O filósofo grego Epicuro acreditava que todos nós podemos achar um meio de sermos felizes. O problema, segundo ele, é que não sabemos precisamente o que nos faz felizes e, por isso, acabamos buscando a felicidade nos lugares errados (isso é próximo do que Laurence J. Peter disse em The Peter Principle: “Se você não sabe para onde está indo, provavelmente vai acabar em outro lugar”).
Isto é, não entendemos nossas verdadeiras necessidades e acabamos vítimas de desejos substitutivos, como comprar coisas supérfluas e excessivamente.
Epicuro dizia ter descoberto nossas verdadeiras carências, os três elementos que nos permitiram alcançar a felicidade: amizade, liberdade e uma vida bem analisada. Mas, se a receita é relativamente simples, por que a maioria das pessoas não é feliz? Se é verdade que bastam apenas essas três coisas, por que queremos comprar tanto? Epicuro culpava a publicidade.
Segundo o filósofo contemporâneo Alain de Botton, Epicuro diria que o mundo do comércio cria associações implícitas entre aquilo que quer nos vender e nossas verdadeiras necessidades, as três bases de que ele fala.
Ao se deparar com uma propaganda de roupas em que amigos passeiam descontraidamente ao ar livre, por exemplo, ele diria que queremos ter amigos e ser livres, mas acabamos misturando nossos desejos, ficando confusos, e acabamos por achar que a aquisição desse determinado produto nos fará felizes. Levamos uma coisa por outra.
Independente de concordar ou não com essas ideias – possivelmente você já deve ter objeções a elas – destaco aqui um dos meios pelo qual esse pensamento chegou até nós. Os livros que Epicuro escreveu se perderam durante os séculos. Conhecemos parte de sua filosofia da felicidade através das inscrições num paredão construído em Oenoanda por um rico seguidor de Epicuro chamado Diógenes.
Diógenes inspirou-se numa tese epicurista importante: a de que, para viver com sabedoria, não basta ler um argumento filosófico uma ou duas vezes. Precisamos ser relembrados constantemente, ou o esquecemos.
Quando somos estimulados a comprar por luzes e anúncios coloridos, acabamos esquecendo facilmente de nossos desejos verdadeiros. Temos de combater a influência da publicidade, criando anúncios que nos lembrem daquilo que realmente precisamos. Daí a razão de Diógenes ter construído seu muro.
O muro tinha suas inscrições em vermelho e podia ser visto por pessoas que se encontrassem justamente no mercado, servindo como um alerta para que elas lembrassem e/ou aprendessem que o ato de comprar e o produto não deviam ser confundidos com a busca pela satisfação plena.
Além de ser espantoso como um pensamento da Antiguidade grega nos toca e parece relevante ainda hoje (vale citar que Epicuro viveu entre 341 a.C. e 270 a.C.), gostaria de explorar essa tese sobre a importância de se relembrar constantemente conceitos que consideramos indispensáveis e, mais ainda, justamente quando somos, por assim dizer, “tentados”.
Tomo a liberdade aqui de chamá-la de “tese do memorando”. Utilizo essa palavra não pelo recorrente uso empresarial, mas considerando sua origem em latim, que significa: o que é digno de ficar na memória, o que deve ser lembrado.
Este conceito é apresentado também, em outro contexto, pelo palestrante motivacional Jack Canfield. Um dos princípios que ele trabalha em seu livro “Os Princípios do Sucesso” é justamente a importância da repetição e visualização constante de suas metas. Ele argumenta que o contato recorrente eleva o estado de alerta em relação aos recursos que vão ajudá-lo a alcançar o resultado desejado.
Esse estado permite que você mantenha o foco em seu objetivo, e não se deixe levar por desvios que venham a surgir. Além disso, você ativa o seu subconsciente para criar soluções que promovam a conquista de suas metas.
Canfield propõe alguns métodos para se manter em estado de alerta quanto a seus desejos: escrever sua meta principal nas costas de um cartão de visitas (assim, sempre que você abrir sua carteira, reverá seu objetivo), escrevê-la no screensaver do computador, criar um livro de metas (com imagens, palavras e frases), pendurar imagens que remetam a seus objetivos nas paredes de sua casa, gravar seus objetivos e escutá-los durante o dia num iPod ou mp3.
Partindo da constatação que passo grande parte do meu tempo utilizando algum tipo de dispositivo tecnológico, pensei de que modo as funcionalidades destes poderiam ser utilizadas como memorandos. Gostaria de propor-lhe então um método que adotei e mais que isso, a possibilidade de se utilizar a tecnologia para este propósito.
Método para relembrar objetivos
O Twitter tornou-se uma ótima ferramenta de memorando pessoal. Como Canfield diz, uma das melhores coisas deste mundo é que praticamente tudo o que você deseja já foi feito por alguém antes. Seguir “de perto” essas pessoas, acompanhar as pistas que elas deixam, é uma ótima maneira de se orientar quanto aos caminhos a serem tomados, e talvez mais importante ainda, os que devem ser evitados.
No meu caso em específico, como adoro escrever, sigo todos os escritores que admiro (@eduardospohr, @carolinamunhoz, @crislasaitis, @paulocoelho, @brunorodrigues, @raphaeldraccon #ficaadica).
É uma oportunidade preciosa de ver o que eles veem e acham bacana em tempo real, colher dicas que eles deixam implícita ou explicitamente, descobrir que esses escritores são gente como a gente, acompanhar a postura que adotam diante do mercado (e, por que não, da vida), enfim estar conectado com pessoas bem sucedidas na área que eu quero ser bem sucedido. Como alguém disse há muito tempo atrás: Diga-me com quem andas e te direi quem és.
Desse modo o Twitter funciona como memorando porque, de repente, entre notícias que se sucedem na minha página surge uma frase como “Se eu esperasse por perfeição, nunca iria escrever uma única palavra” (@MargaretAtwood) ou algo como “Meus vizinhos estão fazendo farra aqui ao lado enquanto tento me concentrar nesse capítulo”.
A todo momento, quase imperceptivelmente, sou bombardeado por referências que me fazem ter mais vontade de escrever e me lembram de que sempre preciso reservar um tempo para isso.
Além dos escritores, há também perfis motivacionais como o Quotes4Writers (algo como “citações de escritores para escritores”). Seguindo este tipo de perfil recebo a todo o momento frases e links com dicas e ideias sobre o desenvolvimento da escrita, a profissão, a rotina.
Seja lá qual for o caminho que você deseja seguir, o Twitter oferece a oportunidade de seguir pessoas que já concretizaram seu sonho. Se você quer ser designer, pode se comunicar e saber exatamente que tipo de referência os seus designers favoritos utilizam, que sites visitam sempre, a que comunidades pertencem, etc. Esse tipo de pista tem um valor inestimável.
Com todo o alvoroço comercial que acompanha o Natal, fica difícil olhar para um iPad – ou qualquer desses dispositivos tecnológicos surpreendentes, de design encantador – e pôr em prática o pensamento epicurista.
Eu mesmo, no meu ímpeto consumista, estou louco por um iPod. Mas que tal então utilizar esses dispositivos como auxiliadores na conquista dos seus sonhos? Lembrando-se sempre que eles são só dispositivos, que não tem nenhuma felicidade a oferecer.
Para o ano novo, ao invés de promessas, o que acha de criar memorandos com os seus objetivos? Pondere: o que será realmente digno de permanecer em sua memória durante os próximos 365 dias?
Diógenes de Oenoanda construiu um muro da filosofia; você pode construir o seu próprio com muito menos esforço – um bom começo pode ser uma pasta no seu desktop com imagens que você coletar na internet referente ao seu sonho. [Webinsider]
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Matheus Pacheco
Matheus Pacheco (pacheco_matheus@yahoo.com.br) é designer. E também gosta de webwriting e antropologia. No Twitter: @matheusepacheco.
6 respostas
AgradeSiddha ao Mateus pelas dicas e tudo mais -realmente é isso ai!
Vou comecar 2011 com esses exemplos – valeu querido.
DM
Parabéns pelo texto, Matheus. Ele me motivou algumas palavras:
… É interessante esta busca por uma identidade-afinidade, que, de modo geral, todos nós passamos, seja qual for a ferramenta de comunicação ou o ponto de encontro.
Parece que somos educados (em geral), para ver no outro distante a virtude, a sagacidade, a iniciativa e coisa e tal; mas queremos
nos sentir menos menos buscando no outro (faraway) seus “defeitos”, seus “vacilos”, seus “impasses”; e assim se sentir “normal” e com possibilidades de SER.
Enquanto isso…As políticas são tecidas por urdiduras diversas – pensadas e amesquinhadas; os regimes de (des)governo surgem, pessoas vão, pessoas ficam e a ciência nos aponta ossibilidades
permitindo uma parafernália tecnológica que nos faz rever o que é real, o que é virtual, por um lado, e, por outro, a propaganda do consumo nos escravisa em desejos.
Digo isso, pois, parece-me que nós perdemos a urbanidade da rua, da praça, da conversa na calçada, do caminhar pela vida lado a lado, literalmente. Estou sendo saudosista? Pode ser. Mas… creio que esteja faltando mais carne-e-osso-e-pele. Tá muito pelo viés do Ctrl-C, Crtl-X, Crtl-V e blá-blá-blá… Na vida não dá del, nem resetar.
Mas de Epicuro-Grécia-Hoje, permito-me citar o eterno poeta: “Tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
Sugiro: 1) Da tranquilidade da alma, de Sêneca; uma bela leitura.
2) O Príncipe, de Maquiavel; uma bela recordação do presente.
luizroberto r s
Agradeço a citação, Matheus. Texto para ler e guardar.
O foco e a mentalização do objetivo pretendido são ótimas dicas para quem tem um sonho conseguir concretizá-lo. Tenho tentado por em prática essa tese todos os dias.
Ótimo texto, adorei!
Excelente matéria… está objetivo e claro em que quer dizer.
Quanto a estas dicas do twitter e as demais, simplesmente fantástico, pois isto realmente irá desenvolver e estimular a habilidade da meta que for, sendo que nosso cérebro será alertado frequentemente sobre aquilo… adaptação.
Concordo plenamente com a tese. Parabéns.
UAU!! Gostei msm! Vou fazer meu twitter agora. Mto boa a citação do filósofo (q eu nao conhecia)e a sugesto de uso do twitter, pq as pessoas são assim: leem ou escrevem, mas nunca tem a sugestão, entao as desculpas surgem:”ah, mas como fazer, é complicadoe tals…”