Visto hoje, Drácula, lançado nos cinemas em 1931, e que assustou muita gente nas plateias dos cinemas, lá e aqui, não tem mais o mesmo efeito visual ou psicológico. O filme de 1931 tornou famoso o ator Bela Lugosi, que ficou no desamparo, apesar da fama conquistada.
Quando Dracula, produção da Universal Pictures, foi lançado nos cinemas, o ator húngaro Bela Lugosi ficou famoso da noite para o dia. A sua interpretação gótica, segundo contam as lendas, deixou muita gente apavorada dentro dos cinemas. Aqui no Brasil, eu ouvi quando menino que algo similar aconteceu quando o filme foi exibido, com gente passando mal. Pode até ter sido lenda, mas não é possível descartar este efeito do filme no público daquela época.
O filme se tornou icônico nas obras do cinema tendo o terror como tema. Mas, assistido hoje na TV ou no streaming, o filme não impressiona mais ninguém. É bem possível que a plateia de hoje ache a interpretação não só de Lugosi, mas do conjunto de atores do filme, exagerada e estereotipada. Só que é preciso entender a época e a plateia daquele momento.
Os Estados Unidos ainda estavam em uma tremenda recessão, causada pelo crash da bolsa de 1929, com muita gente desempregada e sem ter o que comer. E o cinema foi, e ainda é, o principal veículo onde catarses são feitas com o uso da fantasia nos scripts. Por coincidência, o filme de Lugosi, ainda ator desacreditado pelos produtores, engordou os cofres da Universal e a fez se tornar um estúdio concentrado em filmes de horror.
A expressão facial de Bela Lugosi, que pode ser vista hoje como caricatural, impressionou e fez desmaiar muita gente, nas salas de cinema. Este tipo de reação do público foi muito estudado nos processos de estresse, da qual qualquer um pode ser vítima até hoje, por outros motivos.
Neste sentido, a última vez que eu soube de gente passando mal no cinema, diante de um filme de horror, aconteceu quando O Exorcista, de William Friedkin, foi exibido. E isso já faz tempo!
Bram Stoker e as premissas da sua obra
O escritor e poeta irlandês Bram Stoker tinha um fascínio pelo oculto. Ele acabou ficando famoso pelo seu livro sobre o Conde Dracula, a partir do qual peças de teatro e filmes foram feitos.
É difícil saber o que Stoker pensava quando escreveu o seu romance, mas alguns aspectos da estória me parecem serem muito claros: o primeiro deles se refere à nobreza do personagem, dando a entender que esta classe de pessoa sobrevive às custas do sangue (ou suor, se quiserem) alheio, talvez uma espécie literária de rancor contra os nobres. O segundo aspecto se refere ao alho, alimento que tem uma reputação terapêutica antiga, uma espécie de “purificador” do sangue, entre outros efeitos farmacológicos.
O terceiro aspecto refere-se à luz do sol. Sem querer dar aula de bioquímica para ninguém aqui, basta mencionar que a luz solar faz parte de um importante ciclo de óxido-redução, que propicia o rendimento energético celular, fundamental para a sobrevivência de qualquer ser vivo. Em outras palavras, sem sol não há vida.
O lado religioso também faz parte da estória, na presença do crucifixo, ícone cristão do sacrifício oferecido por Deus, através de seu filho, para salvar a humanidade do pecado original.
Assim, Dracula é um personagem que se esconde do alho, porque o sangue da vítima não pode ser contaminado com qualquer medicamento. Ele foge da luz solar, porque ela é o esteio da vida, e não pode ver ou ser tocado por um crucifixo, porque Cristo fez o oposto dele, redimiu vidas ao invés de mata-las.
As diversas versões de Dracula no cinema
Em 1922, foi lançado o icônico filme expressionista “Nosferatu”, do cineasta alemão F. W. Murnau. Este filme alcançou uma justificada fama, mas não só pela linguagem do cineasta, como também pela figura sinistra do ator Max Schreck. Segundo historiadores, Bram Stoker não queria liberar o seu romance para o cinema, o que teria feito Murnau mudar o título, de Dracula para Nosferatu. O filme foi exibido em cinematecas como uma obra singular do cinema expressionista alemão. Este sim, como cinema, é bem mais assustador do que o filme de Lugosi.
Entre os filmes modernos, eu gostei muito do Dracula, de 1979, do diretor John Badham, exibido em 70 mm. Houve alguma polêmica da produção com o diretor, que queria que o filme fosse apresentado com redução monocromática, mas o estúdio recusou, e na sua apresentação em 70 mm as cores estavam lá. Houve uma edição em vídeo que cortou as cores, mas os fãs reclamaram e o disco foi relançado em Blu-Ray com as cores de volta!
Neste filme, Frank Langella, que havia interpretado Dracula no teatro, dá ao personagem uma interpretação muito longe do horror. A sua expressão facial chega a ser carismática, seduzindo com suavidade as suas vítimas. Desta forma, o filme se afasta do gênero de horror, para se concentrar no lado sexual do predador. A apresentação original em 70 mm é esplêndida, com uma ótima trilha sonora escrita por John Williams.
Roman Polanski, na sua fase inglesa, também usou o personagem para compor outro Conde, igualmente vampiro. Mas, o filme aproveita o tema para fazer críticas à comunidade acadêmica e ao lado sovina e aproveitador do estalajadeiro Shagal. Toda a filmagem é feita com movimentos de câmera típicas do cinema mudo.
Na década de 1960, a companhia inglesa Hammer Films se destacou na produção de filmes de terror e o ator Christopher Lee se notabilizou no papel de Dracula durante muito tempo, correndo o risco de ficar estigmatizado pelo personagem, o que, felizmente para ele, não aconteceu. Uma das suas participações posteriores em cinema foi a do personagem Saruman, da trilogia do Senhor dos Anéis.
Entre as gozações do filme de 1931, Mel Brooks fez a comédia “Dracula, dead and loving it” (no Brasil, Dracula, morto mas feliz), com a ajuda do outrora ator sério Leslie Nielsen. Toda a parte inicial deste filme é uma cópia de várias sequências do filme de 1931, com os diálogos modificados para fazer a paródia do ator personificado por Bela Lugosi. O filme concentra o seu humor na crítica à maneira dos ingleses falarem e na sua suposta repressão sexual em sociedade. Mas, Mel Brooks peca pela sua repetibilidade do humor de filmes anteriores, sem o brilho dos mesmos.
O fim de vida triste de Bela Lugosi
Em Ed Wood, Tim Burton explora a figura do cineasta Edward D. Wood, Jr., e insere na estória o fascínio dele por Bela Lugosi, muito bem interpretado por Martin Landau, que ganhou o Oscar pelo papel.
Em Ed Wood, Burton mostra um Lugosi no fim da vida, amargo por ter sido esquecido por Hollywood, onde muitos achavam que ela já tinha morrido.
A crítica envolve a de um ator que antes era uma celebridade e depois banido dos estúdios, e denuncia o lado exploratório dos produtores de cinema e dos que lucraram, e ainda lucram, fortunas com pessoas que acabam na miséria. Para piorar tudo isso, Lugosi era portador de dor ciática crônica, fazendo-o dependente de morfina e opioides, até o fim da vida.
A sua permanência e depois saída do sanatório onde ela fora se tratar do vício medicamentoso foi documentada em Ed Wood. Em uma entrevista em 1955 ele nem parece mais doente:
Lugosi foi também vítima da lista negra dos estúdios, e a partir daí as chances de conseguir um papel desapareceram. Quando Ed Wood o encontrou ele estava sem condições financeiras de sobreviver e aceitando trabalhar em qualquer filme. Ed supostamente tentou resgatar a sua dignidade, mas seus filmes eram todos de baixíssimo nível, e serviram apenas para honrar a memória do ator de quem ele tanto gostava.
Lugosi morreu de complicações cardíacas em agosto de 1956, e foi enterrado com a roupa do seu personagem, uma forma talvez de mostrar respeito ao que ele foi como ator. Ao contrário de Christopher Lee, ele ficou estigmatizado com o personagem que ele tão bem criara. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
3 respostas
Era um excelente ator a seu tempo sim, nao ha o que discutir
Mas hoje realmente os tempos sao outros
Boa noite, Paulo. Belo texto. Sempre fui apreciador de um bom filme de terror. Vi muitos Dráculas inclusive aquele com Frank Langela no Cine Comodoro, em SP que creio fui exibido em 70m/m. Também na minha lista aquele com Anthony Hopkins.
Oi, Celso, de fato o cinema se encheu de filmes parecidos. Hoje em dia, eu vejo muita gente se queixando de reprises e repetições, e eles não deixam de ter razão. Outro dia eu ouvi o Scorcese dizer que “a Marvel não é cinema”. Perfeito, eu concordo totalmente!