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Muitos daqueles que gostam de música têm como referência uma gravação, show ou composição do seu artista ou gênero musical preferido. Elas ficam na memória para o resto da vida e são o principal motivo pelo qual alguém se liga a um gênero musical ou artista.

 

Qualquer fã de música e que continue ouvindo música em casa como colecionador do que gosta poderá um dia ter em alguma gravação uma referência de algum estilo de música que ele ou ela mais apreciam.

Eu e meus amigos do áudio sempre tivemos as nossas referências, seja do gênero seja do artista, aquele disco que quando se ouve ele melhor representa o que se sente em um dado momento da vida. Bem verdade, que determinados discos acabam marcando uma época da vida de todos nós, mas eles não são necessariamente uma referência.

A Bossa Nova, tema recorrente neste espaço, se apresentou a mim, na forma de gravações, no início da adolescência, quando muita coisa foi descoberta. Se alguém hoje me perguntasse que gravação melhor representa para mim a Bossa Nova, eu não hesitaria em afirmar que foi o disco da Verve “Antonio Carlos Jobim, The Composer of Desafinado Plays”, gravado em 1963, quando o movimento bossa novista já explodia na América e os músicos e compositores passaram a transitar por lá.

Este disco foi lançado aqui em 1964, por Aloysio de Oliveira, no selo Elenco. Com o título “Antonio Carlos Jobim” simplesmente, em edição Mono. Notem que durante vários anos, a indústria fonográfica norte-americana tinha hábito de lançar discos com mixagem Mono e Estéreo. Foi a primeira delas que foi usada no disco da Elenco.

Porém, na década de 1980, a Verve lançou a edição em CD, em estéreo, omitindo parte do título, como mostra a figura abaixo, porém com a mixagem estereofônica original:

 

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Este disco representa para mim tudo o que eu percebia e sentia naquele novo estilo de música, coisas como lirismo, harmonia e principalmente a cadência, demonstrada inequivocamente pelo excelente baterista Edison Machado. A batida de Machado acentua o sentimento das composições do Tom, as quais tiveram uma grande contribuição artística do compositor, arranjador e maestro alemão Claus Ogerman.

Ogerman ainda iria colaborar em vários outros projetos de gravação com Tom Jobim, produzidos por Creed Taylor. Sua presença no estúdio onde foi gravado o disco com Frank Sinatra foi resultado da pedida do próprio Tom, porque se dependesse de Sinatra ele iria convocar Nelson Riddle para fazer os arranjos.

As variações de batida

O ritmo sincopado da Bossa Nova variou tremendamente, não só de acordo com a composição como também pelo ímpeto dos músicos. E o que não faltou ao movimento foram bateristas de excepcional qualidade!

Se tomarmos Edison Machado como referência, a gente vai notar que em muitas outras gravações o seu ímpeto muda completamente!

Décadas atrás, eu tinha hábito de ir aos sábados de manhã na extinta loja da Gramophone, que ficava na antiga Galeria Masson, da Rua Sete de Setembro, centro do Rio de Janeiro. E em uma dessas manhãs eu chego na loja e vejo uma das vendedoras arrumando discos que haviam acabado de chegar, pura sorte. Esses discos eram os da gravação de Edison Machado “É Samba Novo”, feito nos estúdios da CBS em 1964. Na embalagem do disco, um selo amarelo afirmava se tratar de uma gravação rara, e era mesmo.

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Chegando em casa, eu vi que o disco soava razoavelmente bem, mas nos créditos da remasterização menciona-se o uso sem escrúpulo de limitadores e processadores diversos, algo, na minha opinião, inaceitável no processo de recuperação de matrizes antigas:

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A lista de equipamentos usados é dúbia. É bem provável se tratar de uma gravação em 3 canais, típica daquele momento, mas quem remasterizou usou também um deck de dois canais, e a gente fica sem saber se a fita master “alfa” de 3 canais foi usada para editar uma outra de 2 canais, o que, em ambiente digital, não faz o menor sentido. Ou então, em vez da master de 3 canais foi usada a master feita para os elepês da época. De qualquer forma, quem ouve nunca irá saber como de fato a fita alfa de 3 canais poderia soar, independente de ter sido tratada com NoNoise!

Deixando a coisa técnica de lado, este disco mostra Edison Machado cercado de grandes músicos, como o ubíquo J. T. Meirelles, incluindo composições dele, como a magnífica “Solo”, na faixa 9. Também se pode ouvir o lendário pianista Tenório Jr., assassinado impunemente pelo aparato repressor político da Argentina. Foi uma dessas perdas sem nenhuma chance de reparação.

Mas, o disco tem uma atmosfera super contagiante e mostra uma Bossa Nova dinâmica, que alguns rotulavam (erradamente) de “Bossa Jazz” ou “Samba Jazz”.

Outro disco de referência foi aquele gravado pelo Rio 65 Trio, em 1965 pela Philips, com Sergio Barroso no baixo e Dom Salvador no piano. Eu tive a chance de assistir um show de Sergio Barroso, em torno de 2015, lá no Paço Imperial, dentro da loja Arlequim. O vídeo a seguir, gravado improvisadamente com um celular, registra a performance do grupo interpretando a faixa 1 do disco de 1965, “Meu Fraco É Café Forte”:

Gozado é que, em anos recentes, eu tive a chance de ir ao show do Durval Ferreira, junto com o Fernando Blanco, que morava no mesmo prédio da Rua São Salvador, e o notável compositor fez um gesto para o baterista “tocar mais baixo”. Coisa que o nosso Edison Machado nunca tinha hábito de fazer, que eu saiba!

E porque ele, Edison, o faria? No disco do Tom, a música pedia uma batida discreta e serena, e é isso que se ouve no disco. Aliás, durante décadas, a batida do Edison Machado naquele momento iria ser repetida incontáveis vezes em composições e gravações norte-americanas, repetida também em diversas trilhas sonoras para o cinema, como um símbolo de um radical romantismo.

A música composta como “Bossa Nova” permitiu vários tipos de andamentos e batidas completamente diferentes. E é isso, em última análise, um dos fatores que provavelmente entusiasmaram os músicos de Jazz lá de fora, saber que era possível improvisar ou criar, sem que nada original fosse transgredido.

Na minha avaliação, eu classificaria a batida de Edison Machado no disco da Verve de 1963 como a “batida clássica” da Bossa Nova, ou aquela que melhor traduziria o sentimento dos seus primeiros compositores. A baqueta bate no aro do tarol, marcando o ritmo, mas nunca de maneira a que não fosse permitida uma mudança repentina!

Mas, isso sou eu. Aposto que muitos outros fãs deste e de outros gêneros iriam mencionar coisa completamente diferente. Afinal, a referência musical é privilégio de quem gosta, ouve e ama a música preferida. Quem sou eu para contestar? Outrolado_

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Antonio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim

Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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