Há uma corrente muito forte defendendo que a disseminação da internet em sala de aula é a tábua de salvação para despertar o interesse dos alunos; além de ser um antídoto para o ultrapassado modelo de ensino brasileiro calcado em uma comunicação unilateral. São milhares de artigos, pesquisas e análises de especialistas, além de incontáveis teses de estudo. Apesar de bem intencionado – tal pensamento é pura utopia -, pois basta uma análise superficial no serviço de banda larga e no índice de alfabetismo praticados por aqui para colocar por terra tal discussão.
Milhares de acadêmicos e especialistas acusam o atual modelo de ensino de desinteressante, medíocre e enfadonho, por isso fracassado em não conseguir prender a atenção de um público dinâmico e hiperconectado. Hoje, a chamada “Geração Z” tem como maior característica o fato de estar o tempo todo plugada e informada em excesso. Esse grupo nasceu dentro de uma realidade volátil, efêmera e globalizada. Dada tal realidade, muitos especialistas acham que chegou a hora de pôr em prática uma “nova aula” capaz de conectar esse “novo aluno”.
O professor de História e pós-graduado em marketing de mídias sociais, de uma escola particular de Belo Horizonte (MG), Flávio Tomazzi, é um dos que defende mudanças urgentes. Segundo ele, o modelo do professor falando frente ao quadro negro com a turma em silêncio anotando precisa ser repensado. “Sinto muita dificuldade em me comunicar em sala com jovens hiperconectados com seus celulares, smartphones e tablets”, afirma. Ele defende a adoção, o quanto antes, de ferramentas interativas como redes e mídias sociais como forma de complementar o ensino.
Mesma opinião tem a pedagoga, Paty Fonte, autora do livro “Projetos Pedagógicos Dinâmicos: a paixão de educar e o desafio de inovar”, nele a questão tecnológica no aprendizado é tratada com muita propriedade. Segundo ela, o ensino tradicional baseado na transmissão e no acúmulo de informações não condiz com a sociedade da informação, globalizada e multimídia. “Os alunos de hoje anseiam pelo aprendizado que desafie seu conhecimento pela web. A internet facilita a motivação dos alunos, pela novidade e pelas possibilidades inesgotáveis de pesquisa que oferece”, defende no livro.
Exemplos em como integrar a internet às práticas pedagógicas não faltam, basta uma busca no Google para ter à disposição milhares de dicas e modelos bem sucedidos, embasados por todo tipo de especialistas. Para não nos alongarmos muito, fiquemos com o exemplo do grupo Universia, uma rede de cooperação universitária presente em todos os países Íberoamericanos e financiada pelo grupo Santander, que tem investido muito em pesquisa nessa área. É deles o interessante artigo: Guia prático com 25 dicas para integrar as mídias sociais em sala de aula.
O difícil é a prática
Não há como não aplaudir esse pensamento e torcer para que tais mudanças venham o quanto antes. O problema é sair da teoria e partir para a prática, ainda mais dentro da realidade educacional brasileira. Os exemplos de casos bem sucedidos de interação entre internet e sala de aula, mostrados pelos especialistas, quase na totalidade, são calcados em cima de modelos adotados nos países nórdicos e orientais como Noruega e Japão. Nesses locais, a educação é tratada com muito respeito e como prioridade máxima e a inclusão digital atinge a totalidade da população.
No Brasil, infelizmente, a educação nunca foi prioridade e a inclusão digital parece um ideal inalcançável. Para se ter uma ideia, o último levantamento do Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional (Inaf), do Instituto Paulo Montenegro, mostrou que apenas 26% da população brasileira de 15 a 64 anos é plenamente alfabetizada. Isso significa que três quartos da nossa população não seriam capazes de ler e compreender este texto. O último censo do IBGE apontou que somos 14 milhões de analfabetos, um índice pior que o do Zimbábue, país cujo PIB equivale a 5% do nosso. Além disso, há ainda os problemas crônicos da educação, sobretudo no ensino público, amplamente conhecidos como: baixos salários, falta de estrutura nas escolas, insegurança, falta de investimento na qualificação dos professores, dentre muitos outros.
Além do desalentador índice de alfabetismo, o acesso à internet é outro problema muito grave. Apesar do número de usuários de banda larga ter mais que dobrado em um ano, os resultados são ainda tímidos e medíocres. Segundo o estudo NetSpeed Report, do IBOPE Nielsen Online, o número de usuários ativos de conexões à internet de mais de 2 MB chegou a 16,8 milhões de pessoas, em junho de 2012. No mesmo período do ano passado, eles chegavam a oito milhões.
Tais fatores são suficientes para nos levar a crer que a tão sonhada disseminação da internet em sala de aula é ainda uma utopia, porém um ideal a ser perseguido. O professor e consultor pedagógico de EAD e um estudioso no uso das TICs em sala de aula de Campinas (SP), José Carlos Antônio, também está pessimista, principalmente, no que diz respeito à questão da banda larga no país, na opinião dele, esse serviço é estreito, ruim e caro. “Para que essa realidade se torne possível, todos os alunos deveriam possuir dispositivos que permitissem o acesso à internet e sabemos que a maioria das escolas sequer dispõe de redes wireless abertas. Essa é uma questão estrutural e não pedagógica”, comentou.
Segundo Antônio, graças à fracassada política de banda larga, o ensino brasileiro tem desperdiçado ótimas oportunidades para incrementar as aulas por meio da internet. Segundo ele, o modelo de ensino brasileiro é um modelo baseado na Revolução Industrial e já fracassou. É preciso desconstruir esse modelo e criar um novo baseado na sociedade do conhecimento e não mais em uma sociedade fabril. A tentativa de levar “inovações de práticas” sobre uma estrutura inadequada tem se mostrado ineficaz.
A professora da rede municipal de Linhares (ES), Fernanda Santos Ghidetti, tem a mesma opinião. Segundo ela, a negra realidade enfrentada em sala é muito diferente daquela colorida apresentada pelos teóricos. “Como falar em tecnologia da informação com alunos que chegam em sala famintos e drogados? Como aplicá-la em escolas que nem sequer possuem carteiras para todos os alunos?”, desabafou.
Segundo Fernanda, o contato dos seus alunos com a Tecnologia da Informação e Conteúdo (TIC) é mínimo, esparso e se resume ao Facebook e jogos. Outro fator apontado por ela é a falta de condições e preparo por parte dos professores para lidar com as TICs. “Hoje um professor tem que trabalhar três turnos praticamente ininterruptos por causa dos baixos salários, assim não sobra tempo para se qualificar e mal para preparar as aulas”, explicou.
Ela logicamente concorda que as TICs são ferramentas valiosas para o incremento do ensino e torce para que seja logo disseminada. “O problema é que a quase totalidade desses teóricos são pessoas que nunca entraram em sala de aula e pintam um quadro utópico, irreal e, por vezes, infantil sobre a disseminação da internet nas nossas escolas”, finalizou.
Não podemos negar que os benefícios oferecidos pelas TICs em sala de aula são inquestionáveis, tanto para os alunos como para os professores, mas implementá-lo dentro da atual realidade brasileira tem se mostrado uma utopia. Caso a questão não seja tratada com a seriedade e a importância devida pelos órgãos governamentais, o tema, como bem disse a professora da rede municipal de Linhares, servirá apenas para ilustrar teses ricas de conteúdo, mas vazias para serem aplicadas na prática. [Webinsider]
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Marcelo Rebelo
Marcelo Rebelo (@mrebelo71) é jornalista, relações públicas e pós-graduado em e-commerce. Integra a equipe da Viroze web/conteúdo.
2 respostas
Excelente artigo. Acredito que boa parte dos estudantes não tenham acesso a internet em sala de aula. Eu tive sorte, pois as escolas em que estudei possuíam laboratórios de informática, os chamados LIEDs (Laboratório de Informática Educativa), então, pude viver essa realidade. Eu penso que internet em sala de aula não é uma utopia, é apenas uma questão de investimento.
O texto retrata não só a realidade educacional do Brasil,mas sobretudo a realidade social na qual poucos têm acesso a todos os benefícios e muitos não têm o minímo para garantir saúde e educação de qualidade.