Empreender é um ato de coragem, não de ilusão. O mundo precisa de gente resolvendo problemas reais, mais do que perfis de Instagram com bio de CEO.
Quando falamos em empreender, existe um tipo de empresa que não aparece nos relatórios da Receita Federal, mas que movimenta muito ego por aí: é a empresa de fachada!
É aquela criada mais para alimentar a vaidade do que para resolver problemas reais. Negócios que têm nome pomposo, logo bonito, bio no Instagram e até um cartão de visita digital com QR Code. Mas que, na prática, não pagam as próprias contas – e muito menos as do empreendedor.
A gente vive hoje numa era onde ser “founder” parece mais importante do que ser empreendedor de verdade. Tem gente que se sente na obrigação de criar um negócio só para dizer que tem um. Como se fosse feio trabalhar com carteira assinada ou construir algo aos poucos, sem pressa, sem holofote. E aí nascem empresas que são mais personagens do que projetos. São vitrines ambulantes, cheias de pose, mas vazias de propósito, produto e faturamento.
Por que precisamos estar sempre nos apresentando como bem-sucedidos?
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A cultura da performance está nos matando aos poucos. Vivemos num mundo onde a narrativa de sucesso virou obrigação. As redes sociais, os eventos de networking, as reuniões de negócios… tudo virou palco. Não importa se o negócio está com dificuldades, se você está em dúvida sobre o que fazer ou se a grana está curta. A expectativa é que você esteja sempre “voando”, sempre “fechando contrato”, sempre “grato pela oportunidade de crescer”. Essa ilusão coletiva sufoca a vulnerabilidade e sabota a verdade de quem está na jornada real do empreendedorismo.
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Existe uma vergonha invisível em dizer que não está tudo bem. A gente foi condicionado a associar incerteza a fracasso, pausa com preguiça, dúvida a incompetência. Mas todo empreendedor de verdade já passou (ou vai passar) por momentos de queda. Fingir que isso não acontece só atrasa o amadurecimento. Não é fraqueza admitir que você está atravessando uma fase difícil. É sinal de força emocional e de inteligência estratégica.
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A máscara do sucesso constante cria um ciclo de comparação irreal. Quanto mais mostramos uma imagem perfeita, mais os outros acham que precisam parecer perfeitos também. E aí todo mundo se sente sozinho nos próprios fracassos, achando que está atrasado ou fazendo algo errado. Precisamos quebrar esse ciclo e normalizar o fato de que empreender é difícil, que oscila, que tem altos e baixos. E tudo bem.
Não é raro encontrar quem monte CNPJ antes de validar a ideia, quem gaste mais tempo com o pitch do que com o produto, quem invista mais em sessões de fotos para o Instagram do que em entender a dor do cliente. A prioridade vira parecer grande, mesmo sendo pequeno. Pior: vira parecer bem-sucedido, mesmo estando endividado.
O problema não é começar pequeno. O problema é não reconhecer que está pequeno. É se recusar a aprender com o mercado, com os tombos, com os ajustes que todo negócio real precisa. É tentar parecer tão visionário que esquece que lucro ainda é um indicador importante. Fingir que tem um time quando trabalha sozinho. Vender consultoria sem nunca ter feito uma. Usar termos em inglês para parecer global enquanto o boleto do MEI está atrasado.
Tem gente que gasta mais energia sustentando a imagem de sucesso do que realmente trabalhando para conquistá-lo. Isso não é empreendedorismo. É vaidade fantasiada de estratégia.
E o pior dessa encenação toda é que ela cria um ciclo cruel: o empreendedor se compara com outras pessoas igualmente fingindo que estão bem, e assim todo mundo acha que está atrasado. A régua vira a performance, não o progresso real.
Não tem vergonha nenhuma em dizer que sua empresa está começando, que ainda fatura pouco, que você ainda está tentando encontrar o seu caminho. Isso é força, não fraqueza. É honestidade, não fracasso. O que fragiliza de verdade é o medo de parecer menor do que se gostaria de ser.
Empresas de sucesso são só as que faturam milhões?
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Sucesso é pessoal, não universal. Para alguns, sucesso pode ser IPO e rodadas milionárias de investimento. Para outros, é conseguir pagar as contas com um trabalho que faz sentido. Uma empresa de duas pessoas, com faturamento modesto mas recorrente, que paga o aluguel, garante o mercado do mês e permite um pouco de tranquilidade… isso também é sucesso. E talvez seja o mais sustentável deles.
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Nem todo mundo quer (ou precisa) escalar. A narrativa do “crescer rápido” muitas vezes ignora a realidade do empreendedor que só quer viver com dignidade, sem se endividar, sem pirar, sem sacrificar tudo em nome de uma ambição que nem era sua. Não tem nada de errado em manter um negócio pequeno. O problema é a pressão externa para parecer grande, mesmo quando o seu modelo de vida não exige isso.
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Empresas que resolvem um problema real já são valiosas. Se sua empresa ajuda pessoas, mesmo que poucas, se ela gera valor para alguém e te permite viver com autonomia, ela é uma conquista. O que a torna menos digna que uma startup que ainda nem encontrou o modelo de receita? Lucro, impacto, consistência: isso sim é métrica real. Não o número de funcionários ou o tamanho do stand na feira de negócios.
Empreender é um ato de coragem, não de ilusão. O mundo não precisa de mais perfis de Instagram com bio de CEO. Precisa de gente resolvendo problemas reais, servindo bem, construindo com consistência, mesmo que no silêncio.
Por que copiamos modelos de fora que não refletem nossa realidade?
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Contextos diferentes exigem soluções diferentes. O modelo de negócios do Vale do Silício não necessariamente serve para o empreendedor brasileiro da periferia, do interior ou da quebrada. Copiar estratégias de países onde o acesso a crédito é facilitado, onde o investidor-anjo está na esquina e onde o Estado apoia a inovação, pode ser não só ilusório, mas perigoso. Aqui, o empreendedor paga imposto antes de faturar, briga com burocracia e precisa de criatividade para sobreviver – não só de pitch bonito.
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Nosso país é diverso, complexo e precisa de soluções nossas. O empreendedorismo brasileiro precisa parar de se ver pelo olhar estrangeiro. Temos um povo criativo, que inova na marra, que resolve problemas reais no dia a dia. Por que não olhamos para o que já funciona aqui? Por que não valorizamos nossos próprios cases de sucesso local? Criar modelos baseados na realidade brasileira é mais difícil, mas muito mais poderoso e autêntico.
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Copiar sem adaptar é colonizar o próprio sonho. Quando seguimos cegamente o que funciona lá fora, estamos deixando de construir um ecossistema empreendedor com a nossa cara, com o nosso sotaque, com as nossas gambiarras criativas. Precisamos resgatar o orgulho de fazer do nosso jeito. Porque o sucesso, aqui, tem outro ritmo. E tudo bem.
Se for para criar um negócio, que ele sirva a alguém além do seu próprio ego. Se for para ser empreendedor, que seja de verdade. Que o sucesso venha de dentro para fora – e não da aparência para a tela. [Webinsider]
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Gustavo Loureiro
Gustavo Loureiro trampa com internet desde 1998 e escreve para o Webinsider desde 2006. Atualmente está empreendendo no segmento de educação e é pesquisador também.