Há momentos na história quando a tecnologia provoca mudanças irreversíveis, mas que não são sentidas imediatamente.
Já tendo virado o século, eu venho de longe observando como tudo muda junto com o avanço que a tecnologia propiciou!
A Internet e os meios de comunicação online foram ambos fatores de mudanças, tal a rapidez com que as informações são transmitidas. Qualquer um, munido de um telefone, com câmera, pode colocar à vista de terceiros o que quiser. Este privilégio era privativo dos repórteres das emissoras de televisão, mas ele acabou quando uma pessoa documenta alguma coisa antes das reportagens, e mostra com mais autenticidade o desenrolar verdadeiro do que está sendo gravado, sem nenhum tipo de edição (montagem), que pode perfeitamente adulterar o conteúdo.
Nós tivemos um exemplo gritante há poucos dias, no meio desta guerra entre partidos políticos do poder e os da oposição. Milhares de pessoas encheram a praia de Copacabana, com pessoas apoiando a campanha pela anistia desencadeada pela oposição.
Domingo retrasado, os governistas fizeram uma manifestação, na qual eles gritaram que a manifestação deles, contra a anistia, teve mais público do que a outra. Porém, bastou uma tomada de câmera de um drone para mostrar que isto estava longe de ser verdade! A Internet mostrou a diferença imediatamente, entre os milhares na praia de Copacabana (imagem da esquerda) e cerca de uns 6 mil, segundo a USP, na Avenida Paulista.
Países autocráticos aparentam ter pavor das chamadas redes sociais, e são frontalmente contra a liberdade de expressão. Foi o caso do antigo Tweeter aqui no Brasil, logo depois liberado para funcionar. Em países com as ditaduras de esquerda que ainda estão em vigência, a Internet é cerceada ou bloqueada. Como a Internet chegou para ficar, em algum momento do futuro este tipo de repressão acaba.
A era moderna dos processamentos de dados
Processar dados sempre foi um projeto que possibilitou o avanço social e tecnológico de todos os países, desde o início do século 20. Dados como, por exemplo, os obtidos nos censos, foram vitais para o planejamento dos países que o fizeram, na chamada pesquisa de opinião pública.
Nos laboratórios de pesquisa, o avanço da informática pessoal trouxe ao pesquisador a chance de ele mesmo processar dados, para obter informações e resultados experimentais totalmente confiáveis.
Na década de 1970, as calculadoras de bolso modificaram radicalmente a maneira como dados numéricos eram processados. Os diversos modelos de calculadoras ficavam cada vez mais sofisticados, com recursos avançados, e com funções matemáticas e de estatística.
Mas, todas elas tinham um problema comum: a alimentação por pilhas ou baterias tornavam o dispositivo inconfiável! Dependendo do modelo usado, era perfeitamente possível errar a digitação de um número sem saber que o dado processado estava errado, e assim o resultado do cálculo vinha incorreto, sem o usuário saber. Para um desastrado digitador como eu, este problema se tornou impossível de ser contornado. Em se tratando de cálculos de estatística, era o próprio desastre anunciado!
Entretanto, o começo da microinformática mudou tudo! Números podiam ser digitados e conferidos em um computador pessoal, até os de 8 bits, antes do cálculo ser processado, com absoluta confiança nos resultados. Além disso, todo o trabalho podia ser salvo em um relatório, para ser lido na tela ou em papel impresso. A impressão passou a fazer parte dos protocolos de quem fazia pesquisa! Bastava imprimir, recortar e colar em um caderno, para se ler a qualquer momento.
A aceitação dessa mudança não foi imediata, nem mesmo na área acadêmica! Na minha tese de mestrado eu processei dados, programados em uma então primitiva HP 9810A, com total confiança nas curvas de calibração e cálculos de estatística. No entanto, na defesa da tese, um dos meus examinadores tachou de “exagero” da minha parte processar dados por computação, e afirmou que ele faria tudo aquilo com uma simples calculadora de bolso. Eu havia prometido ao meu orientador não discutir qualquer crítica, então agradeci o “conselho”. Tratava-se, na época, de uma figura imponente da FIOCRUZ. Quem era eu para refutar a crítica, não é mesmo? Mas, o meu querido irmão, que era da área de informática, e havia assistido a defesa, saiu de lá revoltado com a comparação computador versus calculadora de bolso!
Serviu para mim como experiência para o resto da vida. Porque mudanças deste tipo nunca foram assimiladas rapidamente, nem mesmo por renomados cientistas. E existem muitos exemplos na história em que resultados de pesquisa levaram os seus descobridores à crítica impiedosa e às vezes cruel de seus pares, levando anos para que aqueles resultados alvos de crítica se tornassem realidade.
Antes da Internet, os microcomputadores trouxeram ao usuário final uma série de recursos, impossíveis de serem alcançados antes com a mesma facilidade. As planilhas, por exemplo, usaram a capacidade de armazenar dados na memória dos computadores e usá-los para cálculos sofisticados, um sonho de qualquer projetista.
Para mim, foi o processador de textos que me deu a liberdade de criar, corrigir e formatar manuscritos, antes de eles serem impressos. Para um digitador desastrado como eu, foi uma mão na roda. A propósito: a edição de texto foi um dos mais fortes motivos de compra de um computador pessoal, durante anos.
A digitação de referências bibliográficas com uma máquina de escrever era excruciante. Em alguns manuscritos, elas tinham que ser escritas em ordem alfabética. Se o digitador errasse ou precisasse incluir uma referência nova, tinha que digitar tudo de novo, a partir da página que a lista precisava ser alterada. No computador, um simples comando colocaria tudo na ordem desejada! Era quase um milagre, sem precisar inteligência artificial para fazer isso.
As redes acadêmicas e as redes privadas foram realidade durante anos, mas pouca gente se juntou a elas. O meu primeiro endereço de e-mail eu recebi muito tempo antes da Internet se tornar uma realidade. Na época, fora do país, a nossa universidade chamou todos os estudantes graduados para explicar com detalhes todos os benefícios do uso de um e-mail.
O grande mérito da Internet foi o de tornar a comunicação de dados universal. Ela poderia, infelizmente, ser usada para o mal, ou de permitir a intrusão de gente com péssima índole e educação. Mas, o seu principal objetivo, o da comunicação à distância, nunca teve preço. Grandes bancos de dados passaram a tornar possível a pesquisa de referências, sem precisar entrar em uma biblioteca pública, não que elas não sejam úteis, sempre serão, mas com buscas imensamente mais difíceis de alguém fazer sozinho.
Outra importante conquista da Internet é a da liberdade de expressão, das pessoas dizerem o que pensam a respeito de um dado assunto. Esta liberdade tem sido sistematicamente combatida pelos políticos, cujos discursos públicos não convencem mais ninguém. Os políticos deveriam provar na prática o que eles prometem ou falam, mas raramente isto acontece. Nos meios sociais, as mentiras são rapidamente provadas e/ou contestadas.
Isto nos mostra que não basta apenas o progresso da tecnologia e o da mudança dos hábitos dela advindos. O ser humano precisa evoluir também, e isso não se faz sem uma educação de base forte o suficiente para todo mundo saber o que está fazendo, e não se deixar levar por falsas promessas vazias de seus interlocutores. O pensamento humano livre e erudito é uma das coisas mais importantes que alguém poderia conquistar, mas sem a base do raciocínio e da verdadeira cultura de conhecimentos, vai ser muito difícil alguém conseguir se aprimorar. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.