O fenômeno do desaparecimento das lojas de discos e gravadoras

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Cena de Missão Impossível. Lojas de disco e livrarias de grande porte sumiram do mapa, gravadoras importantes e selos de audiófilo fecharam também. Fim de uma época diferente de consumo e comércio que durou mais de um século.

Lojas de disco e livrarias de grande porte sumiram do mapa, gravadoras importantes e selos de audiófilo fecharam também. Fim de uma época diferente de consumo e comércio que durou mais de um século.

 

Décadas atrás, as salas de cinema começaram a desaparecer, até sobrarem umas poucas. O mesmo aconteceu com as lojas de discos, depois com as livrarias, algumas das quais vendiam outros produtos, inclusive discos.

É muito fácil achar culpados: na década de 1990, um deles era o compartilhamento de gravações pelo site do Napster, que foi processado e acabou fechando. Só que mesmo depois deste fechamento, o comércio de discos continuar a cair, sendo necessário achar outros culpados para o fenômeno. Na prática, quem ficou a ver navios foi o colecionador de discos, grupo no qual eu me incluo.

Uma das soluções foi comprar on-line, o que faço até hoje, mas já repararam quantos sites de vendas de disco sumiram do mapa? O CD Connection, por exemplo, do qual fui cliente, foi absorvido pela Amazon e depois fechou. As minhas últimas compras, e isso já faz muito tempo, eram redirecionadas para a Amazon, e depois o site fechou de vez!

A última dessas culpas pelo desaparecimento do comércio de discos se refere ao streaming, tipo Spotify e equivalentes. Mas, e quanto às gravadoras? Certamente, não podem ter sumido devido a este tipo de consumo de música, acho eu.

O desaparecimento de uma cultura consumidora muito antiga

Em uma cena do filme “Missão Impossível: Nação Secreta”, o personagem Ethan Hunt vai a uma loja de discos e pede para tocar um elepê em uma cabine. Não acredito que este tipo de consumo seja mais verdadeiro, mas foi assim que se comprava discos no passado distante. Era possível ouvir um disco antes de comprar. Algumas lojas tinham cabine individual, como no filme, outras um sistema PA, onde um vendedor tocava o disco para o comprador. Muitas lojas usavam este sistema inclusive para anunciar e vender discos.

Durante anos, eu usei um hábito herdado dos meus pais, que era de ir nas lojas procurar discos de interesse. Mas, era preciso ter sorte. Em uma viagem minha a São Paulo, a minha cunhada me levou na loja Brenno Rossi, que ficava na 24 de Maio, centro. A loja era magnífica, e eu achei uma gravação da Verve do organista de Jazz Jimmy Smith, com orquestrações magistrais de Oliver Nelson, um disco chamado  “Monster”. Na estamparia, uma surpresa: o nome de Rudy Van Gelder gravado na madre, sugerindo ter sido ele quem cortou o acetato.

A propósito: “Monster” nunca saiu em CD. Em meados de 2025 (segundo os meus registros), eu sugeri ao Bob Witrack, do site High Definition Tape Transfers, tentar remasterizar este disco. E ele o fez: achou na Amazon a edição em fita Verve 7 1/2 ips Stereo, e fez a cópia para download. Atualmente, este trabalho foi refeito, quando ele disponibilizou de hardware para codificar DSD.

A minha mais significativa ida em lojas de disco foi quando a Gramophone abriu no Shopping da Gávea. O dono, que a gente chamava de Milton (nunca soube o sobrenome) era um cicerone ocasional. A loja foi propositalmente montada com espaço para o cliente se sentar, ouvir música e comprar, se fosse o caso. Não havia pressão de venda, todo mundo ficava à vontade. Lá dentro, havia sempre alguém para orientar o cliente que procurava discos, principalmente os de audiófilo. Quando o Milton abriu uma filial na Rua Sete de Setembro, ela lançou os primeiros CDs, produto que ninguém mais tinha. Foi lá que eu conheci e fiz amizades com gente ligada à música, que duraram anos. Um dos primeiros atrativos da Gramophone foi vender discos caros, mas com um preço bem mais baixo do que a Modern Sound, de Copacabana, que era uma espécie de referência neste tipo de comércio.

Para mim, este hábito de ir a uma loja comprar discos chegou ao topo, quando eu morei fora: em Cardiff, existia uma filial da HMV e depois abriu uma super loja da Virgin. Nesta última, era possível encomendar qualquer disco, que não estivesse nas prateleiras. Ainda havia lojas alternativas, onde se achava muita coisa boa ou era possível encomendar discos vindos da América.

É uma pena, que tal comércio, que tinha o seu apelo, tenha acabado, aqui e lá fora. A última loja que eu frequentei foi uma filial da Livraria Saraiva, que ficava no Shopping Tijuca, e que tinha um excelente atendimento. O fechamento da Saraiva pegou muita gente de surpresa, bem como o da Livraria Cultura, que havia ocupado o espaço do antigo Cinema Vitória, na Cinelândia.

O fechamento das gravadoras, grandes e pequenas

A derrubada de lojas de discos e livrarias não ficou sozinha. Anos atrás, eu li a notícia do fechamento do antigo estúdio da Musidisc, situado no bairro da Lapa, Rio de Janeiro. Eu fiquei surpreso, porque nunca mais havia ouvido falar deste estúdio. Por ali, passaram muitos músicos e compositores. O estúdio gravava para fora também, inclusive para estúdios de cinema. Muitos audiófilos cariocas cultivavam o excelente equipamento de gravação e playback da Musidisc. Quando alguns desses equipamentos foram trocados, eu soube que muita gente correu para lá para tentar comprá-los.

Eu tive a chance de visitar alguns dos principais estúdios de gravação localizados no Rio de Janeiro, por cortesia de amigos e conhecidos. Todos, sem exceção, sumiram. O último estúdio da Polygram, já na Barra da Tijuca, em um prédio bonito, sumiu junto com a extinção da empresa lá fora.

Talvez o que mais me chocou ao longo do tempo foi o desaparecimento das gravadoras dedicadas a audiófilos, localizadas nos Estados Unidos. E hoje, eu olho a minha coleção de discos, e volta e meia, me pergunto por que houve tanta quebradeira?

Notem que essas gravadoras acabaram se situando em um nicho de consumidores, do tipo que ainda hoje procura até vinil para comprar. Claro que este percentual de consumidores também diminuiu, a ponto de inviabilizar que estes estúdios continuassem a operar. Tentou-se downloads, que reduziria custos, mas diversos problemas não resolveram nada, porque a produção de material gravado continuou a ficar limitada, por direitos autorais, com uma exceção ou outra.

Mais estranho ainda é a eclosão da tecnologia digital de alta performance, como, por exemplo o DSD, o Dolby Atmos, ou o Auro-3D, que se somaram ao PCM de alta resolução, e nem assim a situação mudou.

Obsessão por qualidade

Do que eu me lembro dos chamados “selos de audiófilos” a maioria dos seus proponentes foram de pessoas com paixão por música e/ou por áudio. Se tornou uma prática recorrente ir à cata de novos métodos de captura de áudio, escolha de microfones e uma variedade de recursos julgados inovadores em um determinado momento.

Não obstante, métodos antigos de captura nunca foram desprezados. E muito menos microfones que provaram um inestimável valor no passado, como, por exemplo, os modelos da Telefunken/Neumann, de alta performance.

É possível achar todos esses predicados em gravações do passado, até depois do processo de remasterização do conteúdo. A digitalização, por DSD ou PCM, tem revelado uma impressionante qualidade ainda no ambiente analógico. Mas, isso tomando como base as respectivas fitas analógicas originais. Em alguns casos, quem remasteriza tem ao seu alcance a fita da sessão de gravação, obtendo resultados melhores ainda.

Muitos selos, entre os que estavam insatisfeitos com as limitações da fita magnética, recorreram ao som digital desde que este se tornou disponível em fita magnética convencional, mídia, aliás, que depois se mostrou inadequada para a preservação dessas gravações.

Mas, a iniciativa de mudança de ambiente, de analógico para digital, visou sempre alcançar o aumento do escopo de qualidade pretendida. Durante muitos anos, métodos novos de masterização do CD foram introduzidos, infelizmente todos eles desapareceram, como o notório HDCD, que nunca provou concretamente ser superior aos demais.

Também desapareceram discos com DTS 5.1 e DVDs com música somente. Na mídia de alta resolução, foi constrangedor ver sumir o DVD-Audio, formato previsto originalmente na década de 1990, que permitia PCM 5.1 com amostragem de 96 kHz e 24 bits, ou estéreo a 192 kHz e 24 bits.

É um pouco chato dizer que o streaming não tem o mesmo nível de qualidade de áudio, muito menos iria substituir aquele ritual lúdico de entrar em uma loja de discos, e procurar algo de interesse, para levar para casa e escutar.

Eu aposto que quem viveu tudo aquilo ficou sem referência, tanto em qualidade de áudio quanto de música. Bem verdade que compositores e músicos também desapareceram, mas a ausência de uma renovação sadia nem sempre compensa este desaparecimento! [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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Uma resposta

  1. Olá Paulo…
    Isso tudo é fruto de um único fator denominado “Era Digital”
    Esse gigante da tecnologia matou a máquina fotografica, a música analógica, aparelhos de som, video cassete, tape deck e por aí vai…
    Do jeito que as coisas estão caminhando, poderemos vislumbrar o que vemos nos filmes de ficção, em que ninguém ouve música, assiste filmes…
    Para os que conseguirão sobreviver ao novo século, tudo está caminhando para mitigar as opções de entretenimento.

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