Frank Sinatra e Tom Jobim gravaram um programa para a TV americana, e depois lançado em fita VHS. A minha cópia (em PAL) se perdeu, mas eu achei um segmento, que compartilho para os interessados. Houve, naquele momento, a revisita aos clássicos americanos com todos os requintes que a Bossa Nova havia mostrado, e tem sido assim até hoje.
Na época que em que a Bossa Nova começou a fazer sucesso e repercutiu em cheio na juventude carioca, seus detratores, e olhe que foram muitos, denunciaram o movimento como resultado da influência da cultura americana na adulteração do samba. Esses pseudo puristas nunca se deram conta de duas coisas: primeiro, os músicos brasileiros gostavam de e tocavam Jazz, particularmente os de geração mais avançada, como o Cool Jazz, por exemplo; e segundo, que as raízes da Bossa Nova, compasso, harmonia, lirismo, etc., tinham ZERO de influência americana.
Poderiam sim talvez ser uma evolução do samba canção, mas nem isso foi. Na verdade, teria sido aceitável que músicos e compositores tivessem sido “denunciados” como influenciados pela música erudita. Mas, porque esses idiotas preconceituosos iriam fazer isso? Perderiam o rumo das suas críticas, não é não?
Quem eu conheci e que viveu esse momento, e ouviu ou leu na imprensa essas críticas, pouco se lixou. Eu, por acaso, passei por isso e achei aquilo tudo de uma leviandade inacreditável. E pior, denúncias proferidas por pessoas que demonstraram um preconceito cego contra a criatividade musical de qualquer tipo.
O ditado popular que fala que “o tempo é o senhor da razão” aconteceu, não por milagre, mas por consequência do espalhamento natural da Bossa Nova no resto do planeta. E quando a música do movimento foi parar na América os músicos de Jazz correram lá para conhecer os jovens compositores brasileiros que haviam criado aquele inusitado estilo de música! Não só músicos de Jazz tiveram interesse na nova música, mas porque eles em primeiro lugar? Por causa da sensibilidade do músico de Jazz ao sentimento de qualquer tipo de composição, além de prováveis outros fatores, como as harmonias que talvez eles nunca tinham percebido ou achado possíveis de serem criadas ou concebidas.
Eu tenho até hoje 99.99% de certeza no meu espírito de que aqueles músicos de Jazz, criadores por natureza própria, estavam lá para se deixar levar pelo lirismo e pela inventividade que tornaram a Bossa Nova uma música universalmente reconhecida.
E foi assim que não tardou que músicos norte-americanos se arriscassem a experimentar clássicos conhecidos do seu repertório em compasso da Bossa Nova. E tal experimentação, que foi uma das mais profícuas que eu conheci, durou anos.
Dias atrás, eu vejo e compartilho aqui, um vídeo antigo, originalmente um show de TV onde Frank Sinatra apresentava Tom Jobim. O vídeo completo é muito mais extenso (eu tive uma cópia em VHS que se perdeu), mas o segmento postado no YouTube tem boa imagem e som:
No vídeo, nota-se imediatamente, o que eu acabei de afirmar. Não é de se espantar ouvir composições como “I concentrate on you” aparecerem por lá como se tivessem sido compostas aqui.
No disco “Francis Albert Sinatra & Antonio Carlos Jobim” várias composições como essa podem ser ouvidas com clareza extraordinária, e os magníficos arranjos de Claus Ogerman colaboram, e muito. para o efeito auditivo final.
Essas coisas não acontecem por acaso. Frank Sinatra foi, nas suas origens, um cantor romântico, e notoriamente teria tido a natural sensibilidade para assimilar as músicas do Tom, como Corcovado ou Garota de Ipanema, entre tantas outras.
Claro que Sinatra sabia que Tom era um gênio criador, independente de seus eventuais, e brilhantes parceiros. Basta ouvir Garota de Ipanema, onde toda a contemplação da Bossa Nova se reflete!
O fã de Bossa Nova teve a chance de ouvir cantores e cantoras de lá começar a cantar baixinho e de forma super romântica, estilo Astrud Gilberto. Antes disso, muitos deles faziam sucesso com vozes operáticas, e com razão, porque as interpretações exigiam esforço vocal. Mas, a Bossa Nova mudou tudo, e de repente a contemplação do belo e do lírico tomou conta desses repertórios, para deleite e enorme prazer de todos nós.
Engraçado é que, toda vez que eu toco nesse assunto, e isso eu fiz com muitos dos meus amigos, eu acabo me lembrando de um ditado popular dos mais antigos, que aparentemente veio da comunidade árabe, e no meu caso, dos meus antepassados paternos, que diz: “os cães ladram e a caravana passa”.
Na minha adolescência, eu ficava revoltado com as críticas maldosas desferidas contra a música que eu aprendi a gostar espontaneamente. Mal sabia eu, que teria sido inútil ficar revoltado, mas hoje eu sei que a inexperiência de vida sempre fala mais alto! A Bossa Nova saiu do antigo Rio de Janeiro e tomou o seu rumo naturalmente. Mais de 60 anos se passaram, e ela continua mais viva e mais presente nos nossos corações do que nunca! [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.