No último artigo desta coluna, destaquei que, no cenário nacional atual, muitas são as “intranets turbinadas” e poucos são os portais corporativos. Falamos também que um portal corporativo, quando implantado sob um viés (ou olhar) de Gestão do Conhecimento, acaba sendo bem maior do que a soma de suas funcionalidades.
Entretanto, várias pessoas ainda me perguntam como, afinal, diferenciar uma intranet cheia de funcionalidades de um portal corporativo – e como não errar o caminho, ao construí–lo. Mais: perguntam também como a Gestão do Conhecimento afeta essa estória toda.
É bom alertar que, muito embora estas sejam questões conceituais, em nada se assemelham a discutir o sexo dos anjos. Pelo contrário: para quem administra ou está implantando uma intranet e para os envolvidos em projetos de Gestão do Conhecimento, trata–se da diferença entre caminhar com uma bússola e vagar na escuridão – sem direito a lanterna…
Buscando a ordem no caos
Os mestres da Gestão do Conhecimento (GC) há muito identificaram que uma das melhores técnicas para converter conhecimento tácito (aquele que é difícil transmitir e reside apenas na minha cabeça) em conhecimento explícito (como este texto, que pode ser compartilhado) é o uso de analogias. E nenhuma analogia é melhor, no nosso caso, do que a do quebra–cabeças.
Imagine–se diante de um deles, com 100 peças, por exemplo. Quando você abre a caixa e joga as ditas cujas sobre a mesa, depara–se com algo estranho: o caos. Você até sente que há uma lógica naquilo tudo, mas não consegue enxergar a interligação das coisas, pois alguém bagunçou as peças (e alterou paradigmas). Essa é a rotina de quem trabalha em áreas de vanguarda – como portais e GC…
Agora, pergunto: se você pegar as 100 peças e colocá–las lado a lado – porém sem preocupar–se em encaixá–las corretamente –, o que você tem? Será o mesmo que colocá–las nos seus devidos lugares, interligadas corretamente com as peças da redondeza?
Claro que não. Entretanto, nos dois casos você continua com o mesmo conjunto de 100 peças, não? Onde está a diferença, então? Ou melhor: o que faz a diferença?
Sobre peças e funcionalidades
Vamos imaginar, agora, que as peças deste quebra–cabeças sejam as funcionalidades de uma intranet ou de um portal corporativo: uma peça é um gestor de conteúdos, outra é o fórum de discussão, outra ainda o programa de e–mail… e por aí vai. Algumas dessas peças, afirmam os especialistas, são fundamentais para a montagem de um portal corporativo “propriamente dito”.
Será, então, que basta eu possuir as peças–chaves para ter um portal? Sim e não. Do ponto de vista das funcionalidades, sim. Se você tem single sign–on, personalização, gestão de conteúdo, comunicação bidirecional e outros badulaques, significa que já possui muitos dos ingredientes do bolo – mas isso não garante que ele vá ficar gostoso. ;o)
Voltando ao quebra–cabeças, nota–se que muitas intranets e até auto–intitulados “portais corporativos” assemelham–se muito ao exemplo das peças colocadas lado a lado: não parece haver maiores preocupações em encaixá–las. As “intranets turbinadas” impressionam pelos seus recursos tecnológicos, possuem tudo do bom e do melhor e… só. Caracterizam–se pela riqueza de funcionalidades, mas com pouca integração – e lógicas frágeis, que geram pouca sinergia.
Em busca da imagem inspiradora
Agora, esqueçamos um pouco a questão das funcionalidades e pensemos sobre itens mais importantes: motivação e meta.
Afinal, o que faz uma pessoa querer “perder seu tempo”, analisando as 100 pecinhas? Ela quer ver todas juntas, ainda que organizadas? Este é seu objetivo? É isso que a move? Não. Ela procura a revelação, a imagem global. Montado o quebra–cabeças, ninguém mais repara nas peças isoladas, já reparou? Ganha–se o que costuma–se chamar de visão holística: as partes interagindo de forma tão harmoniosa que o que prevalece é o todo.
A grande motivação para a montagem deste verdadeiro quebra–cabeças que é um portal corporativo não deve ser outra senão a de apoiar, estimular e favorecer a Gestão do Conhecimento – que, por sua vez, é instrumento de um quebra–cabeças ainda maior: o da estratégia empresarial. Redução de custos, aumento do lucro, melhor produtividade e afins acabam sendo uma decorrência natural da construção de portais sob o viés de GC, já que ele está perfeitamente integrado e tem um único foco principal: agregar valor.
Assim, a figura única que encontramos ao encaixar todas as peças, no caso dos portais corporativos, é a própria Gestão do Conhecimento. É ela que aflora, “por mágica”, quando ele é montado sob esse viés. Nessas horas, já há quem cite a expressão “Portal do Conhecimento” para diferenciar este tipo de portal das intranets e afins, enfocando mais seu objetivo e sua lógica de construção do que seus detalhes estruturais.
Moldando peças para um encaixe dinâmico
Engana–se, entretanto, quem acha que é possível estabelecer uma regra única de montagem das peças, no caso do portal. Não é possível, por exemplo, afirmar que o correto seria juntar a peça da comunidade virtual com a peça do mapeamento de competências para atingir o melhor dos resultados.
Isso acontece porque a lógica de encaixe das peças do quebra–cabeças dos portais corporativos deve ser reflexo direto da prioridade definida pela Gestão do Conhecimento, que , por sua vez, advém dos objetivos estratégicos da empresa. Tudo interligado – e interdependente.
Portanto, ao contrário dos quebra–cabeças normais, as peças dos portais corporativos podem – e devem – ser moldadas, gerando encaixes personalizados com as demais funcionalidades, sempre seguindo uma lógica maior – e nada gratuita. Se minha empresa precisa prioritariamente gerenciar melhor conhecimentos internos críticos, o arranjo das peças pode ser bem diferente daquele utilizado em outra corporação, onde a prioridade seja também diferente – ainda que as peças/funcionalidades sejam as mesmas.
Ou seja: ter um conjunto de funcionalidades lado a lado não garante que sua intranet seja um portal corporativo. E se, no momento de montar as peças, você não estiver procurando moldá–las e encaixá–las a fim de agregar valor para a empresa, algo está errado. Por fim, montado o quebra–cabeças/portal, é preciso ver a informação e o conhecimento fluindo, retro–alimentando–se e potencializando as ações, concretizando, na prática, os conceitos da Gestão do Conhecimento.
Não por acaso, José Cláudio C. Terra – o maior expoente brasileiro na área de Portais Corporativos – afirma, no artigo Posicionando a Gestão do Conhecimento no âmbito estratégico, que “Gestão do Conhecimento significa organizar as principais políticas, processos e ferramentais gerenciais e tecnológicos à luz de uma melhor compreensão dos processos de geração, identificação, validação, disseminação, compartilhamento, proteção e uso dos conhecimentos estratégicos para gerar resultados (econômicos) para a empresa e benefícios para os colaboradores internos e externos (stakeholders)”
Não se trata de tarefa fácil, portanto. E nem de um projeto ou esforço pontual. Pelo contrário: estamos falando de algo que constrói–se de forma gradativa, sem dúvida, com persistência e freqüência. Novas demandas sempre vão surgir – e será preciso moldar uma nova peça para que a figura final fique ainda maior e, sobretudo, mais bonita.
Estado–da–arte x tática evolutiva
Entretanto, é preciso estar alerta: os muitos projetos–pilotos de Gestão do Conhecimento que povoam as empresas só fazem e farão sentido se forem efetivamente embriões de algo maior. O mesmo se aplica à construção dos portais corporativos: são montados sob uma tática evolutiva, como pudemos constatar na última Conferência IBC sobre Portais corporativos. Mas é justamente por isso que precisam estar inseridos em um planejamento maior – de Gestão do Conhecimento – para não transformarem–se em meras “intranets turbinadas”. É preciso, portanto, ter um olho no ferro e outro na ferradura, trabalhar pequeno, mas pensar grande.
Voltamos, então, ao ponto de partida: um portal corporativo, quando implantado sob um viés de Gestão do Conhecimento, acaba sendo bem maior do que a soma de suas funcionalidades. É somente neste contexto que ele traz os grandes benefícios alardeados pela literatura especializada. E muito do seu sucesso depende mais das decisões estratégicas e de negócio do que das ferramentas de TI, muito embora elas sejam excelentes meios e apoios. O próprio Terra, que citamos anteriormente, aponta nada menos do que sete dimensões a serem trabalhadas pelas empresas para que a Gestão do Conhecimento cresça e apareça.
Esse é o horizonte que se apresenta. Se a realidade da sua intranet está muito distante disso, há um consolo: a maioria também está. Entretanto, já foi dado o alerta: intranets com viés puramente informacional ou de auto–serviço estão fadadas a morrer. Portanto, se você pensa em fazer sua intranet evoluir, rumo ao portal corporativo, mãos à obra, mas sempre com a bússola da Gestão do Conhecimento a postos, colocando o seu projeto a serviço de algo maior. Só assim ela pode fazer a diferença. [Webinsider]
Ricardo Saldanha
Ricardo Saldanha é especialista em Digital Workplace e ex-presidente do Instituto Intranet Portal. Atualmente atua como Key Account na Totvs Private.
2 respostas
para um estudante de gestão é peculiar ter conhecimentos sobre este quebra cabeça, ajuda-nos a desenvolver os nossos rácios de gestão.
quero brinca