Aumentam as ofertas de áudio de alta resolução nos serviços de streaming (e fica a pergunta no ar se alguém ainda se interessa por isso).
Por anos a fio o áudio de alta resolução, conhecido como “Hi-Res Audio”, se tornou um nicho cultivado pela comunidade que perseguiu a vida inteira pelo chamado “som absoluto”, ou seja, aquele que mais se aproxima de instrumentos musicais ao vivo.
O assunto me veio à baila por esses dias por dois motivos: o primeiro, relativo ao lançamento neste mês de junho do Apple Music, que promete streaming de alta resolução, e o segundo por uma torrente de vídeos no YouTube desqualificando todos os formatos, ou a maioria deles. Esses vídeos chegam a mim, porque o Google rastreia os assuntos que eu eventualmente pesquiso e “recomenda” uma série de vídeos pertinentes. Não posso me queixar.
Por anos a fio eu vinha perseguindo a vontade de comprar, baixar e depois passar para uma mídia ótica (DVD-Audio/Video), que é ainda a melhor forma de preservar o conteúdo. Mas, acabei esbarrando em problemas de direitos autorais. No site HDTracks, por exemplo, eles me disseram que por estar no Brasil eu não poderia comprar downloads por lá.
O mesmo me disse a Qobuz, apesar de que neste último eu havia comprado um download com “qualidade de CD”, isto é, 44.1 kHz e 16 bits, sem problema algum. Na segunda compra a alegação de não vender foi a mesma do site anterior. E em ambos os casos eu recorri a amigos para trazer o que me interessava.
Durante anos, eu usei um programa chamado HD-Audio Solo Ultra, fornecido pela Cirlinca, que chegou até a versão 4.4, mas depois a empresa fechou e descontinuou o programa. A ativação era on-line, mas o servidor também fechou, e quase que por milagre eu ainda consigo usá-lo quando preciso.
O HD-Audio Solo Ultra fez tudo o que eu precisava: ele trabalha com CD, DVD e Blu-Ray. Permite montar um disco multicanal a partir dos canais separados. Houve uma época em que eu rodei scripts do Adobe Audition, vindos do pessoal dedicado ao som quadrafônico, e com eles eu montei alguns discos quadrafônicos em DVD-Audio, a partir de elepês quadrafônicos antigos.
Quando certas críticas são exageradas ou sem fundamento
Alguns daqueles vídeos “recomendados” desqualificam o áudio de alta resolução de maneira categórica. Os mais ponderados argumentam, com certa razão, que basta a amostragem de um CD, 44.1 kHz com 16 bits de resolução, para se obter um áudio de boa qualidade.
Antes de mais nada, existem dois parâmetros importantes da tecnologia usada, a saber Áudio e Música de Alta Resolução, apresentadas em produtos com logos diferentes, e que não deveriam ser confundidos:
O primeiro deles refere-se ao hardware utilizado, enquanto que o segundo refere-se ao processo de transcrição e/ou reprodução propriamente dito. Desnecessário dizer que sem o primeiro não haverá o segundo per se.
A premissa, no que se refere ao áudio, é de que, digitalmente, o principal paradigma foi estabelecido no desenvolvimento do CD, com os conhecidos parâmetros, que são 44.1 kHz de taxa de amostragem e 16 bits de resolução. Este valor de amostragem já era avançado na época do seu lançamento, reproduzindo som com curva de resposta de frequência de 0 até 22 kHz, seguido de valores altos de dinâmica e relação sinal/ruído, além de wow e flutter inexistentes.
As objeções de resolução caíram por terra quando os circuitos decodificadores conseguiram atingir os prometidos 16 bits de resolução. Até mesmo as companhias high end se submetem a este segmento do mercado, com aparelhos cada vez mais sofisticados.
Advogados do som “hi-res” partiram do princípio de que é preciso subir a amostragem e a profundidade de bits para conseguir obter maior fidelidade na transcrição de fontes analógicas de áudio, principal procura da maioria dos audiófilos e amantes de música. Em outras palavras, aumento o número de pontos da onda a serem medidas, com um valor de precisão maior no cálculo desta medida.
Em contrapartida, adeptos do som comprimido, tal como MP3 ou AAC, acham tudo isso desnecessário. Caso haja alguma exigência de qualidade, basta aumentar o bitrate do arquivo comprimido. Eu concordo em parte: para certas aplicações, como, por exemplo, levar o som para o carro ou reproduzir em um equipamento portátil, não há grande prejuízo. Eu mesmo transcrevo os meus CDs para MP3 em 192 kHz, antes de passar para um drive USB e usar quando dirijo, quando, aliás, nem dá para prestar atenção na música que está sendo reproduzida, quanto mais observar problemas na compressão da reprodução.
A febre dos streamings
Não há, por enquanto, nada mais moderno que ouvir música por streaming, e os serviços com áudio “hi-res” estão aí, para quem quiser e se dispor a pagar por eles.
No recente lançamento do serviço da Apple me chamou a atenção a oferta de som em Dolby Atmos e formato lossless, presumivelmente em codificação ALAC, que é proprietária. O mais interessante é a promessa do Dolby Atmos com o uso de fones de ouvido, algo, a meu ver, de interesse da própria Apple, que incorpora o recurso nos seus produtos iPad e iPhone. Em princípio, qualquer fone de ouvido pode ser usado. Quem quiser saber como funciona basta entrar no site da Dolby e fazer os testes. Presumivelmente, o serviço da Apple irá oferecer Dolby Atmos em toda a sua plenitude, em sistemas capazes.
Existe pelo menos um formato lossy (comprimido) e que promete áudio de alta resolução cercado de controvérsia: trata-se do MQA (Master Quality Authenticated). Testes feitos por usuários denunciam que de aproximação do som da master o formato não tem nada, e que, na realidade, introduz ruídos no processo de decodificação.
No tocante ao Spotify, existe uma promessa no ar de som de alta definição, mas por enquanto somente as fontes de sinal não devem ter compressão, quando submetidas por seus autores ou proprietários de fonogramas. As músicas transmitidas seguem os formatos Ogg/Vorbis (bitrate de 96, 120 e 320 kbps), AAC (128 ou 256 kbps) e HE-AAC versão 2.0 (24 kbps), segundo informa o próprio serviço. Na assinatura Premium o som é transmitido em AAC com bitrate máximo de 320 kbps, ajustável.
As contradições dos sistemas
Eu acho no mínimo curioso que se ofereça áudio de alta resolução por download e/ou streaming, ao mesmo tempo em que se verifica a completa decadência das principais gravadoras e fechamento concomitante de estúdios e lojas do varejo.
Eu tinha hábito de ir ao shopping do bairro e entrar na loja da Saraiva. Hoje em dia é cada vez mais difícil ver uma loja física deles aberta. Idem para a Livraria Cultura. Quando a empresa reformou o Cinema Vitória, preservando as antigas paredes e áreas de tela, ela construiu um anfiteatro no espaço subterrâneo, com o objetivo de lançar shows e palestras. Com o tempo, a enorme loja fechou as portas, aparentemente em definitivo.
É bem possível e até, porque não dizer provável, que o encerramento de atividades das lojas físicas seja em parte decorrente da falta de interesse do público consumidor na aquisição da mídia musical, geralmente CD ou DVD, às vezes Blu-Ray.
Se é assim, qual seria o interesse no áudio de alta resolução, seja lá por que formato for?
Basta lembrar que este tipo de formato em mídia física faliu completamente, seja ele SACD, DVD-Audio e DAD, mídias que desapareceram por completo. O Blu-Ray de áudio somente não é fácil de achar, e também se pode considera-lo extinto.
Eu creio que ouvir áudio de alta resolução por streaming ou outro meio pode ser ainda um bom negócio para quem presta o serviço, mas se o público consumidor dará algum valor a ele aí eu tenho cá as minhas dúvidas. O meu histórico e o de muitos dos meus amigos sempre evidenciou que a maioria das pessoas que ouve música se interessa apenas pelo conteúdo e não pela fidelidade. E foi, em última análise, por causa disso, que todos os audiófilos que eu conheci sempre se reuniram em grupos isolados, provando assim conclusivamente que o interesse é restrito a um nicho.
E, se for este o caso, eu prefiro ficar observando todas essas ofertas de streaming com áudio de alta resolução, embora positivas, à distância, e ver até onde isso tudo vai parar. Enquanto isso, eu mantenho o meu hobby “dinossáurico” de ouvir música com o uso de discos. Nestes eu ainda sei onde a fidelidade da reprodução está! Outrolado_
. . . .
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
6 respostas
Desculpe, Paulo Roberto, escrevi Henrique.
Não tem problema, Felipe, acontece!
Não vai rir não, mas eu tinha parentes do interior de São Paulo que me chamavam de Zé Roberto. nunca acertavam o meu nome. Os mais próximos da família sempre me chamaram de Paulo Roberto e os amigos somente Paulo. Aliás, os leitores daqui também fazem isso, e eu agradeço pela cortesia.
Desculpe, Paulo Roberto, escrevi Henrique.
Não tem problema, Felipe, acontece!
Não vai rir não, mas eu tinha parentes do interior de São Paulo que me chamavam de Zé Roberto. nunca acertavam o meu nome. Os mais próximos da família sempre me chamaram de Paulo Roberto e os amigos somente Paulo. Aliás, os leitores daqui também fazem isso, e eu agradeço pela cortesia.
Paulo Henrique, quando pude adquirir um cdplayer, no final dos anos 80, fiquei surpreso com a qualidade e a pureza do som. Naquela altura já tinha o restante dos equipamentos, caixas, etc de boa qualidade. A questão hoje é que não há equipamentos reprodutores bons o suficiente e popularizados como naquela ocasião. Ouve-se em caixinhas minúsculas ou, horror, monofônicas. A atual geração millenial não conviveu com as limitações do analógico para conseguir discernir o bom do ruim. Está tudo nivelado por baixo. Só um nicho, muito pequeno de interessados têm equipamentos capazes e modulares que ofereçam saída de alta qualidade que possam reproduzir no seu esplendor as entradas de alta resolução. E é tudo muito, mas muito caro, mesmo em dólar.
Paulo Henrique, quando pude adquirir um cdplayer, no final dos anos 80, fiquei surpreso com a qualidade e a pureza do som. Naquela altura já tinha o restante dos equipamentos, caixas, etc de boa qualidade. A questão hoje é que não há equipamentos reprodutores bons o suficiente e popularizados como naquela ocasião. Ouve-se em caixinhas minúsculas ou, horror, monofônicas. A atual geração millenial não conviveu com as limitações do analógico para conseguir discernir o bom do ruim. Está tudo nivelado por baixo. Só um nicho, muito pequeno de interessados têm equipamentos capazes e modulares que ofereçam saída de alta qualidade que possam reproduzir no seu esplendor as entradas de alta resolução. E é tudo muito, mas muito caro, mesmo em dólar.