A química dos combustíveis de automóveis derivados do petróleo

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Sobre a qualidade dos combustíveis para automóveis

O debate sobre a qualidade dos combustíveis veiculares continua despertando um número enorme de avaliações, opiniões e conselhos, mas no final quem fica perdido é o consumidor dos combustíveis.

 

Eu tive um professor de Química Orgânica no período em que estava no curso científico do colégio secundário, que gostava do assunto refinamento de petróleo. Isto já faz tanto tempo, que eu ultimamente tenho feito um esforço hercúleo para me lembrar do que ele nos dizia. Basicamente, esta química do petróleo diz respeito a compostos orgânicos estratificados na natureza, que nos permitiu obter os diversos tipos de combustível e outros mil derivados, transformados em produtos que nós usamos constantemente.

Um dos conceitos que eu ainda consigo me lembrar, ainda que vagamente, foi quando o professor falava sobre octanagem, que é, em última análise, o parâmetro que permite classificar se a gasolina é de boa qualidade ou não. Essencialmente, esta classificação se baseia no teor de isooctanas da gasolina obtida, quanto maior, melhor a qualidade do combustível para uso nos carros.

Nos meus tempos de adolescência, os postos vendiam a gasolina comum e a gasolina azul, esta última a que tinha maior octanagem, porém vendida a um preço mais elevado. Na época, era comum o motorista misturar as duas gasolinas no tanque. Como estudante e ainda fora do campo de trabalho, eu fazia isso só de vez em quando, ao abastecer o meu bravo Volkswagen Sedan 1500, o lendário “Fuscão”.

A crise do petróleo

Essa história mudou, drasticamente, na década de 1970, devido a conflitos no oriente médio: o preço baixo da gasolina acabou, e deixou todo mundo apavorado, com receio de estourar o orçamento ao sair de carro, para o trabalho ou a passeio.

Foi então que um gênio do governo, que eu não me lembro mais quem foi, aproveitou aquela situação e instituiu em 1975 um programa chamado de Proálcool, que visava, segundo o governo, aliviar a crise do petróleo. Foi nesta época, em que os meus colegas, pesquisadores do então Núcleo de Pesquisa de Produtos Naturais, comentavam entre si que a tecnologia de uso de álcool como combustível era antiga e não precisa de programa de pesquisa nenhum.

Na verdade, o uso de álcool como combustível datava do século 19, e no Brasil foi inicialmente alvo de um decreto do governo Vargas, na década de 1930. E desde esta época, se sabia o que fazer com ele para aproveitá-lo como combustível.

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Mas, o governo implantou o Proálcool assim mesmo, e por meio dele, montou uma daquelas farras do agronegócio, na qual usineiros produtores de açúcar tiveram a sua atenção voltada para a produção do álcool combustível.

O álcool é um composto orgânico de apenas dois átomos de carbono, ao qual se ligam átomos de hidrogênio e um único átomo de oxigênio. Ele é um hidrocarboneto, por causa da sua composição. A sua queima com oxigênio irá gerar gás carbônico, água e calor, ou seja, é uma reação exotérmica. A estequiometria da reação de queima é:

C2H5OH + 3O2 → 2CO2 + H2O + energia

Observação: Notem que, por coincidência, a obtenção de energia de uma molécula orgânica no organismo humano é similar à da obtenção de energia acima descrita, mas como o corpo humano não pode aguentar tal quantidade de calor, a oxidação das moléculas combustíveis se faz pela retirada de hidrogênio e não pela reação com o oxigênio.

Sobre a qualidade dos combustíveis para automóveis: o debate continua recebendo muitas avaliações, opiniões e conselhos que confundem.

Premissas do Proálcool

Quando o Proálcool foi lançado, a desculpa dos seus propositores foi a de que o álcool, ao contrário da gasolina, não era “poluente”, quer dizer, ele diminuiria a produção de gases tóxicos produzidos pelos motores.

E o argumento era sólido, porque a gasolina de então usava o chumbo tetraetila (Pb(C2H5)4) como antidetonante, fazendo com que gases desta substância fossem liberados pelos carros. Se este aditivo não fosse acrescentado na gasolina, ela poderia se inflamar pela simples compressão no pistão na câmara de combustão. E neste caso, a explosão ocorreria antes do previsto, prejudicando o funcionamento do motor. O chumbo é muito tóxico, então o álcool substituiria com vantagens o antidetonante usado até então. Por incrível que pareça, o chumbo tetraetila ainda é usado no combustível dos aviões.

As controvérsias do uso do álcool como combustível, que duram até hoje

A proporção do etanol na gasolina começou com 5% (5 ml de álcool anidro em 100 ml de gasolina), e foi aumentando sucessivamente, até aproximadamente 25%, depois 27%. Atualmente, ele foi sancionado para 35%.

O etanol é, por natureza, antidetonante, e assim a sua injeção na câmara de combustão obriga a uma taxa de compressão mais alta, isto é, passando de 9:1 da gasolina para 12:1. Na prática, isto significa que a potência do motor aumenta, mas o consumo de combustível aumenta também.

Décadas já se passaram, e o uso do álcool como combustível continua a despertar discussões e opiniões conflitantes sobre o seu uso veicular. A única coisa que ainda é unânime entre analistas a este respeito é que o programa da implantação do Proálcool beneficiou financeiramente usineiros que aderiram a ele, ao mesmo tempo em que preço do produto nas bombas dos postos acabou não beneficiando tanto o consumidor, muito pelo contrário!

No início da oferta de álcool combustível hidratado, as montadoras precisaram fabricar um motor capaz de usá-lo corretamente. Os primeiros motores foram projetados para uso exclusivo de etanol. Se usado em outro tipo de veículo, o álcool iria danificar o motor e seus componentes. Eu me lembro muito bem de relatos de canos de descarga caindo de podre no chão das garagens, atribuindo-se a culpa da corrosão à presença do álcool nos carros com peças não tratadas.

Este alegado tipo de efeito corrosivo impede, até hoje, que carros não preparados possam usar o álcool como combustível, sem efeitos colaterais. É difícil prever onde e como a corrosão irá acontecer, mas notem que não é preciso ser cientista para entender que antes do uso do álcool este tipo de corrosão não existia, portanto há uma claríssima correlação direta entre uma coisa e outra, e nem é preciso tratamento estatístico para provar esta hipótese.

Por causa disto mesmo, a recente proposta de aumentar mais ainda o teor de álcool na gasolina, de 27% para 35%, deixou todo mundo preocupado com prejuízos na durabilidade dos veículos, principalmente nos modelos importados, que não toleram este tipo de combustível.

O advento dos carros “Flex”, como solução de todos os problemas

Em 2003, a Bosch já havia desenvolvido um método de permitir o uso do álcool em melhores condições de queima, e com isso a Volkswagem lançou o primeiro carro “Flex”, o qual seria a “solução” de todos esses problemas. A ideia por trás do carro Flex era a de deixar a critério do motorista a decisão de usar somente um dos combustíveis ou a mistura de ambos, teoricamente sem prejuízo do motor.

Nos carros mais atuais, um sensor chamado de Sonda Lambda A/F, ou Sensor de Oxigênio, vai determinar com alguma precisão, que tipo de combustível estará abastecido no tanque, com a ajuda da medida do teor de oxigênio remanescente, na saída do escapamento de gases do motor. O sensor faz parte de uma eletrônica, que irá informar para a central do carro que tipo de combustível a seguir irá para a câmara de combustão e quais as condições ideais de funcionamento do motor.

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Especialistas afirmam que o sensor A/F (N.B.: A significa Air e F Fuel, Ar e Combustível, respectivamente), seria “programado” para trabalhar com um ou com o outro combustível, mas quando esta programação estiver errada, o carro pode nem dar partida.

O assunto é complexo, e nem eles especialistas explicam convincentemente como esta “programação” do A/F é alterada. Muitos dizem que uma receita para evitar tal erro de programação seria o de, ao trocar de combustível, rodar com o carro por um período de tempo longo antes de estacioná-lo em algum lugar, porque assim daria “tempo” ao sensor de se auto programar para o novo combustível.

Os que aconselham a receita dizem que na troca de combustível, um dos sintomas que algo deu errado é a incapacidade de o motor dar partida fria. E a solução, quando ocorre isso, é ligar o carro, sem dar partida, pisar no freio e fundo no acelerador, por cerca de alguns segundos. Depois disso, tirar o pé do acelerador e dar partida. O processo sugere que o sensor A/F seria forçado a se auto reprogramar, ou algo parecido.

Uma miríade de variáveis envolvidas

Qualquer estudo técnico sério tem que levar em consideração todas as variáveis envolvidas, e isto, em casos como este do consumo de combustível, não é fácil. Cada montadora muda de motor ou de componentes constantemente. Um estudo prospectivo de consumo deve então usar um motor padrão, e mesmo assim, os resultados podem não ser repetidos com os diversos tipos de motor.

Por outro lado, o acréscimo de álcool na gasolina também varia de posto para posto, apesar de ele ser nominalmente estabelecido como 27% para as gasolinas comum e aditivada.

O álcool adicionado na gasolina tem que ser anidro, ou seja, sem água. Para os não iniciados, esclareço que álcool e água formam uma mistura azeotrópica, quer dizer, uma vez misturados eles não se separam, a não que sejam tratados quimicamente. Na obtenção do etanol vindo das usinas a geração do combustível é acompanhada de água, daí ele ser oferecido como hidratado, diminuindo os custos desta produção.

Em tese, o sensor A/F deveria levar em consideração qualquer variação na composição dos combustíveis, e assim um carro “Flex” deveria ser o que melhor se adaptaria a mudanças de composição no combustível usado.

A queima e o rendimento da gasolina e do álcool são especificados pelo Inmetro, mas esses valores vêm de uma medição padrão, e não podem ser usados como parâmetro no consumo de qualquer veículo, principalmente quando o carro roda em perímetro urbano, onde as condições de tráfego variam tremendamente.

No uso de um carro Flex, e partindo do pressuposto que os sensores e o computador de bordo funcionam corretamente, é de se esperar que os abastecimentos em postos diferentes possam apenas resultar na variação da economia de combustível. Em princípio, quanto mais álcool na gasolina comum ou aditivada, menor o valor da quilometragem conseguida em um dado percurso.

O debate entre gasolina comum e aditivada

Eu posso estar enganado, mas o uso de aditivos separados, juntos com a gasolina comum, ao invés de se usar gasolina pré aditivada, é econômica e tecnicamente pouco recomendável. O principal argumento para se fazer a mistura é o de que não é possível determinar nem o teor e nem a quantidade de aditivos usados pelos postos, na obtenção da gasolina aditivada. Ao passo que, com aditivos externos, o próprio usuário é quem controla a qualidade e a quantidade usada por cada tanque cheio.

O problema é que o custo pode implicar em contraindicar a mistura separada. E quando o fabricante do aditivo fala em aumento da octanagem, é prudente botar os dois pés para trás!

Eu canso de assistir no YouTube todo tipo de conselhos na troca dos combustíveis, mas nenhum deles faz sentido em carros Flex. Como cada caso é um caso, eu só posso dizer que jamais tive um carro Flex que, ao mudar de combustível, não pudesse dar partida corretamente no dia seguinte. É bastante provável que nos casos onde isso ocorre o motor do usuário tenha algum outro tipo de falha em algum sensor, que ele desconhece. O sensor lambda A/F é o primeiro suspeito da lista!

A despeito de qualquer conselho ou opinião sobre uso de combustíveis, o consumidor tem que estar sempre atento, porque existem várias maneiras de se fraudar vendas ou de adulterar o combustível da bomba. A lei fala que o posto é obrigado a medir a quantidade de álcool na gasolina, se o usuário pedir. Mas, convenhamos, quem faz isso quando abastece?

A correta manutenção preventiva dos motores não depende só da qualidade dos combustíveis. Independente da qualidade do combustível ninguém pode negligenciar a lubrificação do carro, colocando óleo fora das especificações recomendadas pelas montadoras. Mas, este assunto é bem mais complexo e não tem espaço aqui neste momento, fica para a próxima, se ela existir. [Webinsider]

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Motores compactos turbinados

 

O fenômeno do desaparecimento das lojas de discos e gravadoras

Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Pois é Paulo…
    A gasolina brasileira que no passado era motivo de chacotas e dor de cabeça para os motoristas com as costumeiras batidas de pino, sendo um desafio para os mecânicos regular os motores carburados (devido ao seu baixo poder calorífico), e também por usar até 1989 chumbo na sua composição; hoje vive outra realidade. O “álcool anidro” tornou nossa gasolina mais limpa e eficiente. E agora (a partir do início do mês de novembro) todos postos que compram da Petrobrás gasolina ( tipo C ) estão recebendo um combustível de melhor qualidade, que agora poderá contém no mínimo 27% até o limite de 35% de álcool anidro (antes era apenas 22%) devido a essa nova composição, a gasolina brasileira aumentou sua potência para 93 octanas (RON), ou seja ficou com poder de explosão mais forte na câmara de combustão do motor, beneficiando os carros importados, que possuem motores de alta taxa de compressão, e que só utilizam gasolina, mas é importante salientar que nesses veículos é indicado a utilização de aditivo anti-corrosão, para evitar desgaste prematuro nas pecas em contato com o álcool anidro…👍

    1. Oi, Rogério,

      Obrigado pelo seu competente e sempre lúcido comentário.

      Eu gosto de ler a opinião de todos. Pena que um amigo meu de infância, que é engenheiro, preferiu dar sua opinião por fora. Eu até pedi que escrevesse nos comentários, mas ele não quiz. Tudo isso que você comentou acima está correto, embora no que tange a importados e motos vai ser uma dúvida (se a corrosão será ou não um fator contra), que provavelmente só será sanável em algum momento do futuro próximo.

      O etanol é limpo, sim, mas depõe contra a nossa economia, porque uma vez misturado à gasolina, o gasto de combustível por quilômetro rodados é muito maior. E não se nota que a ambição de faturamento por parte de quem produz e vende combustível vá ter um fim tão cedo!

      Pessoalmente, e note que a opinião é só minha, eu acho que 35% de álcool é uma aberração, sendo mais provável dar muita dor de cabeça aos motoristas. Os únicos que irão ficar contentes com isso serão os donos das oficinas…

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