Patentes são uma coisa boa. Elas concedem a um inventor um monopólio (por um tempo limitado) sobre suas invenções. Isso serve como um incentivo financeiro para que esse inventor considere economicamente viável continuar inventando coisas úteis para a sociedade em geral em vez de abrir mais uma cerveja e mudar o canal da televisão. O ponto–chave é que, para patentear alguma invenção, você precisa, primeiro, inventá–la.
O que pode parecer óbvio à primeira vista, não é. É importante avisar: eu não sou um advogado e não entendo mais desse assunto do que qualquer leigo munido de curiosidade possa aprender em relativamente pouco tempo. Por favor, não tomem minhas palavras como aconselhamento jurídico. Eu sou tão competente para dar assessoria jurídica quanto sou para fazer um bypass cardíaco e, acredite, você não vai querer me ver com um bisturi na mão. Assim sendo, vamos lá.
Aqui no Brasil, felizmente, um inventor não pode patentear apenas idéias. Para que tenha o direito de patentear algo, ele precisa, no mínimo, desse “algo”. Patentes como a famosa “one click shopping” da Amazon.com (que impedem que outras lojas americanas tenham o mesmo mecanismo), do algoritmo de compressão LZW (da Unisys, usado em arquivos .GIF, por exemplo) ou do “duplo clique em PDAs”, da Microsoft, não têm sustentação aqui no Brasil.
Não têm porque se referem apenas a idéias e processos.
Patentear idéias é ruim?
“Se todos tivessem entendido o jeito como patentes seriam concedidas na época em que a maioria das idéias atuais foram inventadas e as tivesse patenteado, a indústria estaria completamente paralisada… A solução é patentear tudo o que pudermos. No futuro, toda nova empresa sem nenhuma patente própria será obrigada a pagar qualquer preço que grandes empresas impuserem. Esse preço poderá ser alto. Empresas estabelecidas têm o interesse de eliminar futuros competidores.”
Bill Gates, memorando interno, 1991
O problema com patentear idéias que jamais serão usadas pelo seu inventor é que você nunca sabe quando você vai pisar em uma. Patentes de software são descritas como “minas terrestres para programadores”.
Patentes-submarino
O principal propósito militar de um submarino é o de cumprir suas missões sem ser detectado. Seus alvos não têm idéia de que ele estava lá até que estejam removendo escombros e apagando incêndios. Muitas vezes, patentes são usadas assim.
Imagine que você vive em um país que permite esse tipo de patente e que recebeu patentes sobre uns cinqüenta processos ou modelos de negócios diferentes. Podem até mesmo ser variações de coisas que já existem, como, por exemplo, uma forma de leilão em que a única coisa nova é o fato de você poder participar dele pela web. Tanto faz. Desde que o escritório de patentes local as tenha concedido, elas são, até prova em contrário, válidas.
Feito isso, você fica quieto e se finge de morto até que alguém resolva investir em um dos modelos de negócio (ou processos – pense em “one click shopping”) que você patenteou e comece a ganhar muito dinheiro com ele.
Nessa hora você chama advogados de patentes que fixem seus honorários em função das indenizações recebidas ou de acordos firmados e parte para a briga. Face à perspectiva de gastar muito mais dinheiro do que tem (os queixosos pedem cifras na casa de bilhões de dólares) em uma indenização ou em um processo para provar que a patente é ridícula e que nunca deveria ter sido concedida, a vítima vai propor um acordo. E para você, que nunca fez nada com suas idéias e sem investir um tostão sequer (além das custas de patentear algo), que nunca correu qualquer risco apostando nelas e que nem sabia se elas eram mesmo viáveis ou não, acaba de ficar com uma parte expressiva do faturamento da sua vítima.
O que incomodava Bill Gates em 1991 ainda incomoda. Uma empresa chamada Eolas, que nunca, jamais, lançou um único produto, tem uma patente que descreve, mais ou menos, como se coloca programas (controles ActiveX ou applets Java) em uma página web. Essa empresa está processando a Microsoft porque o Internet Explorer viola essa patente.
A Sun fez um acordo com a Kodak sobre patentes que a máquina virtual Java supostamente infringia. Essas tecnologias foram patenteadas pela Wang, uma empresa que foi comprada pela Kodak e, se eu entendi bem a história, são usadas desde sempre por quase tudo mundo.
Todos os fabricantes de câmeras digitais “pagam pedágio” para uma empresa chamada Forgent, que patenteou algo que o compressor J–PEG usa.
Patentes são usadas, hoje em dia, como uma forma de defesa contra processos por violação de patentes. Parece estranho, mas é muito parecido com a construção de imensos arsenais nucleares durante a Guerra Fria. Se você tem muitas patentes importantes, é quase certo que todos os seus competidores violem uma ou outra. Quando isso acontece, você assina um acordo de licenciamento cruzado com seus competidores, ganha acesso às patentes deles e eles ganham acesso às suas. É por isso que a AMD e Intel usam quase que à vontade as invenções de qualquer uma das duas – elas estão há tanto tempo violando as patentes uma da outra que já não se pode dizer ao certo (sem ajuda de um advogado, de um engenheiro e de um historiador) onde começam as patentes de uma e onde terminam as patentes da outra.
A coisa fica muito ruim (como Bill Gates resumiu tão bem) quando você é uma empresa pequena e ainda não patenteou nada importante. Paradoxalmente, quando patentes são usadas assim, elas prejudicam a capacidade de inovação do mercado, tornando arriscado lançar um novo produto. Com elas, a invenção de coisas novas só é possível dentro de grandes detentores de patentes.
A menos que você tenha morado pelos últimos 30 anos em uma caverna, sabe perfeitamente bem que grandes empresas dificilmente inventam coisas realmente revolucionárias.
Não tenho qualquer carinho especial pela Microsoft, pela Sun, pela Intel, AMD ou pelos fabricantes de câmeras digitais, mas eu acho que a coisa passou dos limites. Tudo o que não quero é correr o risco de pisar em uma patente dessas e acabar ficando sem um produto. Ou uma perna.
“Mas aqui não tem, né?”
Não, não tem. Mas há perigo. Existe pressão política para unificar os modelos de patentes como parte de vários acordos de comércio. Interesses econômicos também são um risco – se uma empresa espera ganhar, digamos, um bilhão de reais com suas patentes de software, faz todo o sentido do mundo ela “investir” menos dinheiro do que isso na campanha de políticos que sejam favoráveis a elas. Na verdade, eu estou usando incorretamente a palavra investir, já que não existe “investimento em campanha”. “Doações de campanha” chamam–se doações porque quem doa não espera nada em troca, então, a rigor, empresas que doam dinheiro para políticos não esperam nada em troca.
Outro grande risco são os conflitos que inevitavelmente vão surgir entre aqueles que têm poucas patentes (porque sempre foram rigorosos na avaliação de patentes) e aqueles que têm muitas (porque deixam patentear qualquer coisa, mesmo óbvia ou patentemente – desculpe, não resisti – imbecil).
Para nós, cidadãos, não há muito o que fazer além de espernear e fazer barulho. Ainda espero um político que se posicione claramente contra patentes de software para que ele ganhe meu voto. Ou ele foi muito discreto em sua campanha, ou ainda não apareceu.
O europeu do ano
Na linha “espernear”, podemos fazer algo, mas é bom que seja logo.
No ano passado, o Parlamento Europeu (eu sei que moro na América do Sul, mas não temos um Parlamento Sul–Americano, ao menos não um de verdade) rejeitou uma proposta que unificaria (do jeito errado, claro) os critérios de aprovação de patentes no continente. Com ela, patentes como “duplo clique em PDAs” seriam válidas.
Um dos candidatos ao prêmio de “Europeu do Ano”, um prêmio dado pela European Voice é Florian Müller. Florian é um desenvolvedor de software e está por trás de uma bem–sucedida campanha contra as patentes de software.
Florian concorre em duas categorias, Militante do Ano (Campaigner of the Year) e Europeu do Ano (Euopean of the Year). Infelizmente, o formulário de voto exige que se escolha candidatos em todas as categorias ou o voto não é computado. No site No Software Patents existem recomendações de candidatos para todas as categorias. No meu voto eu fiz uma pequena emenda e votei em Carlos Ghosn (CEO da Renault) como Empresário do Ano (Business Leader of the Year) pela vantagem marginal de ter nascido brasileiro.
Para votar, você deve dar um nome e e–mail verdadeiros, primeiro porque isso é sério e depois porque você vai precisar validar o seu voto clicando em um link que vai estar em uma mensagem enviada para o e–mail que você deu.
Vale a pena correr, porque os votos têm que ser dados até dia 11 de novembro desse ano. O trabalho de Florian é importante. Votando nele estaremos deixando claro que nós não queremos esse tipo de patente. Votar nele é deixar claro que não aprovamos o que grandes detentores de patentes nessa área tentam, constantemente, fazer. Se deixarmos suficientemente claro, pode ser que eles não queiram fazer isso por aqui. [Webinsider]
Ricardo Bánffy
Ricardo Bánffy (ricardo@dieblinkenlights.com) é engenheiro, desenvolvedor, palestrante e consultor.
3 respostas
Estou desenvolvendo um sftware para escola.
O que devo fazer para protege-lo.
Quais os passos que devo seguir e qto custa.
Que tipo de documentação é necessaria.
Vou tentar resumir de forma simplória e simplista como funcionam as coisas aqui no Brasil:
Existem 2 legislações: uma que trata de Propriedade Industrial e outra que trata de Propriedade Intelectual.
A primeira tem relação com Patentes e a segunda tem relação com Copyright / Direito Autoral.
A legislação brasileira permite que um software seja protegido apenas pelas leis de Direito Autoral, ou seja, *não* existe Patente de Software no Brasil. Existem algumas exceções em casos onde o software roda embarcado em um dispositivo eletrônico porque juiz não é inteligente o suficiente para separar o que é software e hardware nesses casos.
Um dos capítulos do acordo da Alca (que foi rejeitado) tratava da unificação dos modelos para regras sobre propriedade industrial (patentes) entre os países integrantes. As regras que prevaleceriam seriam as adotadas nos EUA que permitem que um software, processo ou idéia sem implementação seja patenteado.
Aqui no Brasil, portanto, você precisa registrar seu software quase da mesma forma que um autor registra um Livro.
O detentor do Copyright do software pode então licenciá-lo à seu critério. E neste quesito eu, como promotor do modelo do software livre, recomendo que você pondere a utilização desse modelo de licenciamento.
Sr. Ricardo Bánffy, tenho uma dúvida enquanto ao programa que eu desenvolvi, é o seguinte:
Criei junto ao departamento de T.I de uma grande empresa de comercio exterior um programa em Access que controla importações e exportações utilizando um sistema que o governo oferece, enfim.
Queria saber do Sr. se a empresa poderia patentear este tal programa sendo ele feito em ACCESS da Microsoft usando SQL como banco de dados, teria como isso acontecer, sabendo que o Microsoft ACCESS foi feito pra desenvolver software..
Desde já agradeço
Atenciosamente
Wellington Venturin