subir/descer as escadas do prédio sempre que possível (sem encostar em nada e muito menos ficar frente a frente com algum vizinho).
- Tomar meia hora de sol na minha varandinha maravilhosa. Vitamina D não cura o vírus, mas faz maravilhas no estado geral de saúde.
- Essa é difícil: filtrar mais o que leio. Mais notícias de ciências, das soluções que estão aparecendo e das medidas que temos que tomar hoje, aqui e agora.
- Evitar ler, ver, ouvir Bolsonaro. É pior que tomar agrotóxico direto da garrafa, que rolar nas turbinas de Chernobil. Só vale se for pra rir do energúmeno. Se é pra ficar com raiva, evite.
- Fazer exercícios de respiração ou meditação, mesmo que só durante dez minutos. Pode ser na cama, no sofá, na mesa de trabalho, mas tem que ser num espaço só seu. Respire com consciência, inspire, pause, expire, pause, e de novo. Lento, sem pressa. Se quer ajuda, baixe Calm, o aplicativo.
- Rir. No caso, está sendo bastante possível rir, e muito, com os memes que esse povo maravilhoso com tempo livre inventa. Obrigada!
- Acariciar, fotografar, brincar, pentear, lavar, e começar tudo de novo com o meu gato (ou outra coisa viva e peluda que você tiver em casa). Pra quem tem um bichinho, vale muito a pena parar uns minutos do dia para dar um afago neles (e, quem sabe, receber umas lambidas de volta).
- Dançar mesmo sem saber dançar. Dar uns pulos, uns rodopios, umas reboladas é um santo remédio em tempos pandêmicos.
- Beijar o namorado sem prévio aviso (verificar antes que ele não esteja em uma reunião da firma, com a câmera ligada, dãã).
- Pensar com carinho na sua comida. Um dos efeitos da ansiedade é comer demais ou, o contrário, não sentir fome alguma. Então, use o tempo disponível para estabelecer uma relação mais amorosa com os alimentos. Da lista da compra à preparação, sinta se você realmente quer comer aquilo, se sentirá prazer, se evocará boas memórias. Na minha opinião, não é hora de inventar dietas ou insistir em dietas muito difíceis. Se ficar no meio termo, já está bem bom.
- Fazer um pequeno ritual matutino. No meu caso, levanto, bebo água, tomo minha vitamina de inverno e preparo uma “burundanga” maravilhosa que minha amiga Viviane Danin me ensinou. É um “shot” para fortalecer o sistema imune.
- Celebrar as vitórias, mesmo que sejam pequenas ou aparentemente insignificantes. Nestes momentos, o significado de coisas, pessoas, relacionamentos se encontra em estado flutuante de natureza indeterminada. Então, na dúvida, celebre!
Números, máscaras e gratidão
Temos tido boas notícias ultimamente na Espanha sobre a COVID-19, embora cada dia continue sendo uma montanha-russa de emoções. Há menos de duas semanas tínhamos ao redor de mil mortos em um dia e ultimamente estamos em 600–700. Hoje estamos com 157 mil casos oficiais (ficção, a estimativa é de que passamos do milhão, mas sem testar todo mundo, não dá pra saber) e 15.843 mortes. Nesta semana as notícias diretamente do front (ou seja, dos hospitais e de funcionários de saúde) dizem que ainda está uma barra, médicos e enfermeiros esgotados, mas começamos a ver uma tênue luz no fim do túnel.
O confinamento, hoje, está definido que vai até 26 de abril. Entretanto, na segunda-feira 13 voltam os “setores não essenciais” — construção, comércio e indústria. #medo
Para o resto, o governo já está avisando que provavelmente o estado de alerta será renovado por mais duas semanas, ou seja, quase meados de maio. No meio disso tudo, deveríamos andar pela rua com máscaras e luvas, mas é praticamente impossível conseguir alguma.
Apesar das incertezas sobre a próxima semana e antes de que a Organização Mundial de Saúde elogiasse o esforço da Espanha em conter a pandemia, eu já me impressionava com a resposta que vejo aqui todos os dias. Não conheço uma pessoa que duvide de que estamos diante de algo tenebroso que exige, no mínimo, senso comum — o que hoje significa, primeiro, isolamento social. Sim, há quem se isole mais, quem se isole menos. Há gente que tenta viajar na Semana Santa mesmo sob o risco de levar uma multa de 600€. Mas, no geral, a maioria entende o que é uma pandemia e que, se agora está feio, imagine como pode ficar se ninguém sossegar o facho.
Também jamais tinha sentido gratidão pela mera existência de profissionais de saúde e agora bato palmas para eles, feliz, às 20h. Apesar de ter plano de saúde privado, tenho a sensação de que cada centavo de imposto pago vale a pena para manter um sistema de saúde público e universal (e, sim, é muito imposto!).
Ah, o Brasil…
Há quase um mês quando escrevi a primeira crônica, estava estupefata com a leveza brasileira para lidar com o que já era um tsunami sanitário. Nestas semanas está claro que se há um país que passa por dez montanhas-russas diárias é o Brasil. É surrealidade reloaded todos os dias, com o agravante de um presidente que só atrapalha, estorva e dá mau exemplo.
Então, aos amigos que ficam tentados a dar uma puladinha no isolamento, a acharem que por não serem idosos, estão fora de risco, ou que ponderam que o brasileiro é, acima de tudo, um forte e que, no final, não será “tudo isso”, o único conselho possível é… cuidem-se, porra!
Se mais de 100 mil mortos no mundo não abrem os olhos de alguém, acho que nada mais abrirá. Exceto a morte de um ser muito querido, mas aí já será tarde demais. Outrolado_
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Patu Antunes
Patu Antunes é brasileira residente em Barcelona, responsável de desenvolvimento de negócio para startups no Sul da Europa. No tempo livre, viaja e escreve para Trip Trip Now (https://triptripnow.com).
Uma resposta
Ótimo trabalho!
Após perder muito tempo na internet encontrei esse blog
que tinha o que tanto procurava.
Parabéns pelo texto e conteúdo, temos que ter mais
artigos deste tipo na internet.
Gostei muito.
Meu muito obrigado!!!