Em 1936, Chaplin atuou, dirigiu e produziu uma fantástica crítica ao mundo industrial, que estava em seu auge. Seu filme, “Tempos Modernos”, é um clássico. Uma sátira a tudo o que estava acontecendo.
Muitos já entenderam a destruição causada pela onda industrial no meio-ambiente e estão convencidos que teremos que redesenhar tudo novamente para criar um modelo de vida mais amigo do planeta em que vivemos. Porém, poucos ainda se deram conta do estrago que este modelo de pensar industrial causou em nossas mentes. O alerta dado por Chaplin parece que não foi bem entendido.
Para ganhar escala, criamos o conceito da linha de produção, da seqüência e dos processos. Fomos condicionados na ideia de “compartimentalizar” as coisas, ou seja, de tratar com especialidade cada detalhe das partes. Fomos treinados para fazer a nossa parte e depois ‘passar o bastão’ para os outros.
Também fomos muito eficientes em transmitir este modo de pensar. Criamos um sistema de educação massificado, com pouca, ou quase nenhuma, atenção para as diferenças de cada indivíduo.
E como ficamos cegamente apaixonados pela ideia do medir (estávamos sempre buscando otimizar o tempo de cada processo). Também criamos um rígido sistema de avaliação, para ‘quantificar’ o quanto esta maneira de pensar estava sendo assimilada pelos nossos estudantes. E mais, para reduzir os possíveis desvios, criamos métodos baseados em formulários, os famosos ‘templates’, onde até pessoas menos capacitadas pudessem realizar as tarefas necessárias em seus trabalhos.
Este jeito de pensar industrial também nos trouxe vários benefícios. A especialização permitiu uma revolução tecnológica que nos ajudou a evoluir a quantidade e qualidade em vários aspectos de nossas vidas. Por exemplo, conseguimos hoje alimentar mais e mais pessoas, nossa expectativa de vida dobrou e descobrimos a cura para várias doenças que ameaçavam nossa existência.
Porém, o efeito de escala e o alto grau de especialização parecem ter chegado a um limite crítico. A dose do remédio parece ter sido alta demais e estamos sofrendo vários efeitos colaterais.
Por exemplo, perdemos o costume com o todo. Atualmente, muitos pacientes têm problemas em seus diagnósticos porque os especialistas fornecem pareceres corretos quando vistos de forma isolada, mas errados quando vistos de forma integrada.
Burocratizamos tanto nosso pensar que muito do que acontece em nossos escritórios se resume a preencher caixinhas. Iludidos, transferimos a confiança e o conhecimento sobre nossas atividades das pessoas para os processos. Vale lembrar que anteriormente não era assim. Todo conhecimento estava nas pessoas.
Antes da revolução industrial, os “Leonardos Da Vinci” da época eram múltiplos e não estavam tão algemados por processos. Tratavam o conhecimento das artes, ciência e tecnologia de forma integrada. Até hoje, a base do conhecimento das comunidades indígenas está nos “Pagés”, que passam as informações para as futuras gerações. Nosso sistema educacional ficou tão preocupado em medir os resultados que esqueceu de motivar as pessoas.
Assim, ensinamos nossos alunos a passarem em testes e estudarem por notas, e não ‘apenas’ pelo conhecimento. Parece que estamos estudando cada vez mais por notas e trabalhando cada vez mais por dinheiro, e não por que estamos curiosos ou pelo que gostamos de fazer.
Nossa comunicação massificada e superficial cria moda sobre novos termos a cada dia, e caímos em uma sopa de palavras onde pouquíssimos são críticos o suficiente para escapar. E assim, nos sentimos perdidos.
A necessidade de rever este jeito de pensar está ficando cada vez mais clara, tanto para indivíduos quanto para organizações. Diante do atual grau de competição, estamos todos sendo pressionados a inovar e ainda nos perguntamos: por que não estamos conseguindo?
Nossos burocratas acham que dá para tratar inovação da mesma forma que tratamos a qualidade. Porém, qualidade está ligada a eficiência operacional. Todas as variáveis são conhecidas e passíveis de serem controladas. Qualidade tem a ver com o presente. Já inovação, envolve a exploração do futuro na convivência com o desconhecido e na construção do novo.
A verdade é que nos nivelamos por baixo. O pensar industrial nos deixou familiarizados com a ordem e o controle, mas nos tirou a familiaridade do caos e do orgânico. Mas, existe uma beleza no orgânico, fluido e caótico que não podemos ignorar. Temos vários exemplos em nosso dia a dia. Por exemplo, a Wikipédia, que através de uma plataforma de interação conseguiu a difícil tarefa de organizar de forma orgânica o conhecimento em uma fantástica enciclopédia, desafio que gigantes da informática tentaram, mas nunca conseguiram ter sucesso.
Há exemplos de sistemas de entrega de marmitas na Índia que atingem o mais alto grau de qualidade logística, mas que, a primeira vista, é puro caos. Há também exemplos de equipes de futebol, que ganham campeonatos com fluidez adaptativa capaz de uma sincronia que os permitem ganhar de outras equipes de melhor técnica e sofisticados esquemas táticos.
E existem até cidades que aboliram os sinais de trânsito. Abdicaram da ideia do controle e devolveram o poder para as pessoas. E assim, reduziram imensamente o nível de acidentes e aumentaram o nível de cordialidade. A falta dos sinais de trânsito faz com que as pessoas negociem mais e melhor. Uma negociação que não é imposta, mas é real, orgânica e eficiente.
A ciência da complexidade, que estuda os mecanismos que criam e mantém a ordem e o caos nos sistemas adaptativos, já transformou o entendimento científico de várias disciplinas e pode muito nos ajudar no grande desafio de inovar.
Falta acordarmos e fazermos uma radical mudança em nosso modo de pensar.
Temos que reaprender a ter prazer em navegar no desconhecido. Todos nós temos o potencial de sermos “Da Vincis” e “Einsteins”. O problema é que não acreditamos mais nisso. Precisamos de um novo renascimento. Precisamos desaprender muito do que nos foi ensinado e reaprender a curtir a página em branco. Por tudo isso, estou convencido que, intelectualmente, inovação significa conforto com a página em branco. [Webinsider]
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Charles Bezerra
Charles Bezerra é diretor-executivo do Gad’Innovation e autor dos livros O designer humilde e A máquina de inovação. Mantém o blog Reflexões sobre inovação.
Uma resposta
Parabéns pelo ótimo artigo Charles, muito bom.
Talvez isso explique o porquê de a grande parte da riqueza financeira mundial se concentrar apenas em uma pequena parte da população. Vivemos basicamente para consumir e juntar riquezas financeiras, fomos treinados pra isso, antes estocávamos cereais hj estocamos dinheiro é o famoso “não o importa o que esteja fazendo desde que esteja ganhando bem”. Realmente mudar a maneira de pensar vai ser difícil visto que tudo isso que você falou está praticamente impregnado em diferentes culturas.
Gostei dos trechos:
“Criamos um sistema de educação massificado, com pouca, ou quase nenhuma, atenção para as diferenças de cada indivíduo.”
“Nosso sistema educacional ficou tão preocupado em medir os resultados que esqueceu de motivar as pessoas.”
“Parece que estamos estudando cada vez mais por notas e trabalhando cada vez mais por dinheiro, e não por que estamos curiosos ou pelo que gostamos de fazer.”