Este mês de julho marcou o desaparecimento de nomes importantes da música popular brasileira, agora Leny Andrade e Dóris Monteiro. De novo, com elas desaparecem de vez enormes contribuições à música, e suas ausências jamais serão superadas.
Ontem, dia 24 de julho de 2023, eu vejo nos noticiários a inacreditável notícia do falecimento de duas grandes cantoras, ícones, cada qual no seu tempo, da música popular brasileira: Leny Andrade e Dóris Monteiro.
Mas, que mês é esse? Primeiro, João Donato, e agora Leny Andrade, que dignificou a sua vida como uma das mais respeitadas personagens do surgimento da Bossa Nova, aqui e no exterior, onde fez moradia.
Eu nunca conheci Leny Andrade de perto. Por coincidência, a minha prima Lucia Maria casou-se com o compositor e intérprete Tito Madi, que me falou várias vezes sobre a época em que a Bossa Nova surgiu. E, é claro, falava também dos músicos que circulavam ou pela casa dele, ou pelos clubes noturnos. Uma vez, comentando sobre os grandes nomes que criaram a Bossa Nova, ele me afirmou, serenamente, que “eles beberam muito da minha água”. E é verdade. O movimento bossa novista circulava na noite noturna, e foram muitos os compositores e músicos do passado que influenciaram o movimento, no início do seu momento criador.
Também, por mera coincidência, eu tive um colega professor na UFRJ, que era músico antes de se dedicar ao ensino. E ele conhecia todos os detalhes de pessoas como Leny Andrade, Sergio Mendes, Tião Neto, e muitos outros com quem conviveu. Sobre a Leny ele me afirmou que ela era fã da Sarah Vaughn, e que teve enorme influência dela. Mas, em entrevista, Leny falou muito que era fã de Ella Fitzgerald, por causa principalmente das suas técnicas de “scat singing”, que Leny praticava com maestria.
Dóris Monteiro fez parte da minha infância. Trabalhou no rádio e em cinema, com enorme sucesso como cantora, pela sua maneira singela e serena da sua forma de cantar, e me arrisco a dizer, que é assim que ela será lembrada. Dóris não fazia, que eu saiba, parte do movimento bossa novista, mas certamente foi uma das precursoras da forma de cantar que se notabilizou no movimento. Não só ela, como também o cantor Mário Reis, isso bem antes de João Gilberto aparecer.
Laços de família
Eu vou pedir licença ao leitor, para falar um pouco sobre a minha família. A minha ligação com música nasceu comigo, é hereditária e eu tenho certeza de que herdei da minha querida mãe. A minha prima Lucia Maria tinha sempre muito contato com mamãe, ela também ligada à música. Quando ela se casou com o Tito eu ainda era menino. O tempo fez com que todo mundo se afastasse. Se eu encontrasse hoje com a Carmem Lucia e com o Ricardo, filhos do casal, eu não os reconheceria.
A minha convivência com o Tito nunca foi extensa. Mas, uma vez, quando eu estava na faculdade, a mamãe resolveu dar um almoço no dia do meu aniversário, onde meus colegas de turma que circulavam comigo conheceram o Tito. Um desses colegas trouxe um violão, e lá pelas tantas, o Tito pegou o instrumento e cantou algumas das suas composições que ninguém tinha ouvido, de uma beleza e inspiração extraordinárias, do tipo de música que o compositor guarda para si e dificilmente grava.
Eu não tenho nenhuma foto nem da Lucia nem do Tito, mas, por acaso, achei na Internet uma imagem deles, em um site de um fã, tendo ao centro a minha tia Diva, mãe da Lucia Maria:
Pela imagem, eu tenho 90% de certeza de que a foto foi tirada quando meus primos moravam na Avenida João Luiz Alves, Urca, bem atrás da antiga TV Tupi, canal 6.
Ninguém sobrou para contar esta estória. Minha prima faleceu quando eu ainda estava morando em Cardiff, circa 1993. Ela dizia para a mamãe que queria morrer dormindo, sem sofrer, e Deus lhe concedeu este desejo. Eu recebi a notícia por carta. Para mim, foi um choque. Dois dos irmãos, meus primos, morreram na década de 1990. Infelizmente, tudo acaba assim.
O Tito era portador de hiper lipidemia tipo IV, diabético, sobreviveu até 89 anos, mas infelizmente, vivendo em condições de saúde precárias.
É sempre uma pena, mas o desaparecimento de grandes artistas é inevitável. Neste mês de julho de 2023, eu nunca esperaria que desaparecessem João Donato, Leny e Dóris, essas duas no mesmo dia. Fica a lembrança para quem sobrevive, com todas as gravações deixadas pela obra e pela qualidade artística insuperável mostrada em suas existências. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.