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Jesus Christ Superstar, a ópera-rock criada por Andrew Lloyd Webber e Tim Rice nos anos de 1970, completou 50 anos de vida e daquela época sobraram apenas as memórias do momento.

 

Neste fim de ano de 2021, eu me dou conta de que a conhecida ópera-rock dos anos de 1970 tinha completado no ano passado 50 anos do seu lançamento. Havia sido no meu início de faculdade, circa 1971, que os colegas de campus se reuniam uns nas casas dos outros para “estudar”, mas estudo mesmo nunca acontecia de fato. Na minha casa, esses encontros acabam na audição de música, até porque eu era um dos poucos, talvez o único, dessa turma que conhecia e se interessava por áudio.

Era tudo muito informal, o pessoal se sentava no chão e a música rolava por horas, muitas vezes regada a caipirinha. A minha família havia aposentado uma vitrola Telefunken Dominante estéreo, um dos seus últimos modelos, e partido para um som com módulos separados, moda naquela época.

Foi, inclusive, neste período que as importações de equipamentos de áudio haviam sido proibidas, e empresas como Gradiente, Polyvox, Embrassom e muitas outras começaram a surgir neste cenário, enquanto que as tradicionais Telefunken, Philips, Standard Elétrica e outras partiram também para o som modulado.

Jesus Christ Superstar, criada por Andrew Lloyd Webber e Tim Rice, foi lançada em elepê pela MCA Records com a participação da Decca. Aqui no Brasil o álbum duplo foi fabricado com corte de acetato e vinil de boa qualidade, e na época o que mais me chamou a atenção como audiófilo principiante foi o fato do disco ter sido gravado em 16 canais pelo hoje lendário Olympic Studios, localizado em Londres.

O pessoal da faculdade me fez tocar a ópera toda. Uma colega, que tinha gravador de rolo em casa me implorou para fazer uma cópia em fita magnética e depois queria que eu transcrevesse a letra toda, o que eu então recusei, e ela voltou para a minha casa quando a fita ficou pronta e escreveram, ela e o namorado, as letras com papel e caneta.

Uma obra controversa

Jesus Christ Superstar não ficou imune a protestos e discussões acaloradas, cujo fundo nada tinha a ver com música, mas sim com o conteúdo das músicas da ópera.

Para qualquer um, como eu, que gastou anos em um colégio católico, a prisão, tortura e morte de Jesus Cristo foi fruto da união espúria e oportunista entre os sacerdotes judeus e os romanos. Cristo veio ao mundo não só para salvar a humanidade, mas principalmente para trazer uma nova interpretação das mensagens do seu Pai. Tal pregação foi considerada subversiva e ameaçadora às leis locais. Este lado “subversivo” de Jesus está muito bem retratado no filme antológico de Pier Paolo Pasolini “O Evangelho Segundo São Mateus”, de 1964, portanto anos antes da onda “Jesus Freak” dos hippies norte-americanos.

O que a obra de Webber e Rice fez foi descrever a seu modo a condenação política do Cristo, que culminou no seu assassinato. Diz-se na ópera que os judeus não tinham lei para condenar um homem à morte por crucifixão e por isso houve uma tramoia para que tal evento fosse possível.

A ópera também destaca a humilhação sofrida por Jesus, até o momento da sua condenação. E, de passagem, destaca também a suposta paixão de Maria Madalena por Jesus.

Pior, acho eu, foi o filme do diretor Norman Jewison, que encenou Judas Iscariotes na pele do ator negro Carl Anderson, uma conotação nitidamente racista.

Mesmo debaixo de críticas e debates, o álbum duplo da ópera foi cercado de grande sucesso, e a sua música considerada “moderna” para os padrões da época. Para mim, pessoalmente, foi a primeira oportunidade de apreciar o som gravado em 16 canais, uma novidade que se mostrou frutífera e amplamente usada pelos grupos de rock nos estúdios ingleses durante a década de 1970.

Os discos, tanto em CD quanto elepê, estão até hoje aí para quem quiser comprar. Na minha passagem por Cardiff eu comprei o CD duplo, em uma lojinha da cidade chamada de Our Price, ao extorsivo preço de 23.99 libras:

 

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Tanto os elepês quanto os CDs soam muito bem, com o CD a diferença de dinâmica é minúscula, porque as gravações de rock sempre foram propositalmente comprimidas!

Um filme que deixou a desejar

Durante a febre dos filmes exibidos em 70 mm, eu fui ao Cinema Pax, que ficava em Ipanema, cuja aparelhagem 70/35 tinha sido recentemente instalada. E foi lá que eu assisti, em 70 mm, o filme de Norman Jewison, que me deixou muito decepcionado, inclusive por causa da estatura do diretor.

O filme foi ironicamente rodado em Israel, a despeito dos protestos da comunidade judaica, que não gostou das críticas dos autores da ópera ao comportamento político das autoridades locais expostas como repressoras das mensagens de Jesus.

Até hoje, e eu digo isso por revi o filme na TV anos atrás, eu vejo a produção de Jewison como uma obra muito abaixo do que poderia ser, em todos os sentidos. O diretor parece ter pretendido realizar um filme moderno, talvez até “avant-guarde”, mas falhou redondamente. A narrativa no formato ópera é medíocre e não traz consigo o mesmo impacto que a ópera provocou originalmente nas mentes jovens da década de 1970. Mas, isso sou eu, é possível que o filme tenha lá os seus fãs até hoje!

Como todo modismo, as óperas-rock tiveram a sua época e sumiram. Assim como a onda “Jesus freak” dos hippies, que resultou também em peças como, por exemplo, Godspell, que virou filme em anos subsequentes.

Post script

Mais de 50 anos depois, só me resta a lembrança. Não sei se a época foi boa. Naquele momento os militares que governavam o país desencadearam uma violenta repressão, com AI-5, prisões clandestinas, torturas e assassinatos com desaparecimento dos corpos, enquanto que parte da sociedade, sentindo-se ameaçada com a infiltração comunista, seguida de sequestros e guerrilha, apoiava sem hesitar a repressão.

No campus universitário haviam policiais infiltrados nas turmas, e por isso as trocas de opiniões sobre a situação política eram dadas com cautela e desconfiança.

A vida universitária é tradicionalmente cercada de modificações dos hábitos dos estudantes, e comigo não foi diferente. O movimento estudantil, entretanto, foi particularmente tenso, por causa das prisões clandestinas. Eu achei que iria ser preso a qualquer momento, e avisava em casa sobre esta possibilidade, caso eu sumisse sem deixar vestígios.

Eu estive em um show promovido por diretórios no teatro João Caetano, e assim que eu entrei na área do palco, um colega me perguntou se o meu nome era Paulo, e quando eu respondi que era sim ele me falou para ir embora correndo, porque dois policiais estavam ali procurando por um tal Paulo. Só que quando eu saí do teatro, eu esbarro na porta com o Paulo Fernando, e quando eu contei a ele o que se passava ele me diz que era ele, porque já o tinham procurado no plantão.

O Paulo, que depois se tornou um amigo e colega no Departamento de Patologia, era na época estudante de Medicina e acabou sendo preso mesmo. O que toda esta repressão trouxe foi um festival de injustiça e criminalidade política, tendo tirado a vida de muitos estudantes daquela época.

Não me admira que, até hoje, todas as administrações públicas, independentes da sua cor política, detestem o ambiente acadêmico, ao invés de preservar o seu patrimônio. Sinceramente, cansei de me lamentar sobre isso, e passei a não ter esperança de ver qualquer tipo de mudança nesta direção.

Fora do país também, a década de 1970 foi época de rebeldia e repressão, mas sem a coloração dramática dos crimes praticados na América Latina.

Acho, entretanto, que esta onda de temas evangélicos foi muito mais embalada no aspecto comercial do que rebelde ou político. Tim Rice ressurgiu das cinzas colaborando em animações dos estúdios Disney, Webber nem sei mais o que ele anda fazendo, mas importa saber?

De bom ficou o trabalho dos estúdios de gravação, que a gente aprecia até hoje, e eu enxergo em Jesus Christ Superstar como parte da obra do Olympics Studios, que modificou a maneira como nós ouvíamos discos.  Outrolado_

 

. . .

O CD mantém a promessa do som perfeito para sempre

 

À procura do som de alta fidelidade

 

Fitas magnéticas estereofônicas de 2 pistas

Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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8 respostas

  1. Adoro esse filme do Norman Jewison, acho uma obra de arte da música, com ironias, quanto ao ator Carl Anderson, discordo que seja racismo sua escolha como Judas, os melhores papéis e canções do filme são cantadas por ele Carl Anderson. Judas mostra um pensamento complexo e contraditório que gostava de Jesus mas tecia críticas sociais muito interessantes, como na cena em que divide com Maria Madalena e Jesus. As melhores vozes são Carl Anderson e Ivonne Elliman e as melhores canções são estes atores que cantam, Heaven on their mind, Superstar, Everything’s Alright, I Don’t Know How To Love Him. Um dos meus preferidos de todos os tempos, fiquei fã na primeira vez que assisti no cinema, provavelmente 1973 ou 74, junto com O Expresso da Meia Noite provavelmente são os que mais vezes assisti pois comprei as mídias. Abraço

    1. Oi, Fábio,

      Ao longo do tempo, e me arrisco a dizer, até hoje, os textos do Evangelho foram alvo de todo tipo de interpretação por pessoas leigas ou intelectuais e artistas, todas elas com justificado direito de dizer o que pensam a esse respeito.

      Eu me acostumei a ver no cinema todo tipo de mensagem subjacente. Norman Jewison eu tenho certeza de que nunca foi racista, inclusive foi dele um filme contra o racismo chamado No Calor da Noite, mas neste caso eu acho que ele, consciente ou não, pisou na bola.

      Cinema é um tipo de arte de apreciação muito pessoal, e todo mundo que gosta de cinema tem direito de assistir um filme do jeito que quiser.

      1. Aceito mas discordo, papeis que acrescentam e poderiam dar prêmio, Judas ou Maria Madalena, melhores vozes e disparado as melhores canções cantadas pelos atores cantores, estudei em escola particular e de propriedade Marista, mas não cheguei a pensar que Judas era traidor, também nunca li a bíblia, mas pelo filme Judas foi o melhor amigo de Jesus. Fora isso temos a canção Superstar tema principal interpretada pelo Carl Anderson, projeção total para um ator negro e nada negativa. Acho que não sou muito católico ou cristão. Penso que a escolha foi correta e não sinto essa pisada na bola, por parte do Jewison, pelo contrário. Lembro na época a igreja católica protestando loucamente e tentando tirar o filme de cartaz, gerou efeito contrário, filas se formaram. Enfim, só uma visão particular minha, já escutei essa crítica vinda de outra pessoa antes de ti e fiquei muito surpreso. Não consigo ver assim, ainda bem. Valeu, um bom 2022.

        1. Fábio, sobre censura da Igreja Católica: o cinema Pax, onde assisti este filme, era de propriedade dos padres da Igreja Nossa Senhora da Paz, que ficava ao lado. Não é irônico? O filme foi apresentado sem cortes!

          Lembro que no Santo Afonso, que ficava perto da Praça Saens Peña, o padre ia lá e cortava um monte de cenas, e isso é sempre lembrado pelo Ivo Raposo, que trabalhou lá como operador ainda menino. O Ivo conta esta estória nas palestras dele no Centímetro, traçando um paralelo com o filme Cinema Paradiso.

  2. Adoro esse filme do Norman Jewison, acho uma obra de arte da música, com ironias, quanto ao ator Carl Anderson, discordo que seja racismo sua escolha como Judas, os melhores papéis e canções do filme são cantadas por ele Carl Anderson. Judas mostra um pensamento complexo e contraditório que gostava de Jesus mas tecia críticas sociais muito interessantes, como na cena em que divide com Maria Madalena e Jesus. As melhores vozes são Carl Anderson e Ivonne Elliman e as melhores canções são estes atores que cantam, Heaven on their mind, Superstar, Everything’s Alright, I Don’t Know How To Love Him. Um dos meus preferidos de todos os tempos, fiquei fã na primeira vez que assisti no cinema, provavelmente 1973 ou 74, junto com O Expresso da Meia Noite provavelmente são os que mais vezes assisti pois comprei as mídias. Abraço

    1. Oi, Fábio,

      Ao longo do tempo, e me arrisco a dizer, até hoje, os textos do Evangelho foram alvo de todo tipo de interpretação por pessoas leigas ou intelectuais e artistas, todas elas com justificado direito de dizer o que pensam a esse respeito.

      Eu me acostumei a ver no cinema todo tipo de mensagem subjacente. Norman Jewison eu tenho certeza de que nunca foi racista, inclusive foi dele um filme contra o racismo chamado No Calor da Noite, mas neste caso eu acho que ele, consciente ou não, pisou na bola.

      Cinema é um tipo de arte de apreciação muito pessoal, e todo mundo que gosta de cinema tem direito de assistir um filme do jeito que quiser.

      1. Aceito mas discordo, papeis que acrescentam e poderiam dar prêmio, Judas ou Maria Madalena, melhores vozes e disparado as melhores canções cantadas pelos atores cantores, estudei em escola particular e de propriedade Marista, mas não cheguei a pensar que Judas era traidor, também nunca li a bíblia, mas pelo filme Judas foi o melhor amigo de Jesus. Fora isso temos a canção Superstar tema principal interpretada pelo Carl Anderson, projeção total para um ator negro e nada negativa. Acho que não sou muito católico ou cristão. Penso que a escolha foi correta e não sinto essa pisada na bola, por parte do Jewison, pelo contrário. Lembro na época a igreja católica protestando loucamente e tentando tirar o filme de cartaz, gerou efeito contrário, filas se formaram. Enfim, só uma visão particular minha, já escutei essa crítica vinda de outra pessoa antes de ti e fiquei muito surpreso. Não consigo ver assim, ainda bem. Valeu, um bom 2022.

        1. Fábio, sobre censura da Igreja Católica: o cinema Pax, onde assisti este filme, era de propriedade dos padres da Igreja Nossa Senhora da Paz, que ficava ao lado. Não é irônico? O filme foi apresentado sem cortes!

          Lembro que no Santo Afonso, que ficava perto da Praça Saens Peña, o padre ia lá e cortava um monte de cenas, e isso é sempre lembrado pelo Ivo Raposo, que trabalhou lá como operador ainda menino. O Ivo conta esta estória nas palestras dele no Centímetro, traçando um paralelo com o filme Cinema Paradiso.

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