O cinema moderno criou o som 3D como forma de colocar quem assiste o filme dentro da cena. Emuladores de som 3D conseguem fazer isso com trilhas multicanal convencionais. Veja como chegar lá.
Toda pessoa que se propõe a fazer uma montagem correta que melhor represente a sala de cinema dentro de casa, o assim chamado “Home Theater” ou “Home Cinema”, como preferem os europeus, acaba esbarrando no seguinte questionamento: como saber se a montagem do som está correta? E a resposta a esta pergunta é mais simples do que imagina a nossa vã filosofia, como vamos ver a seguir:
Na minha pré-história tentando montar o meu primeiro home theater eu usei quatro caixa acústicas, como se fosse um layout para som quadrafônico. E este layout conseguiu emular a reprodução do chamado Dolby Surround.
Isto foi feito com a ajuda de um amplificador estéreo dotado de duas saídas de caixas acústicas, uma delas, usada para o surround, foi cabeada seguindo os princípios do Circuito Hafler. A eficiência deste circuito era tão grande que muita gente preferia usá-lo ao invés do Dolby ProLogic, quando este último apareceu nos A/V receivers.
Ainda nesta época, os primeiros Laserdiscs com Dolby Digital 5.1 começaram a aparecer, mas com eles era possível reproduzir Dolby Surround em trilha PCM.
Logo a seguir, eu comecei a transformar o layout daquelas quatro caixas acústicas para reproduzir Dolby Digital, mas a tecnologia era nova demais para a época, e deixou muita gente confusa, inclusive no fórum americano que eu frequentava naquele momento. Foi necessária uma incessante experimentação no posicionamento das caixas traseiras.
As mudanças de posição foram tantas que as paredes da minha sala mais pareciam um queijo suíço. Com o tempo e com a experiência conseguida foi finalmente possível entender como eram feitas as mixagens para os filmes e como elas deveriam ser ouvidas dentro de casa.
Como chegar lá
O problema central neste tipo de empreitada é saber como uma trilha sonora é reproduzida em uma sala de cinema e como é possível arrumar as caixas acústicas dentro de casa, de tal forma que esta reprodução seja idêntica!
O leitor que, por acaso, me acompanha, deve se lembrar que eu fiz uma visita e a relatei em um cinema com Dolby Atmos. Só depois desta visita é que eu pude ter um pouco mais de certeza de que a montagem que eu havia feito estava correta.
O Dolby Atmos é hoje a principal referência para aquilo que os técnicos classificam como “imersividade”. O conceito de imersão auditiva implica em deixar o ouvinte completamente envolto pelo som reproduzido. Se este objetivo for atingido, quem monta o home theater pode ter certeza de que se atingiu o posicionamento correto das caixas.
O conceito de imersão é o resultado da evolução de reprodução atingida atualmente, acreditem, depois de uma série de tentativas frustradas! Na ilustração a seguir, se pode ter uma noção desta evolução. Notem que as primeiras experiências feitas por Alan Blumlein no passado longínquo já tinham como objetivo o envelopamento do som nos ouvidos, chamado de som binaural. O binaural de Blumlein poderia ser considerado o precursor da trilha sonora 3D dos cinemas atuais.
Os laboratórios Dolby fizeram uma comparação de reprodução do som, a partir do som estereofônico convencional, até chegar ao som 3D do Dolby Atmos:
Um resumo desta evolução é reproduzido no vídeo a seguir:
O layout das caixas acústicas dentro de casa tem que obrigatoriamente circundar quem ouve, de tal forma que ele forme uma abóbada, dentro da qual o ouvinte se situa. Na prática, significa ouvir som de tudo quanto é lado, mas no caso do Dolby Atmos, som vindo do espaço ao redor.
Uma sala de cinema com Dolby Atmos faz isso com alto-falantes obrigatoriamente posicionados no teto, mas em casa existem outras formas de se obter o mesmo efeito:
Se o objetivo da montagem for atingido o ouvinte ficará “imerso” no som da sala. Como as trilhas sonoras multicanal convencionais não previram isso, os decodificadores (Dolby Atmos ou DTS:X) emulam o som 3D a partir de qualquer trilha, emuladores esses chamados de Dolby Surround e Neural:X, respectivamente.
Na minha experiência, e com o layout acertado, os emuladores acima citados produzem um efeito auditivo bastante convincente. Nos trailers de demonstração do Dolby Atmos, há uma menção à audição de “toda a imagem”:
Na realidade, isto só é possível se a pessoa que ouve for “engolfada” pelo som ambiente, de tal maneira que ele ou ela se sinta absorvida completamente pela sensação de “estar lá dentro” da cena do filme. Em um dos primeiros trailers demonstrativos do Dolby Atmos, a Dolby faz menção a este envelopamento, fazendo o som girar em torno de quem ouve:
Aqui novamente o Dolby Atmos se distingue do som 5.1, 6.1 ou 7.1 quando o som reproduzido aumenta o escopo e a amplitude da reprodução (“Full 360º”) na dispersão ambiental, tanto no sentido vertical quando horizontal. As caixas Atmos são as responsáveis por estas diferenças.
Em resumo, o som de casa estará corretamente montado se na reprodução das trilhas sonoras quem ouve se sente dentro da cena. Esta abstração é fundamental no cinema. No passado distante, o som nos filmes foi alvo de polêmica, muitos cineastas achavam que a imagem pura era a única que tinha sentido. Alfred Hitchcock chamava esta imagem de “pure cinema”. Mas, retire as trilhas de Bernard Hermann desses filmes e veja o que sobra!
A valorização da trilha sonora e a sua importância na narrativa e na linguagem cinematográfica só foi conseguida com o tempo. E hoje é inimaginável abrir mão de uma reprodução de qualidade, quando se monta um home theater. Todos os decodificadores, sem exceção, preveem vários tipos de layout, 3D ou não. Com um pouco de paciência, qualquer pessoa pode instalar um cinema em casa, e esta experiência não tem igual. Outrolado_
. . .
A minha primeira experiência em uma sala de cinema com Dolby Atmos
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
0 resposta
Pois é Paulo, no final dos anos 80 os Home Theaters parrudos chegavam em nossas casas, mas como sempre a indústria lança novas tecnologias para baratear e piorar esse sistema primoroso. A última piada dessa “pseudo inovação” é o lançamento das Soundbar Home-Theater de 5.1 até 9.1 canais numa única caixa. Ou seja montaram numa barra de som mais comprida, o receiver e todos canais de áudio numa única peça. Isso nos trás a lembrança das caixinhas Bluetooth estéreo, em uma única unidade. Aí podemos concluir que a indústria projeta o final dos players de mídia óptica…
Mas faz parte né? Boas festas e um forte abraço.
Oi, Rogério,
Que bom que eu não sou o único a perceber isso. A minha TV OLED LG atual reproduz Dolby Atmos e é péssima no sentido da dispersão, até mesmo com programas em estéreo. Eu postei um video mostrando o problema inaceitável dessa TV diminuir o som quando reproduz Dolby Atmos e várias pessoas que assistiram comentaram que instalaram uma barra na TV e tiveram problemas. Note que a TV é cara, e classificada pela LG como “premium”.
Eu já usei uma barra no passado distante e só funcionava melhor (em estéreo somente) porque o som da TV era ruim, como de hábito. Então, comparativamente, a barra trazia vantagens. O ideal seria a TV resolver isso, e não acho impossível. A indústria é que não se esforça para atender quem procura um som melhor, impondo uma solução que é a de voltar para a montagem ortodoxa do áudio de filmes, com receivers e caixas acústicas discretas.
Eu quero aproveitar o ensejo e te agradecer pelo prestígio constante que já deu a esta coluna, e pelos comentários produtivos que você fez. Espero estar sempre à altura de justificar a leitura de pessoas como você.
Boas Festas, um Feliz Ano Novo a você e todos os seus!
Pois é Paulo, no final dos anos 80 os Home Theaters parrudos chegavam em nossas casas, mas como sempre a indústria lança novas tecnologias para baratear e piorar esse sistema primoroso. A última piada dessa “pseudo inovação” é o lançamento das Soundbar Home-Theater de 5.1 até 9.1 canais numa única caixa. Ou seja montaram numa barra de som mais comprida, o receiver e todos canais de áudio numa única peça. Isso nos trás a lembrança das caixinhas Bluetooth estéreo, em uma única unidade. Aí podemos concluir que a indústria projeta o final dos players de mídia óptica…
Mas faz parte né? Boas festas e um forte abraço.
Oi, Rogério,
Que bom que eu não sou o único a perceber isso. A minha TV OLED LG atual reproduz Dolby Atmos e é péssima no sentido da dispersão, até mesmo com programas em estéreo. Eu postei um video mostrando o problema inaceitável dessa TV diminuir o som quando reproduz Dolby Atmos e várias pessoas que assistiram comentaram que instalaram uma barra na TV e tiveram problemas. Note que a TV é cara, e classificada pela LG como “premium”.
Eu já usei uma barra no passado distante e só funcionava melhor (em estéreo somente) porque o som da TV era ruim, como de hábito. Então, comparativamente, a barra trazia vantagens. O ideal seria a TV resolver isso, e não acho impossível. A indústria é que não se esforça para atender quem procura um som melhor, impondo uma solução que é a de voltar para a montagem ortodoxa do áudio de filmes, com receivers e caixas acústicas discretas.
Eu quero aproveitar o ensejo e te agradecer pelo prestígio constante que já deu a esta coluna, e pelos comentários produtivos que você fez. Espero estar sempre à altura de justificar a leitura de pessoas como você.
Boas Festas, um Feliz Ano Novo a você e todos os seus!