Os métodos de propaganda subliminar continuam por aí. Quem assiste vídeos no YouTube pode nem se dar conta disso, mas ela está lá e a sua força no emotivo de alguém nunca deve ser subestimada.
John Ford foi à guerra e com a câmera na mão e um cinegrafista ao seu lado filmou cenas impressionantes, principalmente quando os japoneses bombardeavam instalações americanas no Pacífico.
De volta na América ele encarregou o então editor Robert Parrish de montar os filmes. Parrish ingenuamente perguntou se ele queria fazer um filme de propaganda. Na mesma hora, Ford lhe disse para nunca mais repetir aquela palavra na frente dele!
Durante a segunda guerra mundial, fora Joseph Goebbels, segundo nazista em comando, com, entre outros cargos, o de Ministro da Propaganda, quem criou a ilusão da venda de uma mensagem, recurso este que foi importante na aceitação do regime pelo público, até mesmo fora da Alemanha. Goebbels era tão imponente e poderoso, que até Hitler o chamava de Doutor, que ele de fato era.
A principal estratégia de propaganda nazista era a de não endereçar mensagens políticas diretamente. Não foi à toa que o cinema, que é escapista por natureza, era idolatrado pelo ministro, que viu nele o melhor veículo das mensagens subjacentes que ele queria passar.
E é fácil se entender por que a propaganda subjacente era necessária: Hitler foi, no começo da sua trajetória, um político e usou manobras políticas para chegar ao poder. Uma vez chegando lá ele liquidou, literalmente, todos os seus opositores de outros partidos. Hitler precisava convencer o povo alemão da necessidade que ele cidadão alemão tinha de sair da humilhação da primeira guerra mundial e reconquistar o seu lugar como uma raça superior a de outros países. E foi aí que a propaganda desempenhou um papel chave neste processo. Até hoje, Goebbels é visto como o pai da propaganda moderna, e mestre na maneira de mexer na cabeça dos outros.
O mundo depois do YouTube
Eu gosto muito do YouTube, assisto todo dia em algum momento, tenho um canal pessoal para me ajudar a ilustrar os meus manuscritos, e acho nele um monte de vídeos com informações muito úteis.
Porém, não tem sido difícil achar coisas erradas nos vídeos apresentados em muitos canais. Desde o início, o YouTube se propôs a dar ao indivíduo comum a chance de criar o seu próprio canal de televisão (N.B.: a palavra “Tube” é um sinônimo inglês de televisão), e depois dar a chance de ele ou ela se tornar repórter, comentarista, analista, etc., sem nunca ter se formado ou estudado para tal.
Na realidade, nota-se um festival de cabotinismo em um monte de canais, que não deixa de ser uma distorção do objetivo original do site. Sem falar na pobreza de linguagem e a repetição enjoada de expressões banais, tipo “e aí, galera, beleza?…”, ditas em cada início de vídeo, como se fosse um mantra.
Nós cariocas sempre fomos criticados pela maneira de falar, mas quem, como eu, passou férias no interior de São Paulo, facilmente reconhece quem está nesses locais, pela maneira de puxar o “r” nas palavras, como por exemplo, “motorrrr” ou “aceleradorrr”, e vai por aí. Meus primos do interior me chamavam de “Paulo Roberrrto””, dá para sentir?
Parece que o famoso cronista Don Rossé Cavaca, um carioca que fez críticas sarcásticas das cidades e habitantes do interior, estava certo em sua análise do isolamento cultural daquele povo, provocado pelo distanciamento dos grandes centros, entre outros fatores.
A busca pela informação perdida
Em uma das minhas pesquisas mais recentes, eu recorri ao YouTube para reaprender a tecnologia de motores turbo. Parece inevitável, pelo que eu venho observando, que a mudança de motorização vem acontecendo na direção da aposentadoria do motor aspirado e a prevalência do motor acionado por turbina.
A primeira vez que eu ouvi falar em motor turbo foi em uma daquelas viagens do passado distante no eixo Rio-SP, quando então, sentado na poltrona próxima do motorista da Cometa, ele me esclarece que o turbo dá força ao ônibus na hora que ele precisava de torque. Mas, como?
Na minha época de final de adolescência e início de vida acadêmica, eu ganhei um Volkswagen 1500, mais conhecido como “Fuscão”, por causa do tamanho da cilindrada. Não tardou muito que eu fizesse a manutenção do carro por mim mesmo, coisas como trocar platinado, velas, colocar o carro no ponto, limpar e depois calibrar o carburador francês Solex H30-PIC, que o fusca usava.
Na busca atual de informações sobre o motor turbo eu “descobri” que certos conceitos não mudam: o motor convencional, aspirado, captura o ar da combustão através da descida do pistom, que funciona como um êmbolo de seringa, puxando ou aspirando, o ar ambiente para dentro da câmera de combustão. E nos motores modernos, com a regulagem da mistura e do momento de explosão via computador de bordo, o conjunto como um todo funciona muito bem.
Nas condições de funcionamento de qualquer motor, os gases resultantes da explosão do combustível são expelidos por um circuito de escapamento do veículo. No motor turbo estes gases são inicialmente desviados para uma turbina, inserida na chamada parte quente do conjunto do turbo, e que está ligada a outra turbina, localizada na parte fria desta mesma peça, a qual, uma vez rodando, aciona um compressor, que leva o ar da descarga de volta para a câmera de combustão. Como o processo de compressão do ar gera muito calor, os fabricantes interpolaram um radiador, chamado de “intercooler”, que resfria o ar antes de ele chegar de volta à câmara de combustão. Este ar entra sob pressão na câmara de combustão, aumentando em muito o seu volume lá dentro, o que permite fazer entrar mais combustível, que agora pode ser queimado com mais eficiência, aumentando a potência do carro substancialmente.
Bem, tudo isso é muito bacana de reaprender ou conhecer com mais detalhes, mas e a parte prática? O que nos leva à seguinte pergunta: vale a pena trocar de carro, só por causa deste tipo de mudança de motorização, considerando o aspecto de performance versus gasto de combustível? Pode ser que sim, espero, ou então vou jogar dinheiro fora.
A propaganda disfarçada na forma de análise de um carro novo
A minha vida como cientista me obrigou a fazer análises de bom nível antes de tirar ilações a respeito dos resultados. Se isso, em qualquer circunstância desta e de outras profissões, não for feito, o que sobra é achismo. E é impressionante como analistas de muitos produtos analisam os mesmos sem em algum momento declarar se medições foram feitas e quais são elas.
Na hora de procurar informações sobre consumo de combustível de um motor turbo, uma vez comparado ao motor aspirado, eu esbarrei o tempo todo em conclusões empíricas por parte dos analistas, isto é, alguém observa um suposto resultado e fica por aí. Se uma medida de consumo de combustível for feita com rigor, existe toda uma metodologia apropriada, e no nosso caso, declarada pelo Inmetro e às vezes colada em plástico no vidro dos carros. Notem que esses valores declarados são obtidos através de uma medida em condições otimizadas, portanto na vida real o motorista irá encontrar valores bastante diferentes, por causa da qualidade do combustível, da rota usada no trajeto, etc. O que quer dizer que os valores do Inmetro servem apenas de referência.
Eu assisti dezenas de vídeos, com modelos diferentes de carro com motor turbo e aspirado. A partir de certo momento, eu comecei instintivamente a perceber não só os achismos, como principalmente a maneira como elogios são endereçados a quem assiste. É como se os analistas nos dissessem “corre para comprar um, que vale a pena”.
Em uma das análises sobre o motor aspirado do meu carro, o analista chuta lá que o carro reage um pouco lento na retomada, e isso seria um ponto que deixa a desejar (ou seja, fraco) daquele veículo. Engraçado, porque todas as vezes que eu viajei a algum lugar, eu nunca percebi isso, e notem que eu não uso o modo “Sport” do câmbio automático.
Quem dirige câmbio manual há muito tempo percebe nitidamente a troca de marcha no câmbio automático sequencial, mesmo que ela não dê o tranco da troca. Se isso não bastasse, o meu carro indica a mudança no cluster de instrumentos, ou seja, não tem como não saber se a troca aconteceu!
Nas minhas retomadas, ou em subidas de serra, o carro automaticamente reduz a marcha para ganhar impulso, e ganha! Na prática, basta acelerar. Olhem que eu sempre fui adepto de câmbio manual, achando que me dava mais controle, mas depois que você se habitua com um bom câmbio automático nunca mais quer voltar atrás!
Ouvindo opiniões sem base em medidas confiáveis, ou, como neste caso, opiniões que não batem com a minha realidade, como é possível confiar nessas análises?
Sorrisos em profusão, às vezes falando muito alto, os analistas insistem em provar o seu ponto de vista claramente empírico, sobre o carro em observação. O analista acelera o veículo testado, e diz “olha como o carro acelera”. Nada disso prova nada, e eu, que procurava as reais diferenças atuais nos carros turbo, fiquei até agora a ver navios…
Claro que o preceito de que o motor turbo aumenta o torque do veículo continua valendo. E na retomada ele tem muito mais chance de reverter a baixa velocidade, com a mesma aceleração. Mas, a que custo de consumo?
Não é à toa que as montadoras estão baixando a cilindrada nos motores turbo, para 1.0 ou 1.2, porque com isso diminui-se muito o consumo sem desperdiçar potência!
Se não fosse pelos achismos e pela máquina de propaganda acionada a cada vídeo eu provavelmente estaria mais tranquilo antes de mudar de motorização. E como o custo desta mudança é elevado, maior razão ainda para não aceitar a propaganda e sair correndo para a próxima concessionária.
Se o leitor ainda não percebeu a sutileza da propaganda basta observar a maneira como certas afirmação quando à qualidade do veículo são colocadas. E não me refiro somente a carros. Na análise de muitos outros produtos, o vexame é ainda maior. Eu canso de assistir analistas afirmarem para quem assiste que não são pagos pelos fabricantes, tal a tendenciosidade do discurso.
Existem, felizmente, vídeos no YouTube de bom nível e com caráter instrucional autêntico, mesmo que as explicações não sejam muito didáticas, o que é compreensível.
Se eu pudesse dar uma sugestão ao leitor, seria a de nunca subestimar a força da propaganda ou de qualquer mensagem com motivação maliciosa que mexa com a cabeça de alguém. Aquilo que parece inócuo nem sempre é. Que todos assistam as imagens ou narrações com parcimônia, nunca abdicando do direito de pensar a respeito. Olha aí que Hitler e seus comparsas levaram consigo uma nação para um projeto recheado de loucuras, e no final nem se importaram com a destruição inteira desta nação. Outrolado_
. . .
Winston Churchill e a Segunda Guerra Mundial de volta nas telas
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
0 resposta
Oi, Paulo. Texto interessante. Lembrei-me do meu fuscâo 1500, ano 1971. Veio-me à mente a placa: ZL-4920.
Oi, Celso,
Comigo foram anos a fio rodando Fusca 1500. Era um carro que resistia a tudo, não é mesmo?
Oi, Paulo. Texto interessante. Lembrei-me do meu fuscâo 1500, ano 1971. Veio-me à mente a placa: ZL-4920.
Oi, Celso,
Comigo foram anos a fio rodando Fusca 1500. Era um carro que resistia a tudo, não é mesmo?