Como exaurir um atleta de competição em 10 fáceis lições

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atleta de competição

Na década de 1990, eu ajudei um colega e seu grupo a estudar a síndrome do excesso de treinamento, problema recorrente até hoje em atletas de competição.

 

A grande maioria dos garotos da minha adolescência corria para jogar futebol. Ainda menino, o meu saudoso pai, torcedor apaixonado do Fluminense Football Club, me levava ao Maracanã, onde eu tive a sorte de ver atletas antológicos, como Valdo, Telê, Castilho, Pinheiro, Escurinho e muitos outros.

Não era à toa que o sonho de qualquer menino era ser um dia um jogador daqueles. E eu não fui exceção, só parando mesmo de jogar bola lá pelos meus 17 anos de idade, para depois completar os meus estudos, os quais eu constantemente negligenciava!

Na década de 1990 eu estava localizado em um laboratório de pesquisa dentro do Hospital Universitário da UFRJ. Lá pelos idos de 1997, um colega médico do Instituto de Puericultura e Pediatria Martagão Gesteira (IPPMG) me procurou querendo ajuda para estudar uma síndrome (conjunto de sinais e sintomas que caracterizam uma condição clínica) chamada de Síndrome do Excesso de Treinamento (do inglês, Overtraining Syndrome ou OTS), que lhe preocupava durante as preparações físicas, dele, do filho e de um grupo de jovens atletas, esses últimos todos nadadores de competição.

A síndrome se caracteriza pela incapacidade do atleta de melhorar a sua performance. No caso específico dos nadadores, o rendimento é medido com a ajuda de um cronômetro, com o qual se identifica rapidamente a queda de performance. O treinador nota que por mais que o atleta se esforce ele ou ela não conseguem render mais e entram em um processo de fadiga difícil de recuperar.

Na época, pouco se sabia sobre os diversos mecanismo de doença que levavam atletas à síndrome. Como esse assunto nunca foi o meu campo de trabalho em bioquímica eu me propus a fazer um levantamento do metabolismo intermediário muscular, que explicasse alguma coisa. Já haviam sido publicados trabalhos que sugeriam que a amônia (NH3) plasmática seria o marcador do início da síndrome. Como a dosagem de amônia não era rotina dos laboratórios clínicos naquela época, o colega do IPPMG importou os kits e eu mesmo fiz as dosagens.

É uma pena que grande parte deste material, textos, planilhas, figuras, foi guardada em algum lugar, difícil de achar por enquanto. O leitor, entretanto, pode acreditar, que as principais alterações metabólicas estão relacionadas ao excesso de consumo de Adenosina Trifosfato (ATP), composto que fornece energia para as reações endotérmicas do metabolismo celular, e da glicose, principal nutriente da célula muscular.

Normalmente, a nutrição rotineira dos atletas procura compensar por essas perdas, mas eventualmente ele se vê exposto à síndrome, principalmente no início dos microciclos de treinamento. Abaixo, eu mostro em gráfico um exemplo do que nós medíamos, em uma fase experimental, com a ajuda de 6 nadadores de elite, com idade de 16 a 17 anos, em início de temporada de treinamento:

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O gráfico mostra os valores de amônia (média ± o erro padrão da média) em amostras coletadas em quatro momentos distintos: A- imediatamente antes da primeira sessão de treino do microciclo; B – após o término da primeira sessão de treino; C – 22 horas após o início do microciclo e imediatamente antes da última sessão de treino e D – após a conclusão da última sessão de treino, no fim do microciclo.

É fácil verificar visualmente que os níveis de amônia continuam a subir, ao invés de baixar, indicando assim que o esforço muscular dos atletas está caminhando para a exaustão. O problema é o mesmo nos atletas de competição, principalmente naqueles que são pressionados pelos treinadores a alcançar rapidamente o seu ótimo de trabalho. Se os períodos de descanso não forem devidamente observados, o resultado final pode levar os atletas para o departamento médico, como é típico no futebol profissional de hoje em dia.

Uma série de outras substâncias podem ser dosadas para que o diagnóstico da síndrome possa ser completado. Os ensaios por nós obtidos naquela época sugerem que cada atleta seja submetido a dietas estabelecidas por nutricionistas da área, de preferência a tentar garantir que os níveis de nutrientes, como a glicose, e algumas vitaminas, estejam próximos do ideal da preservação da musculatura.

A amônia livre no plasma é altamente tóxica e normalmente é eliminada pelo organismo. A sua presença em doses elevadas pode, entretanto, afetar o organismo como um todo. A amônia é normalmente produzida pelo aumento da atividade da enzima AMP deaminase e pela oxidação de amino ácidos de cadeia ramificada, também conhecidos como BCAA (do inglês, Branched Chain Amino Acids). Na diminuição da nutrição muscular pela glicose, esses aminoácidos são usados para gerar o ATP, a moeda energética acima citada.

Na época deste estudo alguns pesquisadores brasileiros mandaram seus resultados de pesquisa para a CBDA (entidade ligada aos nadadores de competição) argumentando que os atletas deveriam ser suplementados na dieta com aminoácidos de cadeia ramificada. O meu colega do IPPMG, recebeu da CBDA um pedido de endosso desta suplementação escrito por mim, mas eu me neguei a fazê-lo, e parece que a minha decisão não foi bem recebida naquela entidade. Esta suplementação era, e provavelmente ainda é, vendida livremente em lojas do ramo, então toma quem quiser. A minha objeção teve fundamento na minha formação como cientista, e eu nunca me arrependi dela!

Antes mesmo desta pesquisa ser feita, durante muitos anos foram publicados trabalhos sobre as sequelas decorrentes do aumento de exercício físico em atletas muito jovens. Mas, em uma sociedade economicamente carente, muitos atletas jovens com potencial de performance são encaminhados para este tipo de atividade. E isso é dramaticamente real no mundo do futebol, a tal ponto que times sub alguma idade são formados para competir!

Se no futebol de base isso já é um baita problema, no futebol profissional é ainda pior: mal os jogadores voltam das férias, eles são submetidos a treinamentos intensos e desgastantes. As federações de futebol aparentam ser insensíveis às condições de saúde desses atletas, porque a cada ano aumentam o número de competições e de jogos em cada uma delas. O calendário apertado e com períodos de descanso inadequados expõem os jogadores não só à síndrome do excesso de treinamento, mas a várias outras doenças, que acabam resultando em lesões musculares e similares.

A meu ver, os clubes de futebol deveriam protestar e se negar a envolver seus times nesta maratona de competições, sem o descanso adequado. Mas, infelizmente, a ambição de títulos e os lucros financeiros falam bem mais alto, e assim, a cada ano, nada muda!

A saúde de qualquer pessoa se deteriora com a idade. Até um certo ponto da vida, os tecidos passam por um processo de renovação celular, a cada cinco anos de vida aproximadamente. E esta renovação vai diminuindo com a idade, e a consequência primária observada é a incapacidade física e/ou mental.

Dito isto, manda o bom senso que a saúde de todo mundo, mas principalmente dos atletas, seja cuidadosamente preservada desde o início da vida. Esses cuidados envolvem planejamento nutricional, caso um indivíduo jovem decida se dedicar ao atletismo.

O organismo humano tem limites, ignorá-los pode trazer consequências imprevisíveis a qualquer um!  [Webinsider]

 

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Cocoon, em um mundo de ficção de super seres extraterrestres

 

Película de cinema versus imagem digital dos filmes

Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Parabéns pelo texto Dr Paulo, muito elucidativo… assunto extremamente importante descrito de maneira clara e objetiva. Overtraining tão antigo e ainda sistematicamente negligenciado .

    1. Oi, Bernardo, obrigado e parabéns por suas brilhantes e recentes conquistas no campo da Medicina.

      Eu evitei citar o nome do dirigente da CBDA que não gostou do meu laudo contra o uso de suplementação de aminoácidos de cadeia ramificada a atletas de competição. Eu nunca o conheci pessoalmente, graças a Deus. Anos depois desse estudo encerrado, eu soube de um escândalo na CBDA que o levou preso. Soube ainda, mais recentemente, que ele faleceu em 2020, segundo a imprensa, já portador de demência. Bem, eu não desejo mal a ninguém, é óbvio, mas acho que ele foi deselegante comigo. Infelizmente, muitas federações tem presidentes que ocupam o cargo por dezenas de anos, no caso, ele ocupou por cerca de 30 anos, e já naquela época ele era conhecido como uma pessoa inquestionável.

      Sobre os aminoácidos, eu disse para o grupo de estudo que não endossaria uma suplementação de substâncias capazes de gerar amônia livre no plasma, quando o correto é justamente evitar isso no atleta com risco da síndrome!

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