Chitty Chitty Bang Bang, filme inglês de 1968, com o título de “O Calhambeque Mágico”, foi lançado em Cinerama no cinema Roxy do Rio de Janeiro, mais ou menos por esta época.
Desnecessário dizer que a apresentação em cinema fez sucesso, não só porque o filme, com temática infantil e musical, é bastante agradável e se respalda no carismático Dick Van Dyke, que era um artista completo, como pela sua parte técnica na tela grande e larga do Cinerama.
O filme foi rodado no processo Super Panavision 70, cujo tipo de negativo (65 mm) se mostrou tão complexo para restaurações digitais ao longo do tempo, que obrigou alguns estúdios, como por exemplo a Warner Brothers, a reduzir o original para 35 mm (com a manutenção da resolução do fotograma) e só depois passa-lo em um scanner digital para restauração.
Como as coisas mudaram! Ao ver agora o filme em Blu-Ray, a única coisa que eu posso dizer é: UAU!…
O problema maior não é só a questão de arrancar definição de fotogramas de cinema. Restauradores e estúdios especializados têm enfatizado que digitalizações com 4 K (4 mil linhas) de resolução se prestam perfeitamente para a projeção digital em salas de cinema, sem nenhuma perda de qualidade. Alguns, como John Lowry, dos estúdios Lowry Digital, argumentam até que nem é preciso usar mais do que 4 K para se conseguir a qualidade de definição que se deseja.
Existem, segundo Lowry, aspectos peculiares a respeito da restauração de negativos diversos, onde se nota que se o mesmo for usado para se fazer uma cópia normal de cinema, alguns tons de cor não passam do negativo para a cópia.
O mesmo problema, entretanto, não acontece na produção da master digital, por motivos diversos. Os mesmos tons de cor que não passam para a cópia de cinema ficam expostos na matriz digital. E com isso, por incrível que pareça, consegue-se, segundo ele, ver mais cor na edição em Blu-Ray do que na película, com o quê eu concordo plenamente!
O estúdio Lowry, que vem defendendo o padrão de 4K para restaurações e cópias digitais para cinema e home video, enfatiza, e com toda a razão, de que as cópias em mídia digital mostram cores mais vibrantes, o enriquecimento de detalhes é maior e a imagem significativamente mais nítida!
Quem se acostuma agora com a restauração digital na mídia doméstica sabe de imediato se ela foi levada a efeito, porque logo nos créditos dos filmes o letreiro fica imóvel, como se fosse um show de slides fotográficos.
Alguns anos atrás, eu e muita gente que eu conheci achávamos este efeito um tanto estranho. Isto porque o filme de cinema trepida na janela do projetor, e este pequeno tremido é que dá a sensação de estarmos assistindo à projeção de uma película cinematográfica. Sem ela, a imagem fica artificialmente estática, e com isso a sensação de se estar vendo um filme é perdida!
É claro que se trata, antes de mais nada, da força do hábito de assistir cinema na sala de exibição, e porque não dizer, de uma questão cultural também: se nós admitirmos a possibilidade de que possa haver um projetor com mecânica perfeita ao ponto de não ser haver qualquer trepidação, coisa que nenhum fabricante até hoje conseguiu, então é também admissível encarar o formato digital com mais naturalidade!
A recuperação do Calhambeque
Não é só no filme de Ken Hughes que o velho e decadente carro de corrida, comprado pelo inventor Caractacus Potts para os seus filhos, é completamente reformado: as suas várias versões em home video me fizeram temer pelo pior!
Eu tinha na minha antiga coleção uma edição em VHS PAL com o filme sem nenhuma tentativa de recuperação, lá por volta do início da década de 1990. Foi mais ou menos por esta época que a MGM (detentora do acervo da United Artists) havia começado a transferir negativos de 65 mm para vídeo, com preservação do formato original de tela (2.20:1).
Infelizmente, não foi o caso deste filme: a imagem na fita é 4:3 padrão (1.33:1), com as cores completamente ausentes, e o pior ainda é que o som de muitos diálogos apareciam tremidos, apesar da trilha ter sido codificada pelo processo VHS Hi-Fi (áudio em formato FM). A distorção do áudio atinge nesta edição em fita níveis catastróficos, e por conseguinte, destrói no espectador qualquer chance de apreciar o que sobrou do filme.
Uma remasterização completa foi feita para a edição em DVD duplo, lançada anos atrás, pela Fox, atual representante MGM/UA. Nesta edição, os problemas de som desapareceram, e pela primeira vez o fotograma 70 mm pode ser visto integralmente na tela.
Então, faltou o quê? Na realidade, a edição em DVD não é nem sombra do trabalho de câmera, realizado na época em que o filme foi feito. Idealmente, filmes em Super Panavision carecem de telas gigantescas para se tornarem plenamente assistíveis. Como isso em casa é quase que impossível, restam ainda os aspectos relativos à fidelidade fotográfica propriamente dita.
A área de exposição em um negativo 65 mm, sem compressão na imagem e com o uso de lentes esféricas, se presta a uma qualidade na fidelidade da captura a melhor possível. E é isto, em última análise, o que se consegue com o processo Super Panavision, e o motivo pelo qual ele foi usado tantas vezes para fotografia de efeitos especiais em filmes 35 mm.
Na realidade, as primeiras câmeras usadas para o formato eram as mesmas usadas para os formatos “MGM Camera 65” ou “Ultra Panavision”, exceto que as lentes são trocadas de anamórficas para planas. E na prática isso não impedia a obtenção de cópias retificadas, para as exibições nas telas ultra curvas do Cinerama 70.
Nesta edição em Blu-Ray é possível finalmente ver o trabalho original, sem absolutamente nenhuma falha fotográfica! O equilíbrio de cores é impressionante, e pode ser notado nas cenas filmadas ao ar livre. Não se enxerga um traço de saturação, que não seja aquela obtida na apresentação do filme, ou seja, as cores são vibrantes, como John Lowry disse, e completadas com as matizes que possibilitam ornamentar as cenas como nunca se viu antes, desde que o filme foi lançado no cinema!
Para os leitores que desejam ver algumas boas capturas de tela do disco, eu sugiro uma visita ao trabalho do crítico canadense Gary Tooze, disponível na Internet.
E como nenhuma restauração de um filme deste calibre fica completa sem uma revisão da trilha sonora, os técnicos remixaram os originais para 7.1 canais, em padrão DTS HD Master Audio. É uma dessas chances raras, principalmente pelo fato de que os seis canais magnéticos do cinema raramente usavam surround, de ouvir a participação ativa dos canais traseiros nos efeitos sonoros do filme. E neste ponto, a edição em Blu-Ray descarta totalmente o áudio obtido para a edição anterior em DVD, e premia aqueles que se deram ao trabalho de instalar um sistema 7.1 em casa.
O filme…
O Calhambeque Mágico é um daqueles filmes para crianças nos quais o adulto se diverte, caso ele tenha o espírito aberto e o menino ou menina dentro de si. A estória é entremeada por segmentos musicais, exibindo alguns dos muitos talentos do ator Dick Van Dyke. Desnecessário dizer que o aperfeiçoamento da trilha sonora, obtido na restauração, beneficia sobremaneira todas essas cenas!
Falando ainda sobre os atores, existem dois estereótipos divertidos, que são o do ator inglês Lionel Jeffries, especializado em personagens excêntricos, e nos mostrando um na tela, e outro, com o ator alemão Gert Fröbe, cuja memória anterior era, para muitos freqüentadores de cinema, a do personagem Auric Goldfinger, vilão da série James Bond. O talento de comediante de Fröbe passa intocável. Ele viria a fazer algo semelhante, porém mais sutil e divertido, com a paródia do oficial germânico (aquele que aprende e faz tudo pelo manual do usuário), na comédia inglesa “Esses Homens Maravilhosos em Suas Máquinas Voadoras”, um ano depois.
As situações de conflitos entre adultos, particularmente entre marido e mulher, são colocadas em tom de comédia e com enorme sutileza. Com isso, as mensagens diretas do filme passam despercebidas pelo público infantil, mas são facilmente capturadas pelo público adulto. Não há drama algum no fato dos filhos de Caractactus Potts serem órfãos de mãe, e na verdade este aspecto singular da estória justifica corretamente o lado fantasioso da imaginação das crianças, diante das estórias contadas pelo pai.
De uma forma geral, o filme é agradável de se ver, apesar das telas menores ocultarem as suas virtudes anteriormente exibidas nas telas super grandes do Cinerama. Deixando isso de lado, o entretenimento agrada a todo mundo e certamente exibe os melhoramentos e avanços da tecnologia de recuperação de filmes em bitola larga, para aqueles que se interessam por isso. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
4 respostas
Olá, Miguel,
Obrigado pela leitura e pelo elogio.
Abraço.
Caro Paulo Roberto, seus artigos são de um detalhes técnicos impressionantes…muito bom, parabéns
Oi, Celso,
A opinião sobre os 4K é de John Lowry, a quem eu citei. O argumento dele é que não é preciso mais do que isso.
Para o Blu-Razy faz-se o que se chama de “downconversion”, que é a redução de 2, 4 mil, etc., para 1080 linhas. O Blu-Ray não precisa mais do que isso para mostrar detalhe, resolução e clareza.
Não é de hoje que se sabe que o material de captura em alta resolução permite conversão para mídias de resolução menor, com bons resultados.
Já fazem muitos anos que a indústria fonográfica começou a masterizar fontes analógicas com 20 bits e converter para 16 bits, para o CD. Hoje, se faz matriz com 92 kHz e 24 bits, até 192/24, com conversão para CD, e excelentes resultados.
No caso do cinema, os negativos de bitola larga se beneficiam de uma resolução maior, e quem vê a fonte e compara com o resultado em Blu-Ray demonstra enorme entusiasmo.
Nós, que não podemos fazer isso, comparamos com a película que um dia vimos no cinema. No que me concerne, eu não consigo ver coisa melhor!
Bom dia Paulo,
Cinema! Cinema! Que delícia relembrar! E você nos traz tudo isso. Como é bom! Difícil traduzir em palavras aquilo que sentimos há tantos anos!
Você comenta resolução em 4k (4000 linhas). O blu-ray tem 1.080 linhas, não é? Então esse restante é “excesso de zêlo”? Esses 4k são perfeitos para projeção digital numa tela de cinema, vc afirma.
Então, há algumas semanas tive oportunidade de comentar em outro artigo seu, que vi na sala IMAX, SP, o filme “A Origem”, do Chris Nolan. Escrevi ali que a resolução de imagem é sofrível, não atendendo nossas exigências de cinéfilos. O que ocorre nesse caso? A cópia em IMAX digital 2 D é ruim? O operador de cabine afirma que a qualidade é a mesma da película mas, sabemos que não é. Não discuto com ele porque é tão gentil em me receber na sala de equipamentos cuja entrada é bastante restrita.
Grande abraço.
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