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Muita coisa publicada no passado em revistas influenciou leitores, mas o que se faz hoje na internet mostra supostas virtudes de uma tecnologia de áudio obsoleta.

 

Em épocas remotas, o leitor que fosse audiófilo poderia se expor a ser influenciado pela opinião de articulistas e analistas sobre equipamentos e sobre gravações as mais diversas, com discos de referência escolhidos para testes auditivos ou técnicos dos equipamentos analisados. Revistas como Stereophile ou The Absolute Sound se encaixam mais radicalmente neste perfil.

A imprensa de papel cedeu lugar para a Internet, que junta tudo isso na forma de canais do YouTube, e aí o audiófilo fica muito mais exposto à opinião de terceiros, motivo pelo qual eu escrevi um texto sobre formação de opinião, a qual deve ser sempre a mais pessoal possível. Ouvir opiniões nunca vai ser problema, mas se deixar influenciar em demasia por elas sim.

O leitor, por favor me perdoe, mas tem dias em que é difícil aturar certas coisas, e quanto mais idade se tem mais a gente se conscientiza do que está vendo e/ou ouvindo. Isto acontece porque com o aumento da consciência e do estudo, uma pessoa consegue enxergar mais longe o alcance do que está em frente, inclusive a opinião tendenciosa de terceiros.

Eu assisto vídeos do YouTube todo dia. Se faço bem ou não, às vezes é uma dúvida que me atormenta. Há décadas que a Internet deixou de ser uma rede acadêmica para ser um espaço comercial. E neste espaço foi garantida a liberdade de expressão, o que eu acho justo. Porém, infelizmente, junto com essa liberdade uma série de aberrações do comportamento do dito ser humano afloram na forma de comentários, vídeos e outros meios de mídia. As assim chamadas “fake news” (termo, a meu ver, pedante), por exemplo, está no bojo desta aberração.

E como a base de toda campanha publicitária é a repetição sistemática e constante de algo que se anuncia como “verdade”, na Internet também se pratica este tipo de estratégia, quando se quer “vender” uma ideia ou, como no caso do audiófilo, algum tipo de equipamento.

Quando se enfoca tecnologia, a insistência com a obsolescência está na volta de um passado que, supostamente, nunca foi suplantado e/ou que merece algum tipo de revisita. Quem se propõe a “vender” esta ideia faz de tudo para ignorar o conceito de evolução.

Por acaso, eu tive um orientador do meu trabalho de pesquisa que, quando via alguma coisa parada e não alcançando o seu objetivo, ele me dizia (em inglês): “vamos em frente”. E ele estava certo, porque quando algo está dando errado, anota-se os erros e se parte para outra coisa que possa dar certo e renda os resultados esperados. E isto se aplica literalmente aos avanços da tecnologia do áudio!

Tecnologia versus mercado

Um dos exemplos mais gritantes de avanço tecnológico consistente foi quando o Compact Disc foi desenvolvido. Até então, o mundo do áudio era analógico, e os técnicos e engenheiros passaram décadas sem saber o que fazer para contornar problemas deste tipo de ambiente. No início, as gravações digitais ficavam restritas aos estúdios. A Philips havia tido uma experiência frustrante com o som do videodisco, lançando com o nome de Discovision, mídia totalmente analógica.

Por causa disso, no desenvolvimento do Compact Disc o áudio analógico acabou sendo descartado, em favor do digital, não só muito superior em vários aspectos técnicos, como capaz de armazenar informações, por exemplo, metadados, que em ambiente analógico seria muito difícil de serem gravadas.

Eu tenho até hoje 99% de certeza de que o progresso da mídia gravada e reproduzida em ambiente digital passou totalmente transparente para o consumo de massa. No entanto, o que determinou a falência dos elepês foi a escolha pela compra do CD, e não os aspectos técnicos deste último. Ou seja, o mercado consumidor de massa deixa de comprar elepês, e opta por uma mídia que prometia “Perfect Sound Forever”, jargão de anúncio pela Philips para dizer que a nova mídia iria resistir ao tempo.

As campanhas publicitárias, que eu me lembre, nunca espelharam o que de fato era o progresso da nova tecnologia, e por isso, provavelmente, o grande público que nunca tinha ouvido falar em relação sinal/ruído, wow, flutter, faixa dinâmica, etc., ficou por isso mesmo a ver navios. Vai alguém falar de compressão hoje em dia, quando o consumo de massa prefere o som do streaming ao invés de colecionar discos, e o assunto, tenho certeza, vai cair no vazio.

Às vezes, eu vejo no YouTube alguém lembrando que o CD toca muito bem, mas o porque deste avanço pouco se comenta. A verdade nua e crua é que o peso do mercado fala mais alto, porque hoje um CD custa pouco, e um elepê custa muito, mas muito mesmo. E é isso, em última análise, o fator determinante da decisão atual de compra de um consumidor leigo. Se o comprador usual compra um CD ao invés de um elepê ele ou ela não precisarão se envolver com ajustes tediosos e manutenção de cápsulas e toca-discos.

A insistência com a tecnologia obsoleta

Um dia desses, alguém que eu não lembro quem foi, me pergunta se eu havia reparado que a maioria das cenas de filmes norte-americanos que mostram um ambiente onde alguém está ouvindo música, o personagem aparece tocando um elepê. Claro que eu havia reparado, mas não fica claro de imediato a razão pela qual um toca-disco analógico é exibido nas cenas, a não ser que o roteirista queira provar que o elepê nunca morreu.

Na realidade, é mais provável se tratar de uma propaganda subliminar, como se a volta ao passado fosse recompensante. Mas, isso esbarra em um problema, que é a realidade atual do comércio, onde um elepê continua sendo vendido a um preço elevado, justificado como prensagem limitada ou algo parecido. E assim o suposto poder de convencimento da superioridade da mídia cai no vazio e/ou no tamanho do bolso do consumidor.

Em um momento da história onde o consumo de massa se voltou para o streaming, podendo-se inclusive achar por lá discos difíceis de comprar, sugerir a volta ao elepê chega a ser inútil. Vejam que no YouTube uma quantidade apreciável de vídeos fabricados por audiófilos conservadores, tentando ser persuasivos, mostra toca-discos esotéricos, vendidos por alguns milhares de dólares. E isso sem falar no custo da mídia.

Um disco de vinil da Mobile Fidelity, por exemplo, passa fácil dos 100 dólares, fato este que provocou a ira de audiófilos viciados em elepês e fazer campanha batizada por eles de Mo-Fi Gate.

A mesma insistência de consumo se repete com a exibição de componentes separados para tocar um CD. Um leitor de discos, que faz o papel de transporte, é associado a um conversor digital-analógico (DAC) externo, cujo papel seria otimizar a reprodução da mídia. Alguns chegam ao ponto de afirmar que somente desta maneira o som fica mais próximo do analógico! Só que, como anteriormente mencionado, o custo de um transporte separado também custa alguns milhares de dólares.

Tal investimento teria sentido, caso um reprodutor de mesa, para DVD ou Blu-ray, não pudesse servir de transporte, o que absolutamente não é o caso, seja através de uma saída digital, tipo SPDIF coaxial, Toslink ótica ou, de preferência, HDMI.

Se um leitor de mesa tiver uma saída digital é possível entregar o áudio em ambiente digital diretamente a um decodificador externo. O que vai acontecer depois vai depender da montagem de cada sistema de reprodução. No passado remoto, eu montei um player de mesa com saída analógica multicanal ligado a um A/V receiver, e comparei o som obtido com o da saída por HDMI. A diferença, neste caso, reside no tipo de decodificador usado.

A diferença do caminho por onde o som passa é que o decodificador do leitor de mesa estará em pleno funcionamento, entregando assim o som analógico previamente convertido. Enquanto que, se o áudio passa por HDMI, o processo de decodificação acontecerá no decodificador externo, seja lá qual for. Em qualquer teste deste tipo, a diferença na qualidade do som ficará restrita ao melhor entre os dois decodificadores, o interno ou o externo.

E como geralmente a escolha do equipamento externo tem um custo mais elevado, o bom senso manda que se procure um aparelho com o melhor decodificador possível, mas não necessariamente daqueles esotéricos testados nos vídeos!

 

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Embora decodificadores externos possam ser de excelente qualidade, um bom A/V receiver, alimentado digitalmente, dará resultados nunca antes esperados, com a vantagem implícita de trabalhar com qualquer codec. E se alguém tem dúvida, é só fazer a comparação, e tirar conclusões por si próprio.

Vale lembrar que a saída HDMI sempre terá capacidade de transmitir um bitrate elevado, permitindo assim a reprodução do áudio sem compressão, seja lá qual for a fonte de sinal. É por isso, inclusive, que os fabricantes de mídia rotulam o áudio de alta resolução do Blu-Ray de “Pure Audio”.

Quem já atualizou a instalação de equipamentos de áudio e vídeo poderá perceber facilmente que CDs antigos soam hoje muito melhor do que com equipamentos anteriores. Tal resultado tem a sua razão de ser, começando pelo aperfeiçoamento do sistema de leitura e terminando nos algoritmos e chipsets sofisticados, amplamente disponíveis no mercado. Vários modelos de receiver estão por aí oferecendo aprimoramento de sinal digital, comprimido ou não, independente da fonte do sinal que entra.

Por isso, quando eu vejo alguém no YouTube dizendo que se arrependeu de ter vendido parte da coleção de CDs, por conta de ter instalado um equipamento novo e atual, só me resta achar graça da desgraça alheia, o que, aliás, não é nada elegante da minha parte!

O universo digital

Infelizmente para muitos que são fãs incondicionais do áudio analógico, o som e a imagem que passaram a ser capturados e reproduzidos em 100% dos equipamentos atuais, é uma realidade digital irreversível. Se alguém caminhar em sentido contrário, remontando o caríssimo áudio analógico esotérico, tão profusamente cantado em prosa e verso na Internet, correrá o risco de ficar para trás, tamanha a defasagem da tecnologia envolvida.

É claro que cada um decide o que é melhor para si. Fazer campanha envolvendo tecnologia ultrapassada já é um outro assunto. Sob certos aspectos, eu diria que este tipo de campanha, que “vende” uma ideia dessas, é, no mínimo, perniciosa e maldosa por natureza, porque as opiniões acabam se transformando em verdades insofismáveis. É a situação típica do efeito negativo do uso da liberdade de expressão, que é garantida a quem posta as suas ideias na Internet, e nada se pode fazer a este respeito.

Eu às vezes me questiono o porquê dessa insistência. É possível que quem posta seus vídeos na forma de campanha não tenham tanta certeza assim do que falam. Vou mais além, que se alguma dessas pessoas mais radicais escuta streaming ou downloads de alta resolução ele ou ela nunca iriam revelar claramente que fazem isso!  Outrolado_

 

. . .

 

Na qualidade do áudio, seja juiz de você mesmo!

A traição digital para os fãs do vinil

Máquinas maravilhosas com tecnologia obsoleta

Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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0 resposta

  1. Acreditar que o som analógico (via lps) é melhor que o digital é como afirmar que a Terra é plana. Antes da mídia física prensada, 99,9% do áudio capturado para gravação é digitalizado para em seguida ser editado em DAWs, como Logic, Cubase, etc. Ora, se é digital na origem, porquê afirmar que analógico é melhor? Isso só tem a ver com saudosismo, com culto a uma personalidade musical ou simplesmente para uso decorativo em uma estante cheia de lps. Contudo, concordo que para o artista, a venda da mídia física pode ser ( como já foi ) extremamente rentável.

    1. Oi, Felipe,

      Pior é que não é mais rentável, porque os fonogramas pertencem às gravadoras, a não ser que nos contratos com os artistas esteja estabelecido que a master pertence a eles, ou algo deste tipo. Anos atrás, eu conheci o Bebeto, do Tamba Trio, que ficou sabendo que a UMG (que comprou o acervo da Philips e de outras gravadoras) estava editando discos do Tamba no Japão, e ele, um dos sobreviventes do Trio, nunca viu um centavo das vendas. Como fã, eu achei ótimo, porque nenhum desses discos foi reeditado aqui, mas ele, é claro, tinha todos os motivos para ficar chateado!

  2. Acreditar que o som analógico (via lps) é melhor que o digital é como afirmar que a Terra é plana. Antes da mídia física prensada, 99,9% do áudio capturado para gravação é digitalizado para em seguida ser editado em DAWs, como Logic, Cubase, etc. Ora, se é digital na origem, porquê afirmar que analógico é melhor? Isso só tem a ver com saudosismo, com culto a uma personalidade musical ou simplesmente para uso decorativo em uma estante cheia de lps. Contudo, concordo que para o artista, a venda da mídia física pode ser ( como já foi ) extremamente rentável.

    1. Oi, Felipe,

      Pior é que não é mais rentável, porque os fonogramas pertencem às gravadoras, a não ser que nos contratos com os artistas esteja estabelecido que a master pertence a eles, ou algo deste tipo. Anos atrás, eu conheci o Bebeto, do Tamba Trio, que ficou sabendo que a UMG (que comprou o acervo da Philips e de outras gravadoras) estava editando discos do Tamba no Japão, e ele, um dos sobreviventes do Trio, nunca viu um centavo das vendas. Como fã, eu achei ótimo, porque nenhum desses discos foi reeditado aqui, mas ele, é claro, tinha todos os motivos para ficar chateado!

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