Quando milhares de pessoas dentro do ciberespaço começam a usar o Instagram, adicionando efeitos sobre as fotos digitais, efeitos que lembram as velhas fotos de nossos pais e avós.
Quando o disco de vinil que havia sido sepultado pelo CD digital volta a ganhar espaço em algumas lojas e quando um filme produzido em preto e branco, mudo e romântico ganha cinco oscars da maior academia de cinema do mundo, temos que parar e refletir.
Afinal por que este revival, esta necessidade de visitar o passado? Não tenho dúvidas dos ganhos e benefícios da digitalização das mídias, dos negócios, do conhecimento (compartilhado, social, igualitário), mas então por que tomar o trem na velha estação em direção ao tempo perdido?
Imagino aqueles milhões dentro do ciberespaço que devem estar mergulhados nas paisagens da memória dos romances de Marcel Proust. De fato, as tecnologias digitais assemelham-se a uma nuvem de gafanhotos: diante dela, tudo é comestível, tudo vira poeira binária.
Para além das filosofias (e ciberfilosofias) a tecnociência nos coloca a árdua tarefa de estar sempre fazendo coisas em alta velocidade; você vive literalmente dentro do Need for Speed ou Gran Turismo, pilotando a própria vida, no trabalho, tweetando ou enviando SMSs. O ciberespaço é por sua própria natureza o universo do agora, do momento. Segundo o filósofo Pierre Lévy, “a sincronização substitui a unidade do espaço, a interconexão substitui a unidade do tempo”.
O digital quando consome algo tangível, não só transforma átomos em bits. Na busca por reduzir tempo, faz desaparecer partes do processo construtivo, fazendo com que entre a produção e o consumo de algum conteúdo ou mídia, não exista nada, somente um download ou upload.
Então vejamos o que aconteceu com a fotografia. Você comprava o filme, a película de acetato que vinha enrolada num tubinho, colocava na câmera, viajava para algum lugar, tirava as fotos, depois entregava numa loja para revelar e aguardava um tempo, às vezes um bom tempo, para ter nas mãos as fotos de viagem. Um ritual técnico, artesanal, o qual ocorria tanto do seu lado, quando do nas salas escuras do laboratório de revelação. Não por acaso a fotografia é considerada uma arte. Ver e compartilhar as fotos, só na presença “física” dos amigos, foto ficava dentro de álbuns, nada de compartilhar em redes sociais para “curtição coletiva superficial”. Hoje, basta um smartphone.
Esta reflexão porém não deseja defender uma volta ao passado, evidentemente que temos ganhos sócio-culturais significativos com a digitalização, entre estes o acesso global às fontes de conhecimento, antes restrito às bibliotecas e centros de pesquisa.
Enquanto Diderot e D’Alambert e outros 140 autores levaram cerca de vinte anos para escrever os trinta volumes da Encyclopédie, e poucos tinham acesso aos volumes impressos, hoje a velocidade de produção e facilidade de compartilhamento da Wikipedia venceu.
O digital retrô porém resiste, buscando compreender os detalhes que foram perdidos, valorizando as etapas do processo e, indo mais além, aceitando o defeito ou imperfeição como parte do produto final. Para este movimento silencioso, usar da simulação digital (envelhecendo fotos, adicionando ruídos em gravações, descolorindo filmes) é um caminho, diante da impossibilidade de se reproduzir os processos artesanais do passado.
Numa tarde qualquer, você digital retrô pode querer vasculhar a casa em busca do velho baú de seus avós, no qual eles guardavam o álbum de fotos, slides e discos de vinil. Tomado de romantismo, vai abrí-lo e encontrar somente dados armazenados num servidor remoto. Qual o login e senha mesmo? [Webinsider]
…………………………
Acompanhe o Webinsider no Twitter e no Facebook.
Assine nossa newsletter e não perca nenhum conteúdo.
Ricardo Murer
Ricardo Murer é graduado em Ciências da Computação (USP) e mestre em Comunicação (USP). Especialista em estratégia digital e novas tecnologias. Mantém o Twitter @rdmurer.
Uma resposta
Adorei a matéria, realmente é isso que acontece hoje pensando nisso.. A tecnologia evolui a cada dia o que ajuda muito na realidade das sociedades.
Daqui pra frente ficamos na expectativa do que aparecerá de “novo” nesse mundo mágico, o que “Hoje” é novidade “Amanhã” talvéz não será passado.