Lionel Hampton e meus heróis musicais do passado

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Um dos meus grandes heróis musicais do passado foi o vibrafonista Lionel Hampton, cujo fraseado eu até hoje nunca vi igual.

 

Toda criança que atinge a adolescência vê o mundo mudar à sua volta, e não apenas pelas descargas de novos hormônios no plasma, mas também pelas descobertas que o sentimento de cada um oferece!

Existe uma teoria científica que levanta a hipótese da existência de um cérebro velho, que é resultado dos anos de experiência de vida dos nossos antepassados, e um cérebro novo, onde nós mesmos acumulamos as nossas experiências e as passamos para os nossos descendentes.

Se é assim, é bastante possível que algum dos meus antecedentes seria fixado em música sentimental do século 19 e talvez início do século 20, quando o Jazz começou a tomar forma, e eu o assimilei completamente no início da minha adolescência.

Se for para reforçar esta hipótese, ela também se confirmou com o meu filho mais novo, em cujo início de adolescência aconteceu o seu envolvimento com música erudita, mais especificamente com a obra de Beethoven.

Vejam bem que eu sempre tive por princípio jamais influenciar os filhos para gostarem da música que eu ouço, e na realidade, eu nunca fui fã adotivo de Beethoven. O gosto do meu filho pelo compositor foi então, natural e espontâneo!

Há também uma conexão entre a música que alguém gosta e a psiquê desta pessoa. E tal fenômeno é natural e intransferível. Cabe a nós pais oferecer a música aos filhos, e deixar que eles façam a escolha que quiserem. Idealmente, o ensino básico deveria participar deste processo, mas por aqui eu nunca vi escola nenhuma fazer isso.

Os heróis musicais de cada um

Eu só posso falar por mim mesmo. Começando a gostar de Jazz, corri nas lojas de disco para achar elepês de interesse. E logo de cara, acabei descobrindo que não era somente do Jazz tradicional a música na qual eu me identificava. Eu comecei ouvindo e sentindo a música de Louis Armstrong, mas logo a seguir já estava ouvindo e me identificando com o bop e o hard bop, mas figuras de Dizzy Gillespie e Art Blakey, respectivamente, artistas que anos depois eu os vi tocando aqui no Rio de Janeiro. Quando Louis veio aqui eu era menino e sequer sabia o que era Jazz.

Eu também desenvolvi uma forte atração pela música vocal, e não me refiro apenas a cantoras, como Ella Fitzgerald, mas a grupos vocais de notória expressão, como, por exemplo, Os Cariocas, na década de 1960.

Um dos meus grandes heróis musicais do passado foi o vibrafonista Lionel Hampton, cujo fraseado eu até hoje nunca vi igual. Hampton havia gravado um disco para a Audio Fidelity com o título “Hamp’s Big Band”, e eu acho que ouvi este disco até furar o sulco. Anos depois, eu comprei o elepê estereofônico importado (o meu disco original era mono) e mais adiante a edição especial em CD, editado pela subsidiária da RCA na Europa, vista à direita na figura abaixo:

Um outro disco de Lionel Hampton que eu ouvi à exaustão foi o da sua participação no Festival de Newport, chamado de “Newport Uproar”. Não sei até hoje se este termo “Uproar” se refere ao improviso com um certo estardalhaço, ou se pelo drive (“ataque”) da orquestra, presente na maior parte do concerto. O disco original teve uma remasterização da RCA na série caprichada chamada de Bluebird:

Neste concerto em Newport, o grande trompetista Joe Newman faz referência ao lendário trompetista Benny Bailey em “Meet Benny Bailey”, com um solo espetacularmente inspirado.

Mas, na execução de “Flying Home” a orquestra toda se solta, e chega a um clímax extraordinário. Ao final, o apresentador do concerto, ainda estupefato, se limita a dizer “Wow, that hasn’t happened since Duke”, “Uau, isto não acontecia desde Duke” (Ellington), tamanha a vibração da plateia.

Quis o destino que em 1993 eu fosse convidado para assistir o grande Lionel Hampton, com uma formação de inúmeros grandes músicos, durante o Festival de Jazz de Brecon. O grupo, chamado de “The Golden Men of Jazz”, fora formado para gravar na Telarc, que editou um CD naquela época, vendido durante o festival. Neste concerto, eu tive a chance de ver músicos que eu ouvia em disco, mas nunca cheguei a ver no palco, como o baterista Grady Tate, o saxofonista James Moody, par constante de Dizzy Gillespie, ou o trompetista Harry “Sweets” Edison, que ganhou este apelido pela maneira “adocicada” de tocar.

Duas coisas me constrangeram naquela noite: primeiro, Hampton teve que ser conduzido ao palco amparado por duas pessoas, e no final do concerto a plateia agitou lenços brancos na sua despedida, dando adeus ao músico.

A BBC fez uma extensa reportagem sobre o evento, que eu gravei em fita VHS, que foi descartada anos depois, mas eu achei quase que por acaso alguém que postou um clipe, muito tosco, daquele momento, e na ausência de outra documentação eu o compartilho a seguir:

Apesar da idade avançada, Lionel Hampton tocou que nem uma criança e ainda estava em plena forma, como mostra este clipe de um outro festival daquela época:

O impacto dos grandes músicos e compositores na mente de um adolescente é importante, e faz parte do processo de formação de qualquer pessoa! É por isso que eu guardo até hoje as lembranças desta época, e quem quiser me conhecer melhor neste particular é só ouvir a mesma música que eu ouvia!

O sentimento musical não tem fronteiras

Por repetidas vezes eu comentei a fusão que existiu entre a Bossa Nova e o Jazz, sobre a qual eu me questionei várias vezes, na tentativa de descobrir porque um movimento musical local, o da Bossa Nova, despertou tanto interesse em músicos de Jazz que já haviam se tornado referências do tipo de música que tocavam e gravavam.

Tom Jobim disse em uma entrevista que ele fazia música para as garotas do bairro, uma tremenda ironia, vinda de um compositor que revolucionou a maneira como as suas músicas foram criadas, pouco importa se por influência de Chopin ou Débussy.

Depois que Stan Getz e Charlie Byrd gravaram Jazz Samba, outros saxofonistas de porte se aventuraram no mesmo tipo de projeto, o mais notório deles foi Cannonbal Adderley, que tocou com o Bossa Rio, disco este gravado com a música sincopada genuína da Bossa Nova, que os outros músicos americanos admitidamente ainda não haviam dominado totalmente.

Por esta incapacidade inicial de domínio sobre o novo gênero, grandes saxofonistas fizeram seus discos ao seu jeito, provavelmente para não perderem a chance de assimilar aquele algo novo que tinham ouvido. Foi o caso, por exemplo, de Coleman Hawkins e de Charlie Rouse, este último par constante do quarteto de Thelonious Monk.

Além de Charlie Byrd, vários outros músicos vieram por aqui e gravaram localmente, como, por exemplo, Herbie Mann, com um acompanhamento do que havia de melhor naquele momento.

Durante anos, ficou para mim no ar a explicação da razão de tantos músicos famosos de Jazz abraçarem sem hesitação a Bossa Nova. Se eu dependesse da opinião de críticos mordazes, como foi o José Ramos Tinhorão, que abjetou a Bossa Nova desde o seu nascimento, eu diria que era porque músicos de Jazz “velhos e decadentes”, e sem conseguir vender mais discos, buscaram na nossa música uma fórmula de reaparecer!

Será? Eu teria que ser mais idiota do que eu sou para aceitar tal tipo de raciocínio. Teria também que excluir deste interesse a descoberta de algo novo e com profundas raízes no que a linguagem musical tem de mais nobre: a criatividade e o lirismo.

Basta ver a obra de Tom Jobim naquele momento, cuja alma teve um enorme impacto e inquestionável aceitação no meio jazzístico como fonte de inspiração. O lirismo, aliado à complexidade pouco percebida das músicas do Tom deixaram os músicos de Jazz de queixo caído, e é coerente a procura desses últimos em todas as fontes de inspiração dos músicos brasileiros do movimento.

Segundo se conta, quando estes chegaram em Nova York, estava lá no aeroporto um grupo de músicos de Jazz para recebê-los. O fato causou surpresa a compositores como Roberto Menescal, que relatou tudo isso, mas a seguir tudo ficou mais claro: todos eles queriam ver de perto aquele grupo inovador, que lhes traria a oportunidade de se lançarem em algo novo, mesmo que, inicialmente, tocado do jeito deles.

A música do Tom e de outros compositores calou fundo como sentimento nunca antes percebido, e é fácil entender porque! Até hoje, a Bossa Nova é uma das principais referências de música romântica e intimista, e se pode ouvi-la em trilhas sonoras e em tudo que é canto. O amor que a Bossa Nova tão bem representa faz parte de uma época, e eu, por acaso e por sorte, a vivi intensamente. Outrolado_

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Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim

 

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Ella Jane Fitzgerald, a voz mística do Jazz

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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