A Moedinha do Amor, filme inglês com diretor americano, inaugurou o Cine Bruni-Tijuca, com aparelhagem e projeção em 70 mm, com 2 projetores Incol 70/35. Apesar de anacrônico, o musical fez muito sucesso, assistido por um público muito jovem.
Em meados de agosto de 1968, eu estava passando de ônibus pela Praça Saens Peña, conhecida como a “Cinelândia Tijucana”, e me deparo com a fachada da entrada do novo Bruni-Tijuca, recém inaugurado com o filme “A Moedinha do Amor” (Half-A-Sixpence), na projeção em 70 mm, segundo soube depois com um par de Incol 70/35 na cabine. O mesmo filme inaugurou a projeção em 70 mm do Bruni-Flamengo:
Tratava-se de um musical à moda antiga, coisa rara naquela época. O cinema encheu rapidamente, com um surpreendente público jovem, e eu só consegui entrar na segunda semana de exibição.
Uma das raras fotos da fachada de entrada do Bruni-Tijuca pode ser achada na Internet:
A entrada do cinema ficava no fundo daquela galeria, mas o auditório propriamente dito ficava no subsolo do edifício. Ao entrar no cinema, o público precisava descer uma rampa em curva, para chegar lá. Hoje, passando pela galeria, não há nenhum vestígio de que o cinema tenha existido!
O Bruni-Tijuca foi o segundo Bruni daquela região, o primeiro sendo o Bruni-Saens Peña, lá no final da Rua Major Ávila. O Ivo Raposo (Conservatória) conta que, quando jovem, foi operador lá, quando a sala inaugurou.
Já o Bruni-Tijuca foi propriedade de Roberto Darze, dono da rede Darze Cinemas. Quando o Orion Jardim de Faria (Incol) foi homenageado no Cinemúsica, ele estava lá, e em um breve encontro comigo, ele me confirmou a presença da aparelhagem Incol de 70 mm. O Bruni-Tijuca foi recipiente de filmes da M-G-M em 70 mm, e eu assisti lá a cópia original de Ben-Hur.
O filme e os atores
Moedinha do Amor foi dirigido por um diretor veterano, George Sidney, egresso dos musicais da M-G-M, embora o filme seja inglês. O filme contou ainda com outro veterano, Irwin Kostal (ex-Disney), na excelente trilha sonora, muito bem adaptada à dança.
No elenco, liderado pelo ex-roqueiro Tommy Steele, figura o dançarino americano Grover Dale, que também estrelou em um papel do musical de Jacques Demy “Les Demoiselles de Rochefort”, mais ou menos na mesma época. Grover foi dublado nos dois filmes, sendo que os diálogos de Half-A-Sixpence exigiam um sotaque do personagem que ele não conseguia emular.
O filme é baseado no livro “Kipps”, do afamado escritor H. G. Wells. A estória se baseia em um órfão, Arthur Kipps, que é mandado para ser empregado escravo no empório do tirano Shalford, homem mesquinho, explorador e avarento.
Entretanto, por coincidência, Kipps vem a saber que era herdeiro de uma enorme fortuna, que o tiraria da miséria para o resto da vida. No início da estória, Kipps e Ann, ainda crianças, descobrem uma moeda de 6 pence (Sixpence), e depois ele adulto mandou partir a moeda, ficando com uma metade e Ann com outra, jurando “eterno amor” entre os dois.
Mas, a riqueza de Kipps muda tudo, e ele passa a viver uma vida fictícia no ambiente de ricos esnobes, que o aceitam apenas porque ele ficou rico, ou seja, Kipps é visto como o típico “nouveau riche”. A sua origem humilde não o exclui de ser criticado em suas maneiras. E, para piorar tudo, seus antigos amigos se separam dele. A vida de Kipps então, fica vazia.
O personagem da antiga namorada Ann é bastante peculiar: ela inicialmente é tímida, um pouco envergonhada, mas se transforma em uma mulher mandona e possessiva, se achando “dona” do namorado, comportamento típico da insegurança da alma feminina.
H. G. Wells traça um retrato brilhante da sociedade inglesa, seus altos e baixos, aspecto mantido no filme. Ataca com força empresários que exploram seus empregados, e mostra a diferença cruel entre as classes sociais que não se toleram. Um dos empregados de Shalford chega a citar Marx.
George Sidney dirige com competência, e não se furta em tornar as cenas com coreografia bem dinâmicas, auxiliado por uma trilha sonora bem elaborada e que se encaixa muito bem nas rotinas de dança.
A ausência de uma versão de qualidade
Half-A-Sixpence até hoje não saiu em Blu-Ray. Na era do DVD os fóruns que eu conhecia reclamavam do filme não ter sido editado no então novo formato. Denúncias foram feitas por insiders, dizendo que um tal executivo americano da Paramount “odiava o filme”, mas o impasse acabou quando este cara foi despedido. Tempos depois, a trilha sonora estereofônica foi achada na Inglaterra, e no final a Paramount acabou cedendo e editando o DVD do filme completo, intervalo inclusive. A trilha no DVD ficou em formato Dolby Surround de 2 canais, mas está bem transcrita.
O filme, apesar de rodado em 35 mm, merecia uma cópia caprichosa de alta definição, e até agora não há notícia de que ela vá sair. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.