O Spotify também toca elepês (com chiados e estalidos)

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Alguns elepês mais raros são reproduzidos no Spotify com chiados e estalidos, o chamado ruído de impluso, o que é um defeito no vinil. Não deixa de ser uma surpresa.

Alguns elepês mais raros são reproduzidos no Spotify com chiados e estalidos, o chamado ruído de impulso, o que é um defeito no vinil. Não deixa de ser uma surpresa.

 

Em todos os serviços de streaming de música que eu acessei até hoje eu sempre percebi traços de compressão, até certo ponto compreensíveis. Entretanto, esses serviços acabam por ter acesso a gravações que o colecionador julgava perdidas, fruto de catálogos inexistentes, fitas de gravação danificadas, ausência de cópias e uma série de outros fatores.

Outro dia mesmo eu me lembrei de um disco que fez parte da minha adolescência, e como eu me habituo a fazer pesquisa sobre um desses títulos, eu tomei um susto quando achei o disco no Spotify.

Trata-se da gravação inglesa “A Sound Spectacular Stereo Space Odyssey”, de 1973, com a London Philharmonic Orchestra, uma mistura de música eletrônica e excertos populares de música clássica.

Eu transferi o conteúdo para o meu computador e o levei para a sala, para poder ouvir melhor o resultado. Quando então, eu ouvi nitidamente o desagradável “ruído de impulso”, conhecido popularmente como o estalido dos elepês. O estalido, na maioria das vezes, é resultado da fratura do vinil ou de bolhas do plástico que acabam estourando, ocasionadas por vários fatores, na hora da prensagem do disco. Muitas fábricas aumentavam o ciclo desta prensagem, para que o esfriamento do vinil pudesse não provocar este tipo de problema.

Este é o tipo de ruído, diga-se de passagem, que mais irritava os ouvintes de música clássica, toda vez que ele era ouvido nos momentos onde a música toca baixo. Até mesmo nos discos com música popular, dependendo de quem ouve, o ruído é enervante.

Isto também é para mim um trauma de família. A minha saudosa mãe, que era uma amante de música, ficava chateada quando comprava um elepê novo, e depois chegava em casa, colocava na vitrola e descobria que o disco tinha este tipo de ruído. E o mais engraçado é que em um desses dias ela me pergunta se um dia nós iríamos tocar um disco sem agulha! Quando o CD saiu, eu disse a ela que o sonho dela tinha sido realizado!

Na realidade, um dos objetivos intencionais do Compact Disc foi exatamente impedir a presença de ruídos oriundos da mídia, e isso só foi possível em ambiente digital, com a devida correção de erros! A não ser que o CD esteja fisicamente danificado ou o drive esteja com defeito, o buffer de memória do reprodutor se encarrega de corrigir qualquer erro de leitura antes do som ser reproduzido. O algoritmo de correção está previsto no Redbook contendo as especificações do formato.

De volta aos alfarrábios

Para mim, chegou a ser uma surpresa ouvir no Spotify uma gravação com ruído de impulso, e na verdade este não foi o único artefato que eu ouvi. No meio de uma das faixas, havia uma interrupção no áudio, aparentemente um dropout, talvez até da fita usada no corte do acetato, discreto, mas audível.

Como eu gosto de catalogar gravações perdidas, eu botei a mão na massa e me esforcei para restaurar o conteúdo, ou seja, voltei para um tipo de trabalho já esquecido no tempo, que era o de restaurar o restante dos meus elepês.

Para voltar a fazer isso, eu usei a minha ferramenta mais confiável: um plugin do Cool Edit Pro/Adobe Audition chamado de ClickFix. Em alguns momentos eu fui obrigado a isolar o ruído para poder corrigi-lo. Abaixo, eu mostro uma ilustração de um desses momentos:

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Nem todo ruído pode ser removido. Em alguns momentos, o ruído de impulso tem amplitude muito baixa e misturado com a música, assim nem o isolando se consegue retirá-lo. O pior é quando a música eletrônica é gravada junto, porque alguns dos seus batimentos pode confundir os plugins que retiram os ruídos, obrigando a restauração ser feita com cuidado. Dependendo da situação, é melhor deixar como está.

Vale a pena ou não?

Apesar das correções serem a maioria factíveis ou razoáveis, o som dessa gravação é pobre, principalmente quando comparada a gravações posteriores do mesmo conteúdo. Os engenheiros ingleses tem uma justificada reputação nas gravações estereofônicas, mas neste caso as falhas na captura deixam muito a desejar em termos de dinâmica.

É possível alterar a equalização das faixas, de modo a tentar recuperar a perda de dinâmica, tanto em baixa quanto alta frequência, e neste caso, foi o jeito que eu achei para melhorar um pouco a reprodução. No final, até deu para ouvir sem muito constrangimento.

Valeu a pena o esforço? Sim e Não. Sim, se for para preservar a memória da época quando o disco foi lançado. Não, por conta da quantidade de gravações similares, muito mais bem gravadas do que esta. Bem verdade, que o regente Vernon Handley fez um bom trabalho (não sou expert nisso, mas gostei), e também o seu colega Douglas Gamley, dirigindo o coro da London Philharmonic.

O objetivo claro de um disco deste tipo é o de demonstrar a capacidade de reprodução de um dado sistema. Só que, de espetacular, ele não tem nada, a não ser que alguém se deixe impressionar com os efeitos da música eletrônica.

Existe uma moral nisso tudo, que é a da preservação de conteúdo, feita da maneira que for possível. Mas, eu nunca poderia imaginar que em um serviço de streaming isto pudesse ser feito! [Webinsider]

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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