A educação musical deveria ser matéria lecionada no ensino básico. Na ausência dela cabe aos pais expor seus filhos à música, para que tenham noção do que estão ouvindo e decidir o que lhes agrada mais.
Eu posso estar enganado, mas o gosto pela música de qualquer tipo começa na infância ou na adolescência. Até hoje, eu não vejo nenhuma iniciativa de educadores do ensino de base para incluir uma disciplina que permita aos alunos tomarem conhecimento dos diversos gêneros e movimentos musicais ao longo das décadas, e ensinar a quem estuda a explorar a música por si mesmos.
Como na escola isso não é possível, cabe aos pais desempenhar o papel de educadores e expor os filhos à música, mas de maneira que eles possam decidir o que querem ouvir. Eu dei muita sorte neste particular, porque a minha mãe observou que eu ainda criança ficava em silêncio quando a música tocava.
O exemplo sempre vem dos pais, e, neste caso, veio da minha mãe. Ela veio de uma situação de menina pobre, a família abandonada pelo pai, junto com 3 irmãs e um irmão. Mas, ela me dizia, com muito orgulho, que, assim que ela conseguiu um emprego, usou o primeiro salário para comprar um rádio, que era fonte de música naquela época.
O meu pai, se alguma coisa boa fez, deu total apoio a ela, se esforçando financeiramente para comprar uma vitrola Telefunken Dominante, com som de alta fidelidade, e com a qual a mamãe se serviu para se estimular a comprar discos e fazer uma pequena coleção.
Na minha casa se ouvia música todo dia. Lá pelos meus 13 ou 14 anos de idade, eu conheci o meu compadre. Ele havia me pedido para ouvir o disco Ajuri Musical, com Harry James e sua orquestra. O motivo era simples: ele era estudante do secundário, tocava trompete, e se identificava com a música jazzística.
Naquela época era comum uns convidarem os outros para ouvir música na casa de alguém, e este hábito aconteceu muito também na minha época de universitário, onde cada um descobria o gosto musical dos outros.
Assim, o disco do Harry James se tornou o ponto de partida de uma amizade sólida, com a qual eu aprendi o que era Jazz, e por causa disso eu me identifiquei rapidamente com este estilo de música.
A propósito de Harry James, quando ele veio ao Rio para dar um concerto, e foi entrevistado por uma pessoa da antiga TV Educativa, ele disse, e com toda razão, “a gente toca aquilo que sente”.
O belíssimo som deste trompetista mostra inequivocamente que muitos músicos de Jazz conseguem ter um som peculiar do instrumento, a tal ponto que, quando se ouve, se sabe quem está tocando. E este raciocínio é válido para estilos de orquestras também.
Em tempos recentes eu fiz um enorme esforço para conseguir de volta o Ajuri Musical, e acabei achando a versão original da Columbia, em um CD duplo, com o título Juke Box Jamboree:
O disco é o mesmo, mas no Brasil foi lançado com outra capa e com este estranho nome de Ajuri, que significa esforço coletivo. O disco é ótimo, a minha faixa favorita é a lindíssima interpretação de Serenata, do compositor Leroy Anderson.
É engraçado como essas coisas acontecem, porque eu tinha discos com artistas de Jazz, sem saber exatamente o que era este tipo de música. E uma das minhas primeiras iniciativas foi me deslocar para o centro da cidade, e sair catando discos que me mostrassem o que eu precisava conhecer. E logo na primeira incursão, eu voltei para casa com 3 discos: um deles, de Dixieland, outro de Bebop, e mais um outro, pelo qual eu me apaixonei, de Hard Bop, jazz progressivo, oriundo do Bebop:
Al Hirt, por incrível que pareça, não era unanimidade entre os críticos de Jazz naquela época, e recebeu todo tipo de crítica. Entre eu e meu compadre, surgiu uma grande admiração pela virtuosidade deste músico. Quando em visita a New Orleans, o meu compadre descobriu Al Hirt em um bar local, e tirou uma foto com ele, para a lembrança dos nossos velhos tempos. O Swingin’ Dixie mostrado acima é o quarto de uma sucessão de discos com o mesmo nome.
Durante a minha recuperação de elepês que sobraram, eu importei todos os 3 discos anteriores para remasterizar, mas tempo depois esses 3 discos saíram em CD, ou seja, nada do quarto disco, provavelmente por ninguém ter achado a master. Mas, a Audio Fidelity lançava fitas magnéticas em rolo de altíssima qualidade, e eu dei a sorte de descobrir uma à venda na Internet. Mandei a fita para um amigo meu americano, que coleciona este tipo de material e ele me mandou a cópia das faixas, salvando então o disco com o melhor som possível.
Na minha fase de adulto eu tive a chance de ver de perto Dizzy Gillespie, no antigo Super Bruni 70, e Art Blakey no Teatro João Caetano, este com uma formação dos Jazz Messengers mais recente. Blakey tinha hábito de lançar músicos mais jovens. Aquele meu primeiro disco tinha na formação o trompetista Lee Morgan, que lamentavelmente teve um fim trágico ainda muito jovem.
Uma coisa que sempre me causou espécie, por que não dizer, um certo espanto, foi o de conviver com pessoas que gostam de Jazz, mas que, por qualquer motivo, não aceitam muitos músicos e por isso não compram o que eles gravam. A discriminação é franca e direta, e não há nenhuma chance de alguém dizer algo em contrário. Foi por isso que eu sempre ouvi opiniões negativas sobre músicos que eu aprecio e me recusava a falar qualquer coisa em contrário.
Aliás, eu parto do princípio de que a sensibilidade de cada um é que irá determinar o que aquela pessoa acha bom ou ruim do que ouvem. E, neste ponto, raramente se chega a um denominador comum, mesmo entre amigos!
O Jazz é uma música libertária. Ele começou com os spirituals e com as canções de trabalho dos negros saídos da condição de escravos nos Estados Unidos, mas assim mesmo vítimas da discriminação racial que durou por décadas a fio. Buddy Bolden foi creditado por historiadores como o primeiro músico que estruturou um estilo de música que iria depois ser reconhecido como “Jazz”.
Houve inegável influência do ragtime e do blues, esta a música de lamento que caracteriza o sofrimento dos negros. “Jazz” ou “Jass” vem de um termo, provavelmente africano, com uma conotação sexual implícita, tipo assanhado ou levado, etc.
A essência do Jazz é a liberdade do improviso e da criação. Muitos músicos de Jazz “compõem” uma música com este tipo de improvisação no momento que estão tocando. Deve ter sido por isso que Louis Armstrong, músico que revolucionou o Blues, conseguiu inventar o chamado “scat singing”, no exato momento de uma gravação.
Diz a lenda que ele teria esquecido a letra ou a deixou cair no chão, e não queria parar a gravação. Se foi ou não, o fato é que, cantando daquele maneira, ele influenciou gerações de cantores.
O Jazz pode representar tudo: alegria ou tristeza, euforia ou introspecção, mas seja lá o que for, vai depender de cada um a receptividade e o sentimento que permitam a quem ouve entender o que se está tocando.
Quanto à questão da educação, no meu entendimento, os pais nunca devem impor aos filhos o seu gosto musical, e sim deixar com eles próprios a decisão da escolha daquilo que soa melhor aos seus ouvidos! Outrolado_
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Louis Armstrong, o menino de origem humilde que reinventou o Jazz
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
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Boa tarde, Paulo. Texto interessante. De minha parte tenho que confessar que ouvi poucas músicas na infância e adolescência. Lá pelos meus vinte anos comprei um radinho à pilha da Mitisubishi e ficava ouvindo a Rádio Bandeirantes e Record de S.Paulo. Já no início dos anos 1970 adquiri uma vitrola bem simples, portátil e ouvia LPs principalmente aqueles com músicas de faroestes italianos tipo O Dólar Furado e Cia.
Bons tempos!
Oi, Celso, sem dúvida. Quase todas as minhas amizades que duraram a vida toda foram baseadas no gosto pela música, algumasa pelo áudio também.