Quero compartilhar com os amigos o que pensei durante a missa de sétimo dia do Fernando Villela, Fervil, jornalista de 30 anos, colunista do Webinsider, que morreu com um tiro no peito, ao fugir de um assalto, no Santo Cristo, na última semana de julho.
A igreja estava lotada, a missa durou uma hora e meia e em nenhum momento o padre, ou ninguém, disse que aquela morte poderia ser evitada. Que o Fernando morreu não porque Deus “o chamou ao céu” ou “cumpriu sua missão com 30 anos”.
Ele foi assassinado por um homem. E não havia nenhum outro homem para evitar que aquele atirasse.
Faltou isso no sermão. Deus pode ser uma inspiração passiva, ou ativa, depende muito do padre.
O Fervil recebeu muitas mensagens de solidariedade na internet, que podem ser lidas na página dele no Orkut. Na maioria delas, as pessoas são carinhosas e pedem que Deus o ilumine.
Que realmente o seja.
Poucos, muito poucas, trouxeram um tom de revolta de mais uma vida desperdiçada . Ele era um pequeno gênio da internet, que o Brasil produziu durante 30 anos e se foi em 30 segundos.
Estamos nós mesmos engolindo “por falta de opção” o discurso da violência natural que tomou conta das capitais brasileiras e vai se sendo exportada para o interior do país.
A violência não é um raio, um terremoto, um maremoto, um vulcão que explode. Não é a natureza revoltada. Mesmo nestas situações, o homem pode prever o desastre, evacuar a população e salvar vidas.
Eu acho que Deus pode ajudar quando os homens não podem mais fazer nada. Mas será esse o nosso caso?
Há uns dez anos um amigo “muito chegado” morreu de Aids.
Hoje, outros não estão morrendo, mesmo contaminados, mas não por que o Deus (passivo) não quis mais? Não, os homens estão descobrindo remédios! Graças a Deus! Ou impulsionados por ele, vai saber?
Se Deus existe, ele procura a preservação da vida e não o contrário.
Esse atirador que levou o Fervil – um invisível social – que talvez até já tenha pedido um trocado para o próprio Fernando em alguma esquina do Rio de Janeiro – estava negando a sua “fantasmice”.
Eu existo – pou, pou, pou.
Ou seja, a violência é o descaso de todos nós – onde eu me incluo – de viver nossa vidinha, a despeito do que ocorre a nossa volta.
O pedinte de hoje, pode ser o carrasco de amanhã!
Não quero ler no jornal sobre quem morreu em Bangu, Realengo ou Cascadura. E já morrem Fernandos por lá há décadas. Me interesso um pouco por alguns crimes na Zona Sul, mais como informação para evitá–los, do que por empatia.
– Não era conhecido! Graças a Deus!
A nossa reação à violência – e as mortes cada vez mais numerosas, comuns e próximas – mostra que estamos começando a considerar tudo isso uma “obra da natureza”.
Temos que entregar o carro sem resistir, vou colocar um vidro blindado, vou morar no mato.
Ou seja, há exemplos hoje no mundo de países violentos que conseguiram reduzir os índices de criminalidade. É uma questão de método, eficiência, força de vontade e tempo. Em todos eles, a participação da comunidade foi fundamental!
Quanto a nossa inação, nossa conformação, nosso entregar o problema a Deus (e ao Garotinho) não estará contribuindo tanto quanto para o aumento da violência?
Temos que nos interessar pelo problema e não fugir dele.
A resposta não deve ser: preciso sair do Rio, pois tem gente morrendo em todos os outros lugares. Mas como vou me engajar nessa luta, como posso fazer? Como posso ajudar?
Procurar na sociedade quem o pense de forma inteligente e social, com soluções de curto, médio e longo prazo, apoiar estas pessoas, juntá–las, elegê–las, acompanhá–las, escrever aos jornais, participar das reuniões do condomínio, da associação de moradores, das manifestações futuras, pedindo ações concretas e não apenas uma genérica PAZ.
Hoje, existem dezenas de grupos contra a violência dispersos, sem uma proposta clara, uma bandeira que possa levar todos para o mesmo ponto e bater firme. Conquistada a primeira etapa, passemos à segunda.
Qual é o site que agrega todas as informações sobre esse movimento na internet? Como eu posso doar R$ 10,00 reais para ajudar a esse movimento?
Existe um buraco claro a ser preenchido.
Paralelo a isso, devemos nos preparar para entrar nessa briga. É uma missão que cada um tem que trazer para si e não pedir que o outro faça por você. Temos que lutar contra a violência na sociedade e não apenas no nosso apartamento!
Vamos diminuir o trabalho de Deus, já que ele anda muito ocupado por todos os cantos do mundo e vamos começar a fazer a nossa parte em bloco. [Webinsider]
Nota do editor: o crime é um negócio, que tem suas taxas de lucratividade e de risco. Nossa sociedade carece de justiça e permite a impunidade. Por isso o crime é uma opção atraente. Na missa de sétimo dia havia centenas de pessoas, cujas vidas foram marcadas por um único tiro disparado da garupa de uma moto por alguém que estava, digamos, trabalhando (Vicente Tardin)
Carlos Nepomuceno
Carlos Nepomuceno: Entender para agir, capacitar para inovar! Pesquisa, conteúdo, capacitação, futuro, inovação, estratégia.