Ben-Hur, magnífico filme épico ambientado na época da passagem de Cristo na Terra, foi um grande sucesso nos cinemas.
Em certas épocas do ano, os filmes de cinema com temas religiosos ou correlatos sempre foram vistos em exibição nos cinemas, como, por exemplo, A Vida de Cristo, tradicionalmente nas sextas-feiras santas.
Ben-Hur, épico de 1959, não é exatamente um filme religioso, mas se refere a um conto fictício que se passa na época em que Jesus estava vivo.
O livro original foi escrito por um militar, conhecido como o General Lew Wallace, lançado em 1880. A estória original, segundo historiadores, sofreu algumas modificações. Wallace não era um homem religioso, e a sua ideia básica era o embate entre um príncipe judeu (Judah Ben-Hur) e um soldado romano (Messala). Mas, no final a estória se refere ao nascimento do cristianismo e a conversão de Ben-Hur, depois de ver a sua mãe e irmã curadas de lepra por um milagre do Cristo.
Do livro foi feita uma peça, e no início do cinema um estúdio fez dela um filme, sob os protestos dos herdeiros de Wallace, que conseguiram os direitos autorais de volta. Em 1924, os estúdios Goldwyn haviam conseguido os direitos para fazer o filme. Mas, a produção foi particularmente desastrosa, e quando a Metro-Goldwyn-Mayer foi formada, Louis B. Mayer e Irving Thalberg “herdaram” aquele abacaxi. O filme estava sendo rodado em Roma, estava dando um enorme prejuízo, então foi trazido de volta para Hollywood e finalmente lançado ainda com prejuízo em 1925.
A M-G-M insistiu em uma nova produção, e relançou o filme em 1959, uma mega produção, dirigida por William Wyler. Também cercada de percalços: depois dos caríssimos cenários quase prontos, não havia ainda um roteiro satisfatório que agradasse nem à M-G-M nem a Wyler.
Finalmente, a M-G-M decidiu ficar com o roteiro escrito por Karl Tunberg, mas ainda assim com a intervenção do escritor Gore Vidal. Além de Vidal, foi também chamado o autor teatral inglês Christopher Fry, para escrever todos os diálogos, que foram entregues em cima da hora, mas nenhum dos dois recebeu crédito no filme.
Vidal sugeriu, um pouco a contragosto de Wyler, retratar a amizade entre Ben-Hur e Messala como se os dois tivessem sido amantes na adolescência, e a primeira briga entre os dois como tal.
William Wyler nunca havia dirigido um filme épico dessas proporções, mas se sentiu atraído pelo projeto. Sua filha diz, em documentário, que ele comentara que “precisava ser um judeu para fazer um filme sobre Jesus Cristo”, ou algo parecido. Entretanto, ele tomou algumas decisões com exagerada cautela, que caracterizaram Cristo, como, por exemplo, nunca mostrar o seu rosto, e sim deixar na tela a expressão facial daqueles que se defrontaram com ele, como o próprio Ben-Hur. E, no final do filme, tratar a conversão de Ben-Hur ao cristianismo de forma sutil.
A produção e o filme
O Ben-Hur de 1959 foi também rodado em Roma, nos estúdios Cinecitta, e assim a produção foi de volta para lá como anteriormente. Milhões de dólares foram gastos, e milhares de extras contratados para várias das cenas do filme.
A M-G-M havia contratado a Panavision para desenvolver uma câmera de 65 mm com lentes anamórficas (compressão de 1.25 vezes), que foi por isso mesmo chamada de Camera 65. Ela já tinha sido usada no filme Arvores da Vida, uma ano antes, e foi novamente usada na produção de Ben-Hur.
Anos depois, a mesma câmera foi comprada de volta pela Panavision e rebatizada de Ultra Panavision, com uma relação de aspecto ultra larga de 2.75:1, para projeção em Cinerama ou CinemaScope (2.55:1), quando convertido a 35 mm. A propósito, o filme Uma Batalha No Inferno, que inaugurou o Super Cinerama do Cinema Roxy, foi rodado em Ultra Panavision.
Era de se esperar que Ben-Hur fosse exibido no Metro-Boavista, equipado com aparelhagem Dimensão-150, tela curva para 70 mm, mas não me lembro se foi. Eu consegui assistir a cópia em 70 mm plano no Bruni-Tijuca, que tinha aparelhagem Incol 70/35. Abaixo se pode ver o anúncio da exibição, publicado em 31 de março de 1969:
Em muitas das cenas com multidões de extras, a produção usou o processo de “matte painting”, que consiste em compósitos de imagens com um fundo de pinturas ou de outras tomadas de câmera. Não obstante, o número de extras chamados para o filme foi enorme!
A produção é majestosa e muito bem cuidada. Até hoje, impressiona ver a montagem da corrida das bigas e a disputa entre Messala e Ben-Hur, que ficou a cargo de Yakima Cannutt, diretor da segunda unidade. O filho dele foi quem dublou Charlton Heston em algumas cenas perigosas da corrida. Heston havia treinado bastante e conduziu os cavalos na maior parte das cenas.
Ben-Hur é um daqueles filmes com uma natureza singular. Na minha opinião, ele é um dos maiores exemplos de abertura e final de filme, ambas absolutamente exemplares, nas sequências do nascimento de Cristo e da sua crucificação, sequências do roteiro ajudadas pela belíssima trilha composta por Miklos Rozsa.
O conteúdo da estória
Já foi dito em retrospectivas deste filme, que a produção tomou muito cuidado com a personificação de Jesus Cristo. Na única cena em que ele aparece de frente, seu rosto é oculto por uma sombra fotográfica!
Mas, ao contrário de muitos outros filmes sobre a passagem de Cristo na terra, a rejeição ao Messias pelo povo judeu não é sequer ventilada, assim como seu julgamento, descrito de forma sumária.
Em O Evangelho Segundo São Mateus, de Pier Paolo Pasolini, por exemplo, Cristo é visto como um homem subversivo, contrariando as leis judaicas, porque, de fato, Jesus pregava de uma forma considerada perigosa pelos judeus que tinham o controle do resto da população judaica.
O assunto é complexo, e talvez por isso, os magnatas americanos do cinema, a maioria judeus, evitaram ao máximo, expor as diferenças religiosas entre o nascimento do cristianismo daquela época.
No mundo real, a rejeição aos judeus, inclusive em solo norte-americano, tem alguma correlação religiosa, sobre a qual o filme de 1959 tenta evitar mostrá-la. A perseguição aos judeus, por motivos sociais, econômico ou religiosos, foi uma realidade durante boa parte do século 20, principalmente na Europa do fim do século 19 e do início da segunda guerra mundial.
É um fato histórico que os magnatas do cinema e um monte de atores e atrizes judeus mudaram de nome, justamente para evitar a discriminação social. Muitos daqueles que escreveram músicas, peças ou filmes se basearam em temas cristãos com o devido cuidado. Basta citar Irving Berlin, autor de White Christmas, música popular entre os cristãos, na época do Natal.
De qualquer forma, Ben-Hur, independente de suas colorações religiosas, é um magnífico filme, extenso demais (3h32min), é verdade, para ser assistido toda hora, mas cabe muito bem em certas épocas do ano, para nos lembrar da importância histórica do nascimento e da morte de Jesus Cristo. [Webinsider]
. . .
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
5 respostas
Bom dia, Paulo. Por aqui, no interior de São Paulo, as cópias em 35 m/m chegavam com bastante atraso no único cinema. Quem tinha visto na capital, teciam elogios sobre a fita que ficávamos torcendo para que chegasse logo. Quando finalmente chegou, as filas eram enormes, de dobrar quarteirão. Creio que assisti ali em meados dos anos 1960.
Brilhantemente escrito e com a didática notável que, reconhecidamente, gerou inspiração para a grande maioria de seus alunos!
Ele não somente detém o conhecimento em sua área de formação acadêmica como também o universo cinematográfico!
Eu me orgulho de ter podido beber uns goles de seu vasto saber!
Grata!!
Oi, Ana Lucia, eu sempre me esforcei para passar conhecimento, porque é isso que mais nos importa, que nos forma, que nos ajuda a encontrar soluções diante de problemas próximos do intransponível. Eu sempre mantive a minha cabeça aberta para assuntos que não são ada minha área de trabalho, pu por hobby e interesse, ou por enxergar neles algo de útil para viver.
Obrigado pelos elogios e reconhecimento, quem é grato sou eu!
Pois é Paulo…
Como dizem, nem tudo que reluz é ouro !
Já vi algumas vezes o trailer da versão “remake” desse filme do ano de 2016.
Que me desculpem aqueles que sempre preferem as refilmagens, pelo incremento de novos efeitos digitais, mas que nesse filme em particular não agregam em nada em uma estória clássica de tema bíblico como Ben Hur.
Outro “detalhe” não se pode esperar que na versão de 2016 a atuação de Jack Huston possa ser comparada a Charlton Heston.
Então continuarei fiel a versão remasterizada em 4k de Ben-Hur de 2011.
Um feliz ano novo de muita saúde e prosperidade Paulo.
Oi, Rogério,
Eu assisto “remakes” com cautela, ou nem assisto, porque acho perda de tempo. Eu tenho visto atrocidades nesses filmes, o que para mim prova que Hollywood no geral não tem mais inspiração para criar nada de novo.
Obrigado pelos comentários e leitura, desejo a você e aos seus um Feliz Ano Novo, com otimismo para enfrentar o que ainda vem por aí!