Os Imperdoáveis foi um dos mais importantes e interessantes westerns realizados por Clint Eastwood. É uma análise profunda do comportamento social em uma comunidade na qual a ordem é estabelecida por métodos corruptos.
Quando se fala em imagens de cinema com contraste entre zonas claras e escuras, o nome do ator e diretor Clint Eastwood me vem rápido na memória. E, como eu já comentei anteriormente, nem sempre se dá a ele o crédito do uso inteligente da técnica fotográfica chiaroescuro. Os Imperdoáveis (“Unforgiven”) é um desses exemplos de uso desta técnica de filmagem, adotada pelo diretor.
O filme marca ainda um dos melhores trabalhos feitos até aquela época (1992), talvez uma espécie de resumo do que o diretor fez de mais importante no cinema. Disse ele que tinha tomado conhecimento do roteiro do filme, escrito por David Webb Peoples (autor também de Blade Runner), mas só leu com mais atenção anos depois, quando resolveu fazer Unforgiven. O filme recebeu vários prêmios, incluindo o Oscar de melhor filme em 1993.
O filme foge completamente do tema tradicional dos westerns, e se concentra nas reflexões de vida de um ex-assassino, que se redimiu através de sua mulher, que o fez largar a bebida e endireitar a sua vida completamente.
William Munni (Eastwood) vive com dificuldade e precisa de dinheiro, quando é abordado pelo garoto pseudo valentão Schofield Kid, parente de um conhecido seu, que queria companhia para faturar uma recompensa dada por prostitutas para vingar o rosto desfigurado de uma companheira do bordel. Embora reticente, Munni resolve ir e chama seu antigo amigo Ned Logan (Morgan Freeman) para acompanha-lo na empreitada de acertar as contas com os agressores.
Mas, lá Munni e Logan vão ter que se defrontar com o xerife Little Bill Daggett (Gene Hackman), que é um símbolo do mais detestável dos seres humanos, autoritário e corrupto!
Unforgiven inverte o roteiro típico dos westerns: ao invés de mocinho e bandido, ele nos mostra um assassino do passado enfrentando a lei, que neste caso, é feita pelo pior dos seres humanos!
O lado sombrio dos personagens é acompanhado na narrativa por zonas de sombra na imagem. Praticamente todas as tomadas interiores fazem uso de chiaroescuro:
Grande parte do roteiro revela o lado de miséria das vítimas da lei. A tentativa de contratar um assassino para as prostitutas se vingarem da injúria na colega de bordel esbarra sempre no lado vilão do xerife, que tortura e expulsa quem tentar cumprir o contrato.
Gene Hackman ganhou um Oscar de melhor ator coadjuvante. Disse ele que na primeira leitura do script achou a estória muito violenta, mas depois de analisar o personagem, se convenceu de que devia fazer o filme, e obviamente não se arrependeu.
Uma presença notória no elenco é a da atriz Frances Fisher, que na época namorava Eastwood, tendo com ele a filha Francesca. Quando Eastwood foi entrevistado no Actors Studio, ela estava lá para homenageá-lo. A menina, ainda criança, aparece no filme True Crime, de 1999.
Cabe ainda mencionar a presença do excelente ator Richard Harris, como English Bob. Harris era um ator notável, capaz de dignificar qualquer papel. Além disso, ele e Eastwood se deram bem no set, que habitualmente sempre foi calmo e com ampla liberdade dada a todos os atores de como interpretar seus personagens.
Os Imperdoáveis é tudo o que um western não é. O filme mostra aspectos de uma sociedade corrompida e oportunista, guiada por um representante da lei que não tem pena de ninguém, mas se anuncia como o mantenedor da ordem. Não há justiça naquela comunidade. A sociedade é racista e preconceituosa, usa hipocritamente as mulheres que vivem do meretrício, ao mesmo tempo que as discriminam socialmente.
O filme faz parte de uma época, e eu não lembro mais se Clint Eastwood se propôs a fazer outro filme deste tipo. Se fez, foi algo similar, mas não igual. Muitos críticos de cinema e mesmo os atores que trabalharam com ele destacam que o seu estilo de filmagem lembra muito os antigos diretores de Hollywood, mas em Unforgiven Clint presta tributos aos seus mentores Sergio Leone e Don Siegel, de quem herdou o seu estilo como realizador.
O filme em disco
Originalmente, Unforgiven foi rodado em Panavision 35 mm, com trilha Dolby Stereo, que foi remixada para Dolby Digital 5.1, incluída no DVD e mantida na edição em Blu-Ray. Neste último, o som é superior, por conta do aumento do bitrate. A ambiência, nas cenas de chuva e trovões, é muito bem preservada.
A versão 4K altera a trilha para DTS HD MA 5.1, mas não inclui DTS:X. As críticas mencionam um certo aprimoramento, que eu não posso julgar, porque ainda não tenho o disco.
Cabe assinalar que foi o próprio Clint Eastwood quem supervisionou a transcrição do negativo para vídeo, provavelmente se assegurando que a imagem resultante não adulteraria o conteúdo fotográfico pretendido. Mesmo a versão em Blu-Ray 2K, mais antiga, a imagem é de excelente qualidade. [Webinsider]
. . .
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.