A busca incessante de novos componentes e sistemas reduziu porque a diferença de performance nem sempre compensa o compulsivo upgrade de computador.
Quem, como eu, começou a montar o próprio microcomputador a partir da década de 1990, com componentes discretos, estava sempre à procura de novidades, para melhorar ou aprimorar a máquina recém construída.
Esta procura incessante tinha uma razão de ser muito simples, que é a diferença entre hardware e sistema operacional, um correndo atrás do outro, ou seja, à medida em que os sistemas aumentaram as suas exigências mínimas de hardware, componentes antigos iam ficando para trás. Ou então, quando era possível se montar um micro do tipo “future proof”, que é o hardware capaz de superar qualquer novo sistema operacional.
Eu, meu irmão e vários amigos cansamos de montar ou atualizar um computador atrás do outro. Na época em que eu morei fora, só era factível comprar um computador de marca. Naquela época, eu cheguei a ter dois micros Amstrad, com processadores Intel 8088 e 80386SX, modificado para DX por mim instalando um coprocessador aritmético, o qual deu vida nova ao computador. Mas, em 1993 mais ou menos, um cidadão chinês abriu uma loja na cidade, e montava um computador ao gosto do cliente. Por causa disso, eu voltei para casa com um 486DX2 de 66 MHz de velocidade, o qual, meses antes, se montado por uma marca, iria custar mais de sete mil libras,.
Nos anos subsequentes, a oferta de componentes apareceu em lojas brasileiras que vendiam o chamado “importabando”, e foi no comércio local que nós todos achávamos as peças que precisávamos. Antes disso, alguém conhecia alguém, que vendia peças de forma clandestina, tudo “na moita”. Era preciso cuidado para não se comprar peças de má qualidade ou falsificadas, porque nem todas aquelas revendas de shoppings davam garantia, ou quando davam, era fajuta. Nós apelidávamos este pessoal lojista de “la garantia soy yo”, porque o contrabando vinha na maior vezes do Paraguai.
Mas, haviam sim os importadores legítimos, e eu, à cata de garantia de qualidade das peças, fui cliente anos a fio de um senhor que tinha um escritório e revenda na Barra da Tijuca, e com ele eu montei vários sistemas rodando com processadores Intel Pentium, cada um rodando mais rápido que os anteriores. Infelizmente, a concorrência desleal com o importabando fez a firma desse senhor acabar fechando. Ele me disse não ter como concorrer com a enxurrada de memória falsa vinda do Paraguai e vendida a preços vis, comparados com os dele.
O curioso é que muitas empresas de hardware, como Intel, Asus, etc., acabaram se fixando no Brasil, mas a consequência imediata disso foi a escalada de preços, sendo que, em alguns casos, houve uma distorção absurda dos prazos de garantia das peças. A Asus, por exemplo, só garantia uma placa-mãe por um ano, enquanto que lá fora, a mesma placa-mãe tinha garantia honrada que era de cinco anos!
O consumo de jogos como fator de venda de hardware
Já faz anos que a indústria de peças vem se apoiando no consumo de jogos, para justificar mudanças de plataformas ou aprimoramentos das máquinas. Este tipo de premissa bate de frente com aqueles usuários que, como eu e todos que eu conheci, usaram o computador mais como ferramenta de trabalho do que para jogar.
Este tipo de motivação é antiga. O primeiro console de MSX que eu comprei já vinha com dois joysticks e anúncios de jogos em cartucho. O objetivo da Gradiente era atrair o público mais jovem. O comércio oferecia jogos pirateados, inclusive desses cartuchos, primeiro em fita cassete, depois em disquetes de 5 ¼”. Quem tinha filhos pequenos, mas precisava do micro para trabalhar em casa, usava a máquina para jogos e trabalho simultaneamente, porque não havia outro jeito. E, convenhamos, mesmo quem não se interessasse por jogos, se admirava com os gráficos e com a animação conseguida.
Dentro dessa mesma perspectiva, os fabricantes de hardware hoje continuam apostando na compra de peças por jogadores. Basta olhar a captura abaixo, tirada do site da AMD, onde só se você a palavra criadores uma única vez:
No entanto, a venda de novos componentes se tornou inacessível ao bolso de muitos de nós, mortais consumidores de antigamente. O hardware, no que tange a processadores e placas gráficas, e agora até nas placas-mãe, parou de justificar o upgrade da máquina, somente para a atualização de equipamentos.
Quando recentemente correu uma notícia de um possível fracasso de vendas dos processadores Ryzen de quarta geração (Zen4), como esses da série 7000, eu fui um que não ficou surpreso, e explico por que: as máquinas de um certo para cá avançaram tanto em performance, que eu me arriscaria a dizer que seriam poucos os aprimoramentos (“upgrades”) que valeriam a pena!
A série 7000 da AMD promete novos horizontes de processamento, com a novíssima tecnologia Zen4, mas os detalhes de custo e montagem sobre o uso deles só seria revelado depois.
Notem que quando o Intel 80486 foi lançado na década de 1990, a imprensa britânica o taxou de “máquina dos sonhos”, mas pouco depois a Intel lançou os Pentium. Em outras palavras, parafreando John Lennon, “o sonho acabou”!
Mas, não é só o fabricante que parte para a baixaria. Um dos exemplos flagrantes e maldosos de forçar um upgrade foi o Windows 11, que não deixou computadores antigos sofrerem a atualização. E, pior, ainda deixou quem conseguiu instalar, com problemas de tudo quanto é tipo, como programas que pararam de rodar!
Outro exemplo de conflito de hardware totalmente injustificado foi o dos computadores com SGX. E depois que a Intel jogou a toalha com este tipo de proteção, quem comprou uma máquina dessas para driblar a censura de reprodução dos discos Blu-Ray 4K ficou a ver navios.
A propaganda disfarçada de análise
Fabricantes de hardware distribuem componentes e malas com sistemas completos para canais do YouTube, que se propõem a analisar novos modelos, ou ajudar quem está em dúvida se compra ou não.
No canal do Shoptime, o apresentador-vendedor Ciro Bottini inventou uma brincadeira que virou bordão, quando ele anunciava qualquer coisa, dizendo “compre, compre, compre…”. E com isso ele bateu recordes de venda. Mas, lá no fundo o que ele fez foi aguçar a ambição de posse da sociedade aquisitiva, ou então daqueles que compram por compulsão.
No YouTube há mais sutileza: o analista nem sempre te conta que ganhou a peça do fabricante. Depois de uma saraivada de testes, a maioria totalmente inúteis, eles repetem as especificações da componente que eles estão testando, geralmente com ênfase em jogos, nada do que não se possa achar on-line em outro lugar.
O que eu faço, e sugiro que os leitores deste espaço façam, é ouvir tudo com cautela, e recorrer sempre ao suporte do fabricante, pedindo ajuda nas especificações!
A situação econômica desconfortável dos upgrades atuais
Voltando ao caso do novo processador AMD, mostrado aqui apenas como exemplo, se um usuário montador quiser partir para um processador da série 7000 ou equivalente, vai esbarrar na atualização compulsória de vários outros tipos de componente.
Esses novos processadores não mais usam os soquetes PGA (Pin Grid Array), como os Ryzen anteriores, e sim o soquete LGA (Land Grid Array), que a Intel usa até hoje. A diferença de pinagem entre os dois soquetes impede fisicamente a conexão do processador no soquete errado. Assim, não é possível instalar um AMD antigo no novo soquete, para reaproveita-lo.
Mas, só isso não basta. Neste caso, é preciso também comprar uma nova placa-mãe, novo kit de memórias (DDR5), e uma placa gráfica nova, para barramento PCIe 5.0, sem a qual o sistema perderia performance. Se o arrefecimento (dissipador ou CPU cooler) da placa anterior não for adequado para a nova arquitetura do soquete LGA, será preciso comprar um novo. E com o seguinte detalhe: as novas CPUs AMD tem um TDP (Total Design Power) bem alto, então o arrefecimento tem que atender corretamente o resfriamento, caso contrário o processador pode sofrer desgaste ou parar completamente, sem amparo na garantia.
A despesa com este sistema é fenomenal. Agora, se o usuário tem hoje uma máquina com alto desempenho, que motivo ele teria em montar uma nova, a preço de ouro? Não é à toa que a AMD verificou que as vendas ficaram aquém do esperado!
O antigo mito da corrida hardware versus software caiu por terra! Os componentes mais recentes aguentam uma carga de trabalho bem maior do que a estimada. Pode ser que haja necessidade de mudança em um componente ou outro, mas o computador todo, nem pensar. Seria frustrante, e porque não dizer decepcionante, juntar uma grana sentida, comprar tudo novo, para depois perceber que os aperfeiçoamentos conseguidos não impedem de fazer o que se fazia, só que apenas com um pouco mais de rendimento. Dependo do software aplicativo, o melhoramento seria imperceptível!
Vou mais além: quem escreve programas pode, e a meu ver deve, aperfeiçoar as condições de hardware disponíveis com mais eficiência. Por exemplo, ao rodar um navegador, este consome memória RAM e memória em disco. Na prática, significa que quantos mais abas abertas ao mesmo tempo, maior será a demanda de memória. Um computador com poucos recursos de RAM pode surtar. Mas, se o navegador for bem escrito, as chances de parar a computação são bem menores. A solução? Achar um navegador que economize memória e/ou administre melhor a já existente na máquina.
Claro que, se o usuário quiser se livrar de vez deste tipo de problema, aí sim um aumento (troca) de memória RAM não deixa de ser uma opção atraente. Nestas circunstâncias, o gasto no aprimoramento do computador é plenamente justificável, e evitará prejuízo de desempenho do sistema, sem precisar trocar o resto dos componentes.
Quando uma mudança de hardware às vezes se torna imperativa
Ano passado, o meu monitor Dell UP3216Q, outrora caríssimo, parou de ter suporte ou peças do fabricante, e a empresa sequer me ofereceu outro modelo, a preço subsidiado.
Cada empresa dessas tem a sua política de suporte, neste caso contra o consumidor. E é nesses momentos que a gente se pergunta se valeu a pena ter investido em um monitor prêmio se ele deixou de ter suporte técnico, ou como no meu caso, reparo!
Então, eu acabei deixando ele de lado, para não me aborrecer (é a idade…), e investi em um monitor LG modelo 32UL750, dotado de DisplayHDR 600, certificado pela Vesa. Depois disso, uma agradável surpresa, que eu não esperava: a placa gráfica em uso há muitos anos, uma EVGA GeForce GTX 1080 SC, baseada na GPU Nvidia Pascal, mostrou um desempenho que me deixou surpreso!
Eu achava que, com a placa é antiga, não iria ter suporte a HDR. Ela não só deu suporte como exibiu uma imagem de filmes invejável, eu diria, sem exagero, surpreendente mesmo. Rodando, neste caso, o aplicativo PowerDVD, da Cyberlink, com configurações otimizadas no setup do aplicativo, o resultado da imagem ficou impecável!
Quando eu me decidi por este monitor, eu li na Internet muita gente reclamando se tratar de um display VA e não IPS. Ironicamente, o meu super caro monitor da Dell é IPS e tem uma imagem visualmente inferior ao LG, em todos os sentidos. A principal reclamação fala em distorção visual de cores para quem está sentado mais ao lado do que em frente.
A gente percebe quando está de frente de uma tela convincente na hora em que a calibração é mais rápida do que se esperava. Ainda mais tendo que lidar com as idiossincrasias do Windows 11.
O driver da Nvidia também mudou. Agora é possível baixar e instalar o Studio Driver, ao invés do Game Ready Driver. Além disso, é também possível entrar no painel de controle do driver e deixar a tela ao gosto de cada um:
Existe uma miríade de ajustes neste driver. Na ilustração acima, foi onde eu decidi ajustar o ambiente operacional. Assim que o Windows dá partida serão estes ajustes que terão prevalência, e com o a vantagem de poder serem trocados a qualquer momento. O driver entra em ação e reajusta a imagem na partida do sistema operacional, tornando inoperantes os ajuste de imagem do monitor, que são notoriamente limitados, de acordo com a tela escolhida.
Por aí se vê que a febre do upgrade cede lugar à noção de que muitos componentes são mais atuais do que a gente pensa, e é claro, é bom que assim o seja, menos trabalho e menos despesa, com a mesma performance! Outrolado_
. . .
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
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Minha GTX 970 da PNY, há 8 anos me trazendo alegria…
Depois que eu alterei o ‘Digital Vibrance’ no painel de controle da NVIDIA para 75%, nunca mais consegui voltar para o padrão, 50%, parece que a imagem volta a ficar cinza, as cores perdem suas cores. Viciei meus olhos para cores mais vivas…
Oi, Matheus,
Você me permite dar uma opinião? Este ajuste que te parece melhorar as cores na realidade as distorce. No painel de controle da NVidia logo acima você pode ver ajustes convencionais de imagem RGB que são muito mais produtivos. Outra coisa que você pode fazer é ajustar o seu monitor e combinar todos os ajustes até se conseguir a melhor imagem. Espero que ajude.
Minha GTX 970 da PNY, há 8 anos me trazendo alegria…
Depois que eu alterei o ‘Digital Vibrance’ no painel de controle da NVIDIA para 75%, nunca mais consegui voltar para o padrão, 50%, parece que a imagem volta a ficar cinza, as cores perdem suas cores. Viciei meus olhos para cores mais vivas…
Oi, Matheus,
Você me permite dar uma opinião? Este ajuste que te parece melhorar as cores na realidade as distorce. No painel de controle da NVidia logo acima você pode ver ajustes convencionais de imagem RGB que são muito mais produtivos. Outra coisa que você pode fazer é ajustar o seu monitor e combinar todos os ajustes até se conseguir a melhor imagem. Espero que ajude.