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Uma das coisas que ainda lamento, do meu início de adolescência, foi não ter persistido em estudar teoria musical, conhecimento este que me faz falta ainda hoje. Não obstante, eu consegui, de algum modo, assimilar com certa proficiência auditiva, os gêneros de música que mais se sintonizaram com os meus neurônios. E não é assim com tanta gente por aí?

A música, não importa de que forma ela transparece, é uma linguagem que qualquer povo entende, ou reconhece como arte. E na maioria dos casos, a influência cultural é inevitável, provavelmente porque o compositor que tenta algo novo tem no seu intelecto a herança de suas gerações passadas. É tão comum se notar a presença de um gênero ou ritmo no conteúdo de outro gênero.

No Brasil, por exemplo, o tango teve forte influência na música de Chiquinha Gonzaga e Ernesto Nazareth, precursores do choro. E bem antes do que se chamou de “samba” existiu o maxixe, fruto provável de gêneros europeus antigos.

W. C. Handy, a quem se credita ter escrito o primeiro blues, o clássico St. Louis Blues, afirma em sua autobiografia que o primeiro arranjo daquela música foi tocada na forma de um tango.

O “blues” per se não é tão diferente assim de outros gêneros musicais de outros países, cujo objetivo é colocar na pauta o sentimento de tristeza, os lamentos e os enfrentamentos pessoais dos seus compositores. Um exemplo típico, que eu vi muito nos clubes portugueses do bairro, é o fado, e a fadista aparece no palco com aquele xale preto no pescoço, antes de começar a cantar a choradeira.

A música não é muito diferente da ciência, quando é preciso que grupos isolados tenham começado a desenvolver algo novo, mas de forma incompleta. E um belo dia, quando a compleição finalmente acontece, surge um gênero musical distinto daqueles que o precederam.

Dave Brubeck pertence aos meus dias adolescentes de início como ouvinte da música jazzística. Na verdade, nem foi o primeiro tipo de jazz que eu ouvi: começou com Louis Armstrong, por influência do meu compadre trompetista, e daí pulou direto para o jazz moderno e para o hard bop. E, curiosamente, meu primeiro disco do quarteto de Dave Brubeck foi o então evolucionário “Time Out”. Quem diria? Somente muitos anos depois, eu vim saber que a obra de Brubeck não tinha começado por ali, mas sim que o disco Lp foi uma espécie de divisor de águas na obra deste artista.

Hoje se sabe que Time Out foi gravado para a Columbia como parte de um projeto onde Brubeck decidira alargar horizontes, e o teria feito inspirado por suas visitas como embaixador norte-americano de boa vizinhança em diversos países. É ele quem conta em depoimento para a TV, que ouvira na Turquia um grupo de músicos de rua tocando um tema tradicional em compasso 9/8, e então decidira que faria o mesmo, mas alternando compassos diversos. Assim, logo na primeira faixa do disco, “Blue Rondo a La Turk”, começa em 9/8, mas muda para 4/4.

Outras músicas do mesmo disco se alternam em compassos diferentes. E, sem dúvida, a mais emblemática delas, é a composta pelo saxofonista Paul Desmond, intitulada “Take Five”, em 5/4, fechando o lado A.

A vida toda de Dave Brubeck é pontuada pelo exame e, em alguns casos, incorporação de ritmos e gêneros alienígenas em quase todas as suas composições e arranjos para discos. Um bom documentário sobre o artista e seus pares, foi coproduzido pela BBC, e pode ser visto no Youtube, no seguinte link:

http://www.youtube.com/watch?v=DGjz2PhGgPg

Time Out foi o início de uma série de outros álbuns com o mesmo enfoque, e que foram chamados de “Time Signatures”. A sequência dos discos é a seguinte:

1 – Time Out, gravado em 1959 (o único disponível em SACD);

2 – Time Further Out: Miró Reflections, gravado em 1961;

3 – Time In Outer Space, gravado em 1962, com algumas faixas antológicas;

4 – Time Changes, gravado em 1963 (meu favorito), contendo um lado inteiro com orquestra sinfônica, na faixa “Elementals”;

5 – Time In, gravado em 1966, o menos conhecido, mas não menos brilhante deste lote.

A intromissão de novos compassos no jazz tocado até então provocou, na época, o antipático e reacionário comentário de que “isto não é jazz…”.

 Dave Brubeck nunca virou as costas para ninguém

É suficiente pesquisar a discografia do artista para perceber a inclusão desde o jazz tradicional até o jazz contemporâneo, sem exceções.

O seu principal quarteto, com o qual a série de “Signatures” foi feita, nos mostra músicos cuja individualidade nunca foi abafada, e a sensação que se tem ao ouvir a interpretação das músicas é a de que um não viveria sem o outro.

O som de Paul Desmond é inconfundível, e até hoje eu me pergunto como foi que ele conseguiu tal façanha. Joe Morello é o que se poderia considerar o complemento perfeito para os compassos exóticos executados pelo grupo. E Eugene Wright, o contrabaixo com o qual foi fincado o fundamento e o esteio do estilo criado pelo quarteto.

Dave Brubeck, com a sua ousadia de mudar, deixou marcas indeléveis no jazz moderno e na música de outros países, inclusive na bossa nova, cujo conteúdo foi alvo de campanha similar a daqueles que nunca entenderam a música do quarteto de Brubeck, e que acharam que “não era jazz”.

O jazz propriamente dito foi um dos gêneros que experimentou um grande número de transformações ou variações. Não se sabe ao certo como o jazz começou, mas parece claro ser fruto das adaptações musicais da música africana à cultura musical europeia. Considerado oficialmente como criação afro-americana, o jazz pode ter tido influência ou origem nas chamadas canções de trabalhos de escravos negros em solo americano, particularmente no sul do país. Em New Orleans, outrora parte de um protetorado francês anterior ao jazz, ouvia-se a execução de música europeia clássica como parte do cotidiano.

Muitos historiadores consideram como “jazz” a música tocada por Buddy Bolden, logo no início do século 20. Muito do que se considera “Blues” parece ter sido resultado dos spirituals (música sincrética negra de fundo religioso), das canções de trabalho e de outras formas de música de lamento dos negros. E do Blues surgiram outros gêneros e subgêneros, ao longo da primeira metade do século 20.

O jazz transformou-se em “bop” lá pela década de 1940, não sem protesto de inúmeros de seus músicos ancestrais, como Louis Armstrong. E depois ainda encontrou forças para mudar mais ainda com o chamado “hard bop”, lá pelo meio da década seguinte. O jazz moderno, na forma do que ficou conhecido como “cool jazz” ou jazz da costa oeste americana, foi marcantemente influente em outros países.

 O legado de Dave Brubeck

Noventa e um anos bem vividos é o que talvez se pudesse falar sobre Dave Brubeck. Como compositor, ele transformou conceitos e estabeleceu pontes com outras culturas, no formato do seu potencial musical criativo. E, já mais do meio para o fim de sua vida, fez o mesmo como compositor erudito e de música sacra.

Cinco de seus seis filhos seguiram e estão aí como músicos, arranjadores e compositores também. Brubeck ensinou música a muita gente e nos deu o grande exemplo que não se deve descartar a expressão musical competente do espírito de criação do ser humano.

Dave Brubeck nos deixou uma referência ao movimento da bossa nova e à sua integração com a música popular americana, em efeito no início da década de 1960. O seu álbum “Bossa Nova U.S.A.” foi lançado em 1962, e é um disco hoje em dia difícil de achar.

No que me concerne, considero “My Favorite Things” uma pequena obra-prima. Neste disco, aparece uma performance magnífica de Paul Desmond, na segunda faixa “Over And Over Again”.

É uma pena que muitos discos, de muitos artistas, se tornem indisponíveis ao longo do tempo, ou vítimas de preços extraordinariamente altos nos sites de lances. Em plena era de Internet e da banda larga, é um vexame não haver um repositório das gravadoras ou de seus prepostos, à disposição do público. Não o tendo, só mesmo com sorte é que se consegue alguma coisa de interessante, na coleção do fã ou entusiasta. Depois reclamam que música não vende! [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Oi, Tresse,

    O ensino de música não existe na formação de base do brasileiro. No meu entender, é uma das limitações mais estúpidas, das muitas que existem desde tempos de outrora.

    O áudio, como você disse muito corretamente, e a acústica são duas ciências que se beneficiam e muito da formação musical. Lá fora, os ditos engenheiros de gravação têm que conhecer música, ler pauta, etc.

    E concordo contigo que agora é tarde. Mas, pelo menos a gente pode fazer este comentário para aqueles que tem a vida inteira pela frente, se interessem por estes assuntos, e não cometam o mesmo erro.

  2. Paulo, meu pai tocava clarinete. Tentou ensinar-me, mas eu não quiz aprender. Hoje a maior lacuna que tenho profissionalmente é o desconhecimento quase total de Áudio. Agora é tarde.
    Abraços

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