Quem assiste vídeos do YouTube é constantemente seduzido por promessas que raramente cumprem o que prometem. E nem todo mundo está preparado para separar o joio do trigo!
Quem não quer ter um Windows 10 mais veloz ou um roteador capaz de vencer todas as limitações do plano que o usuário contrata ou até superá-lo?
E tem mais, tudo de graça! Expressão em língua inglesa “For Free” é usada constantemente nos títulos ou chamadas dos vídeos.
Vejam, quando eu comecei a minha carreira docente, eu ainda estava na faixa dos vinte anos, e por isso a distância de faixa etária entre eu e os estudantes era muito pequena, de tal forma que os monitores do departamento nunca me chamavam de professor, era só Paulo mesmo.
Eu fui durante uns dois anos chefe da monitoria, por conta da ausência de uma colega, ex-professora quando eu era aluno, que havia pedido licença-prêmio, para tratar do marido com câncer. Neste trabalho eu levava os monitores, a maioria alunos do curso de Medicina, para um laboratório, e dava uma aula a eles sobre a teoria e prática do tema a ser ensinado, por exemplo uma dosagem de qualquer coisa no plasma.
Em todas essas dosagens havia uma “receita de bolo”, na forma de um roteiro o qual os monitores deveriam conhecer a ponto de poderem autonomamente tirar dúvidas dos alunos dentro da sala de aula prática. E para tornar essa uma experiência menos penosa, eu fazia a montagem da receita com os monitores, ao mesmo tempo discutindo os detalhes técnicos.
As receitas de bolo no YouTube
Eu acho que eu sou fã número 1 do YouTube, assisto todo dia e acho vídeos muito interessante, alguns me ajudam no que eu estou procurando. Há anos que eu vejo no YouTube receitas de bolo para contornar limitações da tecnologia, mas infelizmente algumas chegam a ser patéticas ou hilárias. E essas receitas se espalham há tempos nos vídeos de vídeo blogueiros brasileiros também, e que prometem fundos e mundos!
Volta e meia alguém descobre alguma coisa no sistema que estão usando e aí se sentem donos de uma informação imperdível, que obviamente será tema de um dos vídeos daquele canal. Podem ser úteis ou podem ser uma tremenda perda de tempo.
Uma dessas receitas que me deixa mais admirado é aquela que promete acelerar o Windows 10. O processo envolve a desativação de várias funções que compõem este sistema.
Pois bem, o que tem de errado nisso?
Muita coisa! Eu já passei, como usuário final, por MSX-DOS, MS-DOS (todas as versões), Windows 3.0 e 3.1, Windows 98, Windows XP, Windows Vista (pulei o Millenium), depois Windows 7 Ultimate, Windows 8 e finalmente Windows 10. Neste último, vários problemas operacionais foram contornados, os quais tornaram o sistema menos vulnerável aos erros de processamento. Na versão 7, a estabilidade já tinha se tornado uma realidade, mas o ápice deste recurso só aconteceu depois.
E aprendi que não adianta a gente ficar reclamando de tantas mudanças, porque os sistemas operacionais, Windows, Linux ou MacOS, têm todos que se adaptar aos avanços do hardware. Um não vive sem o outro!
Aqueles que insistem em usar sistemas operacionais do passado com hardware recente poderão ter surpresas desagradáveis. O mesmo se aplica (e como) aos programas que são escritos tendo em mente as evoluções das CPUs, que usam arquiteturas cada vez mais sofisticadas, que só são de fato aproveitadas se o software for escrito contemplando os novos recursos de processamento.
O mesmo raciocínio se aplica às placas gráficas. A interação entre os processadores GPU-CPU é a que permite que vários tipos de aplicativos possam rodar com aceleração de hardware, esta aplicável até mesmo nos navegadores para Internet.
Tudo isso faz com que os desenvolvedores de sistema operacional se esforcem em alcançar a evolução de hardware e tentar contemplar todas as vantagens de desempenho que os novos componentes oferecem.
Quem quer ter e montar um sistema rodando rápido vai ter que ser seletivo na escolha dos componentes, desde gabinetes até as placas diversas, começando obviamente pela placa-mãe, que deve ser escolhida em função do processador (CPU) desejado. O resto vem a reboque. Notem que não adianta escolher uma CPU avançada e depois complementa-la com componentes que limitem as suas funções. O custo costuma ser alto, mas compensa o esforço financeiro.
E no que tange à memória (RAM) do sistema, a prática tem demonstrado que valores de latência baixo são preferíveis, e bancos com um mínimo de 8 GB, para dar folga ao sistema. Na minha experiência pessoal com isso, eu sempre escolhi bancos de 16 GB, para rodar vários aplicativos simultaneamente e sem erro.
Se o hardware for satisfeito, não há porque insistir em cortar funções do sistema operacional. E este tipo de proposta é sugerido em profusão nos vídeos do YouTube, sempre se alegando que o sistema fica mais rápido.
Às vezes, eu fico imaginando o que sentem os programadores ao ler ou ouvir sugestões de aprimoramento com cortes de recursos, que eles tiveram um histórico trabalho exausto para desenvolver! É de dar tiro na cabeça!
Quem assiste e não tem noção do que está se passando dentro de um computador provavelmente não se dará conta de que um computador, não importa de que tipo, só será veloz se o hardware for compatível com a programação em uso. É ele, hardware, que determina se uma máquina é veloz ou não. E se o computador é veloz, pouco importa quantos aplicativos rodam simultaneamente ou no background.
E é impressionante notar que o hardware de alguns anos atrás, por exemplo, quando do lançamento dos processadores Ryzen, já estava a altura do desempenho aprimorado de uma quantidade apreciável de alguns aplicativos. Em tempos de outrora, o meu editor de áudio levava alguns minutos para aplicar um determinado filtro. Hoje, ele leva alguns segundos e nada foi alterado em termos de programação.
A grossa maioria das receitas para “otimizar” o Windows 10, propostas nos vídeos do YouTube, acabam por depauperar o sistema dos seus principais recursos! Um exemplo que a meu ver chega a ser criminoso é a proposta de impedir o Windows 10 de se atualizar, para torna-lo mais veloz. Pois se justamente é esta atualização que torna o sistema menos vulnerável aos ataques de hackers, ou com recursos para o usuário se livrar das ameaças. Como nenhum sistema é invulnerável mesmo, porque então tirar dele o recurso contra os ataques?
Internet super veloz
A velocidade nominal contratada pelo usuário pode ser medida de várias maneiras, mas ela normalmente fica em torno do mesmo valor, com variações para mais ou para menos, dependendo de uma série de fatores.
Vamos então fazer alguns testes. Vou usar o teste de sincronismo da Claro-Net para uma velocidade contratada de 240 Mbps, pelo site do Brasil Banda Larga, aconselhado pela operadora como parâmetro deste tipo de teste:
Nos três testes realizados, o valor obtido oscilou entre 230.18 e 262.46 Mbps, mas poderia dar outros números. O que mudou entre eles? Foi a escolha do servidor por onde o teste foi realizado, o primeiro o da Claro-São José dos Campos, o último o da Claro-Rio de Janeiro.
Na prática, não há nenhum significado relevante diante dessa variação. O modem-roteador instalado se conecta na velocidade contratada e os testes variam de acordo com o tráfego de dados!
O usuário contratante pode reclamar se os valores forem discrepantes, não importa se a operadora afirme que está dentro dos limites da Anatel, aquela que normalmente protege as operadoras contra os direitos do consumidor de dados.
Quando o sinal de conexão passa para o domínio da transmissão pelo ar, 2.4 ou 5 GHz, é normal haver uma queda nos resultados deste mesmo teste. Esta queda se dá por conta de alguma barreira física por onde o sinal passa.
Mas, no YouTube os vídeos prometendo milagres inventam todo tipo de artifício, alguns com antenas mirabolantes feitas com copos de plástico ou latas de refrigerantes. Em um desses vídeos, o proponente ensina a dobrar o cabo Ethernet, afirmando que algumas informações alvo de barreiras intencionalmente colocadas pelas operadoras são desbloqueadas.
Um anúncio de um repetidor de sinal Wi-Fi com o nome de Ultraboost afirma que os seus desenvolvedores são ex-funcionários provenientes das operadoras, que sabem dos truques feitos para limitar o tráfego de dados, e construíram o repetidor para acabar com estes tipos de barreira na passagem de dados. O que significaria na prática aumentar a velocidade do tráfego sem pagar mais nada por isso! Fantástico, não?
Eu escrevi para eles perguntando como isso era possível, mas as respostas foram incisivas sobre as minhas conexões terem limites, o que eu já sabia, mas evasivas quanto ao tal aspecto tecnológico do suposto aumento de velocidade. Quem comprou aquele aparelho acabou constatando que era um simples repetidor, não aumentava coisa alguma, e tiveram dificuldade para reaver o dinheiro da compra, indo parar no site Reclame Aqui. Um mínimo de clareza ou uma rápida investigação a este respeito certamente teria evitado este tipo de aborrecimento!
Pela Internet eu li reclamações de usuário do Ultraboost dizendo que perderam a conexão do aparelho com o roteador. Pediram socorro ao suporte e alegam que não foram atendidos. O vídeo promocional mostra que o Ultraboost se liga ao roteador logo que conectado um uma tomada. Só que, como qualquer outro repetidor, o Ultraboost tem um botão WPS, cuja conexão só acontece quando o botão WPS do roteador for acionado simultaneamente. Aparentemente o usuário que reclamou que não conseguiu reconfigurar o Ultraboost não sabe deste detalhe. Lógico que se o WPS feito corretamente não funciona, o aparelho provavelmente estará com defeito, e como é importado a dor de cabeça promete aumentar mais ainda!
Falta de censura e/ou escrúplo
Não há, aparentemente no YouTube, alguma restrição que impeça que vídeos com testes diversos possam ser banidos ou impedidos de serem divulgados. Ultimamente, eu tenho recebido do Google algumas perguntas no formato de pesquisa de opinião, mas ainda não sei onde eles querem chegar. De qualquer forma, tudo indica que muitos clientes donos de canais enterraram o super ego faz tempo! Ou seja, não há censura ou escrúpulo no que eles divulgam.
Censura é uma palavra muito feia, e o ato de censurar pior ainda. Mas, um domínio sem regras acaba se tornando caótico, em alguns casos possivelmente anárquicos ou desrespeitosos.
Os códigos de ética são reforçados em todas as profissões, e não estão lá por acaso. E por quê? Porque dependendo da profissão a falta de ética pode ter consequências graves. Lá na UFRJ, eu vi alunos de turmas de Medicina exibir sinais de distúrbio mental. Uma comissão da Faculdade examinava caso a caso, e geralmente o(a) estudante era jubilado(a). Não podia ser diferente, já que os médicos tem responsabilidade total com a sobrevivência do paciente.
No caso específico do YouTube a liberdade de expressão, bastante saudável e indiscutivelmente necessária, pode se virar contra quem assiste, caso o material exposto induza ao erro ou à má interpretação do que é afirmado.
A meu ver, os blogueiros deviam fazer pelo menos um alerta da validade do que é afirmado. Eu noto que muitos fazem isso, mas outros, infelizmente, preferem continuar com a retórica enganosa, com o claro objetivo de atrair a atenção das pessoas e aumentar o número de assinantes.
A exploração maldosa atrai quem assiste trabalhando cada cabeça no âmbito da ambição de cada um. Quem não quer alguma coisa benéfica sem pagar nada? Ninguém poderá culpar o espectador do vídeo se ele ou ela desejam aproveitar alguma vantagem sem custo, afinal a vida de todo mundo é difícil e o custo de vida cruel.
Por isso mesmo, acho que “propaganda” devia ser rotulada como tal, e nunca disfarçada de algum tipo de vantagem que ninguém vai ver depois! Infelizmente, neste momento, eu não estou otimista se, através ou não de pesquisa de opinião, o Google vai instaurar algum tipo de código de ética. Até agora, o site parece se preocupar apenas com a infringência de direitos autorais. Falta agora salvaguardar os direitos de quem assiste, de saber se o vídeo assistido é sustentado por informações que não prejudiquem ninguém! Outrolado_
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
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Paulo você está se especializando em explorar temas polêmicos, que realmente atraem a atenção do leitor… Especificamente no caso do Youtube então, é figurinha carimbada viu ! Posso te afirmar que uma porcentagem gigantesca de todo conteúdo nela postado diariamente ou é enganação, ou fake news cheias de pirotecnias dos mais diversos tipos e etc… Essa ferramenta de vídeo é um mundo sem regras numa terra de ninguém. A única coisa que se salva lá são os canais oficiais; o resto é perda de tempo ou futilidades. As concorrentes como Dailymotion e Vimeo não se salvam, pois seguem a mesma filosofia, resumindo, perda de tempo. Já em relação ao tema da aferição da velocidade de conexão de banda larga, eu enfrento o mesmo problema aqui em SP; a operadora que uso desde 2014 me vendeu um pacote de internet que nunca atingiu o valor contratado, e o tragicômico é que utilizo o melhor sistema a disposição na minha rua, que por sinal é por fibra óptica “ponta a ponta” (tido como o melhor do país) Mas esse não é o tipo de prestação de serviço que qualquer um pode explorar, pois o investimento em infraestrutura é elevado, mas na atual conjuntura de expansão sem limites da Internet, é uma máquina de ganhar dinheiro, mas te atender ao que se destina e cumprir ao nível do que é praticado no Japão por exemplo… Esquece ! Na verdade todos nós somos tripulantes de um navio que nem o comandante sabe para onde está nos levando, e não temos para onde correr, nem para quem reclamar, pois nada funciona como deveria. Esse país Paulo é como empresas em concordata, vão se arrastando do jeito que dá.
Olá, Rogério,
Alguém tem que falar alguma coisa a este respeito, porque já se passou dos limites há muito tempo!
Infelizmente, a realidade do provedor de Internet parece que nunca terá solução. No suporte da Net, dependendo de quem atende, as respostas variam. Um amigo meu costumava me dizer que é preciso ligar várias vezes para ser atendido. Eu uma queda recente de velocidade a atendente falou do valor permitido pela Anatel, e negou o problema. Na ligação seguinte outra pessoa resolveu mandar o técnico. Note que os provedores usam redes distintas em locais distintos. Não adianta dizerem para mim que no meu local está tudo normal, sem eles medirem nada naqueles pontos! Então, a gente acaba em mato sem cachorro, e é preciso ter um saco de filó para enfrentar o descaso de quem está tem atendendo, em um serviço que você pagou caro para ter.
Se eu estivesse na sua situação, eu procuraria orientação do Procon, o único órgão que ainda se importa com este tipo de problema. Dar provimento e não garantir a qualidade do mesmo é lesivo ao consumidor. Ignorá-lo é abuso de poder econômico!
As receitas do YouTube para retirar recursos do Windows vão contra tudo o que eu aprendi sobre sistemas através das décadas. Informática não é minha área e eu sempre me virei sozinho diante de vários percalços. É literalmente impossível a gente não se chocar ouvindo essas receitas e depois ficar indignado com a falta de responsabilidade no que é afirmado.