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Leni Riefenstahl estabeleceu o formato moderno do cinema contemporâneo, mas a sua ligação com Hitler a impediu de ser reconhecida como tal.

 

Eu passei uma grande parte da minha adolescência fascinado pelo cinema. Por volta dos dezessete anos, o meu pai, próximo do seu fim de vida, pagou para mim o último curso que eu queria fazer fora do colégio: o pessoal do Cineclube Nelson Pompeia da PUC-RJ organizou um curso básico de cinema, convidando estudiosos, jornalistas críticos de cinema, e até um Padre da PUC velhinho, que tinha obras em livro dedicadas ao cinema, muito simpático.

Nas aulas de história, os nomes mais comentados foram D. W. Griffith e Charles Chaplin, com toda a razão. Um dos professores constantemente se referia à obra de Pietro Germi, cineasta italiano da comédia neorrealista. Chegou a exibir um dos seus filmes, para análise e crítica. Eu mesmo, anos depois, programei Seduzida e Abandonada no cineclube da faculdade, filme que ironicamente alguns colegas acharam que era pornográfico.

Eu não me lembro, por mais que me esforce, ter ouvido ou mencionado o nome da cineasta alemã Leni Riefenstahl, embora ela tenha sido o maior expoente do cinema alemão nos anos de 1920 e 30, período obscuro da emergência do regime nazista.

A televisão inglesa, entretanto, que era profícua em exibir documentários sobre a segunda guerra mundial, transmitiu um deles sobre a obra daquela cineasta, mostrando-a sendo entrevistada já no fim da vida.

O tema Leni Riefenstahl é tão controverso e discutível como o restante dos eventos que levaram Hitler ao poder em 1933. Por isso, não se admira que este tipo de assunto parece que nunca vai parar nas rodas de historiadores e cientistas políticos, à cata de explicações sobre o que aconteceu naquela época.

Dias atrás, foi a televisão alemã Deustche Welle  quem expôs e discutiu a vida de Leni Riefenstahl, programa que eu ainda não tinha visto:

Eu nunca fui um profundo conhecer da vida da cineasta, mas eu discordo de algumas afirmações e conclusões do documentário alemão. Não obstante, os documentaristas reconhecem que Riefenstahl teve uma enorme influência na evolução do cinema. Citam inclusive a cena final de Star Wars e comerciais de marcas de grife como exemplos.

Citam também que os historiadores de cinema norte-americanos reconhecem em Orson Welles e Leni Riefenstahl os principais cineastas criadores da linguagem contemporânea do cinema.

Dois filmes se destacam para provar o que foi dito. O infame filme de propaganda O Triunfo da Vontade e os dois filmes sobre as olimpíadas de 1936: Olympia Parte Um e Olympia Parte 2.

Srgindo o que eu aprendi  naquele curso de cinema, um documentário é o espelho da visão do cineasta, No Triunfo da Verdade é possível observar como a diretora visualizava a explosão nazista, mas ao usar angulações e posicionamento de câmera baixa e alta em planos mais próximos, ela aumentou significativamente a importância não só de Hitler como também os milhares de soldados que participaram do evento, uma demonstração de força e poder!

Em todos os filmes citados acima é possível ver que a cineasta nazista usava a sua imaginação para construir e editar tomadas ousadas de câmera e montagem. Ela cavava buracos no chão para planos em câmera baixa (Orson Welles fez o mesmo em Cidadão Kane, quando destruiu o chão do estúdio fazendo um buraco e colocando a câmera lá dentro), Riefenstahl elaborou tomadas em travellings sofisticadíssimos, usando todo tipo de veículo. Subia escadas, para filmar incríveis planos gerais.

O que deu errado

Leni se afeiçoou a Hitler, disse ela depois na velhice seduzida pela imagem dele, e foi reconhecida por ele como uma grande cineasta. E ela, como tantas outras mulheres desta época, o idolatrou, aparentemente vendo nele uma espécie de Messias do terceiro Reich. Hitler foi quem a convidou para filmar O Triunfo da Vontade, que na época ganhou prêmios fora da Alemanha.

Só isso bastou para que ela fosse condenada como nazista para o resto da sua vida. Seus críticos fecharam os olhos para genialidade da sua criatividade e aperfeiçoamento da narrativa cinematográfica contidas nos seus documentários.

Em filmes feitos por entrevistadores Leni negou que havia esposado o credo nazista. Na realidade, identificou-se como “apolítica”, o que é compreensível, passados todos esses anos. Negou inclusive ter tomado conhecimento da eliminação em massa dos judeus.

Quando o nazismo eclodiu, o cinema alemão era um dos mais produtivos da Europa. Mas, cineastas, atores e atrizes, mesmo não sendo judeus, decidiram sair do país, com receio evidente de prisão, por se oporem ao regime. A maioria foi para Hollywood, onde viveram para o resto de suas vidas. Outros voltaram para a Europa anos mais tarde.

Leni não só decidiu ficar, como admirou-se de Hitler e alguns dos seus seguidores, menos Joseph Goebbels, que tentou sabotar a presença dela quando próxima do ditador. A qualidade do cinema dela claramente falou mais alto e resistiu ao cerceamento imposto ditatorialmente por Goebbels na UFA.

Muitos críticos e historiadores de cinema creditam a qualidade da montagem daqueles filmes ao fato de ela ter iniciado a sua vida como bailarina. Esta hipótese não é absurda de forma alguma: William Hanna, por exemplo, um dos criadores de Tom e Jerry, conhecia música e baseado nela era quem fazia a minutagem dos planos da edição.

Se alguém somar todas as tomadas de câmera ousadas, ao lado de uma montagem de excelente qualidade, vai entender porque os filmes da cineasta amaldiçoada se tornaram referência no cinema moderno. Sob o ponto de vista feminista, Leni também pode ser vista como vencedora, porque no cinema e em várias outras profissões similares aconteciam em ambientes predominantemente masculinos.

Leni Riefenstahl morreu com idade avançada, deixando um enorme acervo de filmes e fotos, que são até hoje estudados por quem ainda quer descobrir se ela era anjo ou demônio. [Webinsider]

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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