O filme de Ridley Scott de 2007 volta a vários temas já exibidos em filmes anteriores, mas com uma qualidade na direção exemplar e com muito bom elenco. A versão de cinema e estendida, lançada em 4K a partir do intermediário digital e com tratamento HDR10 e som 3D DTS:X, vale a pena ter na coleção pela excelente qualidade da apresentação.
Ridley Scott em 2007 voltou ao gênero de filmes sobre gangsters, que impactou o cinema americano do passado e da geração pós studio system, como, por exemplo, O Poderoso Chefão, de 1972. Em American Gangster (no Brasil, O Gangster), o assunto é compartilhado com a situação política e social americana na guerra do Vietnam, e o faz de forma contundente!
O título original, classificatório do personagem, tem a sua razão de ser. As formações mafiosas na América foram, em geral, compostas por imigrantes de outros países. Mas, Frank Lucas era oriundo do Harlem, herdeiro de um traficante local, que fez a sua fama no bairro, como uma espécie de Papai Noel ou benfeitor, dando comida aos pobres, do tipo que eles não podiam pagar.
O filme é baseado em uma história real. Lucas tentou inovar no comércio de heroína, de várias maneiras. Primeiro, ele transformou a droga em produto, fenômeno típico da cultura americana de enriquecimento: se alguma coisa interessa ao público, então vender na forma de um produto é o melhor caminho de comercialização e receita. Depois, ele vende o “produto” puro e a baixo preço, derrubando a concorrência.
O único problema é que se trata de venda de heroína, uma substância cujos efeitos farmacológicos secundários são devastadores! Para tornar o seu produto atraente, Lucas decide não diluir o extrato vindo da papoula, o que significa uma ação farmacológica imprevisível para quem injeta na veia, inclusive com grande possibilidade de êxito letal.
Para conseguir seu intento, Frank Lucas viaja até a Tailândia, e, através de contatos militares norte-americanos na região, vai direto aos plantadores de papoula, para negociar, em alto preço e sem medo de gastar, a substância no maior grau de pureza.
Qualquer substância com alto grau de pureza (no laboratório ela é chamada de PA ou Pró Análise) sempre custa bem mais caro. Mas Lucas chegou lá disposto a pagar o que fosse necessário. Com isso, ele ganhou o controle na distribuição da heroína, diminuindo custos sem o homem do meio, que iria interferir no seu projeto.
A guerra do Vietnam
Quando eu estava no colégio, alguns dos meus professores se referiam ao belicismo norte-americano como parte dos altos lucros da indústria bélica, e a guerra do Vietnam foi um típico modelo deste tipo de empreendimento.
Porém, os horrores da guerra eram transmitidos pelas redes de TV, com o tempo chocando o público, que passou a não acreditar mais na premissa de que os soldados americanos estavam se sacrificando para defender a democracia anticomunista de outros países.
A morte de soldados jovens incitou os convocados a rasgar as cartas de convocação, mesmo sabendo que poderiam ser presos. Quem assistiu ao filme-documentário Woodstock pode ver a cantora Joan Baez falar nisso diante do público, a respeito da prisão do seu marido, que se negou a servir. O episódio é citado também na peça/filme Hair, sobre o movimento hippie.
O comércio de drogas, exportado por soldados americanos, também foi alvo de filmes anteriores, mas em American Gangster o enfoque é também dado à enorme violência urbana e venda de drogas, das quais a cidade de Nova York foi vítima, durante anos a fio.
American Gangster também focaliza a corrupção na polícia. A chamada “banda podre” policial de Nova York extorquia traficantes, querendo uma parcela dos lucros obtidos nas vendas de drogas. Segundo a estória, o policial Richie Roberts era mal visto por alguns de seus colegas, não só por não aderir ao esquema de extorsão, como por ter, após uma investigação, descoberto e entregue cerca de 1 milhão de dólares, achado no carro de um traficante. No documentário incluso no Blu-Ray, o Roberts da vida real diz que não foram todos que o tacharam de falso bom moço, aqueles que o conheciam, entenderam o que ele havia feito.
O lançamento em 4K
Já feita há algum tempo, a versão em 4K foi oferecida recentemente a um bom preço, e eu então aproveitei o ensejo para mandar trazer a minha cópia. O filme foi rodado com câmeras Arriflex e negativo 35 mm em película. O intermediário digital foi feito com 4K de resolução, transcrito literalmente ao disco.
Não só isso, mas a imagem fotográfica se mostra integralmente preservada, inclusive nas cenas com grau maior de granulação no fotograma. Este filme já foi exibido no Telecine, mas a nitidez do disco 4K é insuperável.
Como também é insuperável a reprodução da trilha sonora em DTS:X. Eu já vi a Net-Claro transmitir jogo de futebol no canal 444 com Dolby Atmos, provavelmente à guisa de experimentação. Este canal estava transmitindo com HDR10, mas o retirou por conta do som, ou seja, aparentemente, o serviço não tem banda suficiente para imagem 4K, com HDR e Dolby Atmos juntos.
A trilha DTS:X é excelente. A resolução dos diálogos e o som ambiente são dos melhores que eu já ouvi, envolvendo quem ouve nas cenas, mas com naturalidade. É uma pena que esta trilha não esteja disponível no Blu-Ray 2K incluso.
Entretanto, a versão estendida, que roda por 2 horas e 56 minutos, foi inclusa também no Blu-Ray convencional. Em contrapartida, os extras foram omitidos do disco em 4K, e eu achei isso bom, porque o nível de compressão do vídeo fica bem menor e a imagem excelente!
Eu sei que eu tenho reclamado aqui sobre a violência gratuita nos filmes de ação atuais. American Gangster mostra as cenas de violência em forma de protesto, como aliás, muitos filmes do passado o fizeram, portanto não se inclui nesta categoria de exploração.
Na minha opinião, streaming nenhum vai superar a qualidade do disco 4K, talvez com uma exceção ou outra. Quem de fato gosta de um bom filme provavelmente irá preferir ver a versão em disco. Claro que é chato e caro importar, mas fazer o quê? Na ausência das boas salas de cinema e da projeção em película, eu estou no grupo que prefiro ficar em casa, principalmente ao assistir filmes como este, que duram quase 3 horas! Porque em casa, eu posso parar a projeção na hora que eu quiser… [Webinsider]
. . .
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.