Cecil B. DeMille dirigiu Sansão e Dalila, com a presença da exuberante Hedy Lamarr, em uma prévia do discurso anticomunista que iria fazer depois em Os Dez Mandamentos. O filme está no serviço Amazon Prime Video, em cópia restaurada e de alta qualidade.
O serviço de streaming Amazon Prime Video ofereceu por esses dias uma cópia novinha do clássico Sansão e Dalila (“Samson and Delilah”), de 1949, filmado por Cecil B. DeMille. A nova cópia exibe o luxuoso Technicolor da produção original, que vale a pena ser revisto.
Eu nem me lembro mais da última vez que eu vi esse filme em uma tela de TV, mas na minha memória ainda está viva a imagem da mega encantadora atriz Hedy Lamarr, personificando a traiçoeira e possessiva Dalila, que se joga em cima do supostamente ingênuo Sansão, vivido na tela pelo ator Victor Mature.
Miss Lamarr, uma mulher de origem austríaca, foi considerada por muitos, e com justiça, uma das mulheres mais bonitas vistas nas telas de cinema. Victor Mature, por outro lado, celebrizou-se como Demetrius, em “O Manto Sagrado”, primeiro filme em CinemaScope lançado nos cinemas pela Fox.
Aqui se trata de uma produção Paramount, estúdio no qual DeMille se destacaria em 1954 pela refilmagem de “Os Dez Mandamentos”, uma superprodução em VistaVision, de longa duração.
Olhando-se hoje esses dois filmes percebe-se claramente que a narrativa deles é muito semelhante, como também a interpretação um tanto afetada de alguns atores. Não sei por que, talvez por achar que havia impacto na tela, DeMille gostava de close-ups com atores fazendo caretas dramáticas. E este filme não é exceção.
Olhando com atenção a nova cópia em alta definição, percebe-se mais uma vez que o tempo foi implacável com os truques fotográficos antigos do cinema. Na famosa cena da luta de Sansão contra o leão, nota-se claramente a presença do dublê na cena:
Na estória Sansão perde a sua eleita com quem queria se casar (Semadar, por Angela Lansbury) para a inveja dos seus opositores. E depois fica à mercê de Dalila, que quer casar com ele, mas é rejeitada:
Convenhamos: quem iria resistir aos encantos de Hedy Lammar? Dalila, entretanto, não quer só seduzi-lo. Como toda mulher possessiva rejeitava, queria também se vingar do pobre coitado!
As citações e paródias
Em 1974, Mel Brooks dirigiu o antológico “Blazing Saddles” (no Brasil, com o título idiota “Banzé no Oeste”), escrito com a ajuda de vários colaboradores. No filme, o pistoleiro aposentado Waco Kid (Gene Wilder) diz ao xerife: “Eu devo ter matado mais gente do que Cecil B. DeMille”.
E aí fica claro porque o personagem Hedley Lamarr (Harvey Korman, em um dos seus melhores papéis), uma espécie assim de eminência parda do governador local, a todo o momento é chamado de “Hedy” e não “Hedley”, e vai assim até o fim do filme. Nessas cenas, o personagem se ressente e reclama “É Hedley”, construindo uma gag muito bem bolada.
Blazing Saddles não é exatamente um tributo a Cecil B. DeMille, mas uma paródia aos exageros de Hollywood, particularmente aos westerns, muitos dos quais foram realizados com clichês e estereótipos controversos.
Já Victor Mature parodiou-se a si próprio, na comédia antológica de Vittorio de Sica “After The Fox” (no Brasil, “O Fino da Vigarice”), ao personificar o ator Hollywoodiano decadente Tony Powell, preocupado com as rugas que lhe afetam o rosto. Aliás, neste filme Peter Sellers faz uma paródia sarcástica e hilária de Federico Fellini, um diretor com méritos inegáveis, mas que realizava filmes herméticos.
Cecil B. DeMille
DeMille é um caso à parte: bom cineasta, apesar dos exageros, e respeitado como tal na comunidade de diretores norte-americanos.
Na vida pessoal era um homem de conservadorismo convicto, o que não é nada demais. Porém, ficou mal visto por parte desta mesma comunidade, quando aceitou o convite para fazer parte da mesa diretora do Comitê Nacional Para Uma Europa Livre, uma entidade anticomunista criada pela infame CIA, na época que Sansão e Dalila foi lançado nos cinemas.
Não é à toa que neste filme e também em Os Dez Mandamentos, DeMille começa narrando a estória com uma apologia direta contra a “ausência de liberdade produzida pela tirania do estado”, uma claríssima bandeira anticomunista propalada durante a guerra fria.
Até o diretor John Ford, que costumava não se meter em política e que era também um homem de hábitos conservadores, reclamou do que DeMille andava dizendo pelos bastidores, dentro de uma reunião de classe.
Tentar livrar Hollywood de atores, roteiristas ou diretores comunistas provou-se ser um equívoco desastroso, porque foi um movimento que se opunha à liberdade de expressão, que é um valor de uma sociedade democrática que não pode ser descartado sem que haja consequências. Ainda mais em uma Hollywood fortemente controlada pelo Studio System, que por si só destruiu muitas vidas.
É óbvio que o rastro Stalinista deixado na anexação territorial e ideológica dos países vizinhos à Rússia conquistados durante a Segunda Guerras, em um imperialismo comunista imposto à força nesses países, formando a chamada “Cortina de Ferro”, acabou dando impulso àquelas entidades norte-americanas dedicadas à tal “preservação da liberdade” proposta pelas entidades locais que combateram o que eles achavam ser uma infiltração política alienígena à cultura americana.
DeMille acreditava neste princípio e usou seus filmes para fazer apologia direta em suas mensagens narradas. Ironicamente, nenhum dos chamados roteiristas “comunistas” fizeram a mesma coisa, e no caso específico de Cidadão Kane, o filme foi proibido de ser exibido na União Soviética, apesar de ser claramente uma crítica à sociedade capitalista, manipulada por pessoas cujo poder transcende a política.
Deixando isso tudo de lado, qualquer um de nós pode hoje apreciar e julgar se o trabalho de direção de filmes como Sansão e Dalila merece estar citado nos anais do cinema. Na minha opinião, eu acho que sim, ainda mais tendo ao alcance uma obra restaurada.
Outrolado_
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
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Olá Paulo
Este artigo sobre a nova cópia deste clássico Sansão e Dalila, realmente despertará muito a atenção e curiosidade dos cinéfilos, em conferir todo trabalho de restauro nesta obra de Cecil B. DeMille. Apenas lamento o fato de ter sido disponibilizada apenas na Amazon Prime Video. Como não tenho conta, terei que esperar a distribuidora lança-lo em Blu-Ray. Outro ponto que gostaria de destacar Paulo (citando a Amazon Prime), seria o fato da loja on-line da Amazon (somente aqui do Brasil), não disponibilizar para a venda, filmes em mídia DVD ou Blu-ray. Tenho para comigo que isso seria uma forma da matriz da Amazon, tentar forçar a venda, e emplacar o serviço da Amazon Prime aqui no Brasil. Acho que seria interessante a elaboração de uma matéria a respeito.
Um abração
Olá, Rogério,
Você tem razão, parece que a Amazon no Brasil tenta favorecer o serviço de streaming. Mas, se você olhar a política de preços dele, não é uma má opção. Com uma assinatura única, se tem direito a três telas, com HDR inclusive. O site brasileiro, entretanto, para compra de peças de componentes de informática, por exemplo.
Sansão e Dalila em Blu-Ray só na América, por cerca de 10 dólares (http://www.blu-ray.com/movies/Samson-and-Delilah-Blu-ray/92121/). Eu já vi o mesmo disco à venda aqui por umas sessenta e poucas pratas, mas não em lojas.