Fui almoçar com um professor da Universidade Federal Fluminense.
Ele é um dos entusiastas do uso das redes sociais na UFF e está experimentando o Orkuff, projeto que utiliza o Icox, software livre para criação de redes sociais.
Pois bem, discutimos como foi o primeiro semestre, no qual ele abriu uma comunidade para que os alunos de sua turma administração participassem.
Professor – Nepô, os alunos não estão participando, preferem o Orkut.
Eu – Você alterou algo na sua disciplina para que eles participem?
Professor – Não, a estrutura é mais ou menos a mesma.
Nepô ? Talvez aí esteja o problema.
Saí pensando sobre o assunto e estou cada vez mais convencido que não adianta querermos implantar um novo paradigma de comunicação das redes sociais em estruturas hierárquicas e verticalizadas, como tradicionalmente é o caso de uma universidade.
No livro O Lado Oculto das Mudanças – A Verdadeira Inovação Requer Mudança de Percepções, de Luc de Brabandere, o autor diz uma verdade muito inquietante.
Primeiro, precisamos mudar a maneira como vemos o mundo para depois conseguir alterá-lo.
Assim, a prática de instalação do Icox, na UFF e em outros locais, tem demonstrado que não basta uma ferramenta Web 2.0 em uma escola ou empresa 1.0.
Ou se muda a empresa e a escola, construindo uma nova maneira de organizar a estrutura, ou os projetos Web 2.0 serão muito interessantes, bonitinhos, modernos, mas tendem ao fracasso.
Notem que o Orkut, por ser implantado na rede, aterrissou em cima de uma estrutura física inexistente, reunindo pessoas e criando uma nova forma de organização social, na qual o conteúdo vem de baixo para cima.
As pessoas passam a ter uma identidade, definem gostos e dizem com quem querem se relacionar.
Ao migrar esse conceito para estruturas reais, obviamente haverá uma falta de sintonia entre a organização na web e a que existe fora dela.
Uma coisa passa a não rimar com a outra. Claro que já existem empresas que trabalham mais em rede do que outras e essas terão mais facilidade, mas, de qualquer forma, a liberdade de participação nas pontas é um choque cultural gigantesco.
(A IBM, por exemplo, está vivendo um projeto desse tipo e acaba de lançar o Lotus Connections, que é apenas um Orkut para grandes empresas.)
Assim, projetos Web 2.0 não são tecnológicos, mas culturais, de gestão, que deve envolver uma reflexão de toda a organização e não apenas mais um projeto ?da galera da informática? ou ?da gestão do conhecimento?, ou ?do Recursos Humanos?.
Não basta instalar uma ferramenta.
No fundo, estamos diante de um impasse.
Uma nova geração está vendo como é bom e produtivo estar em um ambiente como o Orkut, mas a escola, a empresa e a própria sociedade não estão preparadas para essa nova realidade.
Agora é um problema de cabeça e não mais tecnológico, já que o Icox, por exemplo, está na rede e é de graça!
Diante disso, tenho tentado em outro projeto no curso de MBA em Gestão de Conhecimento Crie da UFRJ repensar a própria escola.
Neste semestre, os alunos fizeram como trabalho de final de curso o que seria a tal Escola 2.0. Podemos dizer que não sabemos exatamente o que será, mas já temos algumas pistas do que com certeza não pode mais ser, a saber:
- Por que uma turma que sai de uma disciplina não deixa nada para a nova que vai entrar e por que não continua acompanhando as novidades, caso queira, em um ambiente virtual?
- Por que os alunos não podem ler o trabalho dos outros alunos entregues hoje apenas para o professor, ampliando a responsabilidade do professor ao dar nota e do aluno ao publicá-lo?
- Por que os novos alunos não podem melhorar o trabalho dos ex-alunos?
- Por que todos os alunos e professores não podem ampliar os links, bibliografias, vídeos, áudios, num processo contínuo, criando algo como a ?disciplina que aprende?, durante e depois do curso?
- Por que disciplinas com o mesmo conteúdo em outras instituições não podem compartilhar o mesmo assunto, criando um anel de conhecimento multi-instituições?
Ou seja, como disse Pierre Lévy na sua entrevista, nessa visita recente ao país, em agosto de 2007, acredito que a web veio para mudar o mundo e construir uma nova sociedade.
Qualquer coisa diferente disso, infelizmente, ou felizmente, vai se mostrar capenga e não vai dar certo!
Se não é para mudar de fato, sugiro não se mexer com a Web 2.0. Vai ser gastar tempo e dinheiro e o tiro pode sair pela culatra! [Webinsider]
.
Carlos Nepomuceno
Carlos Nepomuceno: Entender para agir, capacitar para inovar! Pesquisa, conteúdo, capacitação, futuro, inovação, estratégia.
16 respostas
Sobre o comentário de
Roberto Blatt
Data: 25/08/2007 às 12:37 pm
Prezado Roberto,
permita-me pontuar a sua visão, da qual compartilho algumas preocupações também:
Você disse:
Não confundam projetos de materiais didáticos novos com revolução educacional.
Ao se implantar projetos colaborativos na escola, certamente não se trata de materiais didáticos.
Os novos meios de comunicação interativos estão aí e temos que tirar proveito deles em direção ao enriquecimento da humanidade.
Concordo que tem muita gente batizando picaretagem de EAD, como existem os que estão se esforçando para criar algo novo e rico.
… requer uma educação tradicional: leitura, escrita, um processo autoritário e anti-natural.
Acredito no poder da autoridade, mas ela está se deslocando em torno da figura única do professor para de um coletivo..de vários professores, inclusive, de alunos mais participativos, de ferramentas que ajudam a separar qualidade da quantidade.
A revolução cultural está em curso e a escola terá que aderir, ou cedo para poder influenciar. Ou tarde para comer o prato pronto.
Opto pela primeira alternativa.
O copy and paste é algo que não vai caber nessa escola do futuro, pois rapidamente a própria comunidade vai denunciar aquele que não contribui para o saber do todo.
Grato pela contribuição,
Nepomuceno.
Não confundam projetos de materiais didáticos novos com revolução educacional, por favor. E-learning só funciona para quem já tem uma educação formal estabelecida, do contrário não passa de economia de dinheiro público que certamente irá para contas no exterior.
Outra coisa: as Universidades têm muitos problemas, mas as sérias são baseadas na autoridade e na hierarquia sim, na autoridade da razão, do saber e da pesquisa científica, ora bolas. Obviamente estão sendo desmanteladas e, seguindo o ideal de infantilização da nossa época, transformadas em Colegiões.
Hierarquia e autoridade são preceitos usados na computação o tempo todo. Além, disso, a ferramenta não produz espírito humano e isso requer uma educação tradicional: leitura, escrita, um processo autoritário e anti-natural, ja que obviamente ninguem quer mais isso quando se pode escolher entre um livro e um game.
Outro dia pedi aos alunos no laboratório de informática uma pesquisa sobre Descartes. A Internet é uma enciclopédia gigantesca, correto? E o que recebi?
Ctrl C, Ctrl V.
Muito pertinente o tema do artigo e o debate em curso. Tenho uma experiência parecida com a da UFF: a ferramenta está pronta mas ainda não foi lançada pois estamos num processo de CRIAR UM NOVO MODELO E CULTURA para uso da ferramenta, e é um grande desafio!!!
Em 2000 fiz um estudo sobre comunidades virtuais em meu trabalho de graduação em Computação (Construtivismo Distribuído). As questões levantadas no artigo estavam presentes em minhas conclusões:
– o poder de compartilhar as memórias das atividades do grupo, decisões, discussões, e o produto final;
– conhecer a forma com as quais as pessoas se relacionam em grupo para formar conhecimento;
Criei um framework para apoiar o trabalho em grupo (estudantes se reúnem e desenvolvem seus trabalhos num ambiente via web).
Ampliei esses conhecimentos atuando em projetos de Comunidades Online e Gestão do Conhecimento, e tenho a convicção que a ferramenta é detalhe, o que importa é criar e adaptar os modelos de interação, poder e controle.
Abaixo, trago um link para um podcast que gravei num evento ano passado em Brasília com pessoas da Microsoft, Yahoo e UNESCO. Falamos sobre a cultura e postura necessária para criar um ambiente de aprendizagem na era da colaboração digital e da construção de conhecimento em grupos:
http://www.univix.br/podCast_detalhes.asp?Cod_Podcast=76
Sabe qual é o problema do orkuff mesmo?
Os usuários não querem ferramentas genéricas cheias de recursos que talvez nem use. Elas querem ferramentas seguimentadas e específicas para um tema e um propósito comum…
Outro motivo… orkut, MySpace e etc. são pioneiros e por isso ja fica na mente e na cultura das pessoas, o que vem depois disso é cópia de algo que ja esta sendo usado e possui um publico cativo.
Outro motivo do fracasso e a falta de inovação. Tente colocar algumas funcionalidades, que nem o orkut ou outro qualquer possua, e vc vai ver que isso irá atrair as pessoas.
Comentando
Sidney Benetti
Data: 18/08/2007 às 5:44 pm
A sociedade está pronta para ?receber? a web 2.0, mas será que estamos prontos para ?entregá-la??
Muito bom seu comentário. Acho que no texto poderia ficar melhor…A sociedade estruturada, empresas, escolas, etc está pronta para a web 2.0.
A comunidade da rede já mostrou que esse é o caminho.
Mas note que a uma diferença e uma dificuldade quando um Orkut entra em algo sem estruturas hierárquicas e quando entra em uma delas.
É preciso outra alternativa, o que você chamou entregá-la.
Grato por complementar e enriquecer,
abraços,
Nepomuceno.
PS- há um debate sobre o artigo também em: http://www.dicas-l.com.br/conhecimento_em_rede/conhecimento_em_rede_20070816.php
Parabéns pelo artigo. Concordo com suas idéias, discordo apenas da afirmação que a sociedade não está pronta para a web 2.0.
Não só a sociedade está pronta, como foi a sociedade que fez a web 2.0 (segundo a visão de que a web 2.0 não é uma nova tecnologia, é uma nova forma da uso da internet).
O problema maior é que a web 2.0, para dar resultados, tem que surgir naturalmente, não pode ser forçada. O orkut deu certo por que a sociedade quis que ele desse certo. Prova disso: o projeto nasceu de uma idéia pessoal, sem grades ambições comerciais ou tecnologicas.
E detalhe: deu certo no Brasil, por que veio de encontro com a nossa cultura. Eu alguns países o orkut é só mais um sitezinho de relacionamento.
Concluíndo, para criarmos algo realmente útil, precisamos esquecer um pouco a tecnologia e estudar o PÚBLICO. Temos que parar de pensar no que podemos oferecer e pensar no que os usuários querem que nós ofereçamos.
A sociedade está pronta para receber a web 2.0, mas será que estamos prontos para entregá-la?
Bom dia a todos. Essa é a minha primeira participação nos comentários deste site.
A minha opinião vai bem de encontro com o que muitos relataram: Choque cultural.
Hj, nas empresas vemos uma discrepância muito grande entre as idades dos Gerentes/Diretores e seus subordinados(Geração Web).
Aos poucos observamos que a geração web vem conseguindo espaço e ganhando posições de decisão.
Mas essas mudanças estão acontecendo num ritmo muito lento.
As emrpesas que abrirem os olhos, mais rápido, para essa situação observando o potencial de crescimento produtivo. Permanecerão no mercado.
É fato que empresas de pequeno porte nascem e engolem as grandes. Ok, tenho que concordar que estruturas mais simples tem um custo menor. Mas, a IBM continua firme e forte.
Em 05 anos, nós mesmos ou amigos e filhos trabalharão em empresas que nunca ouvimos falar, farão coisas que nem imaginamos. Fato este comprovado pelos inúmeros cursos existentes nas grades curriculares das faculdades.
As mudanças estão acontecendo e td gira na web.
Abraços.
Diego Aoki
Realmente, a questão passa pelo âmbito da cultura. Há uma série de empresas que desenvolvem projetos acreditando que as ferramentas darão conta da demanda por elas mesmas. Esquecem-se do fator humano, que permanece como essencial e deve ser considerado a priori.
Nesse sentido, um trabalho consistente de consultoria precisa atentar para o aculturamento de pessoas e processos com vistas à construção de uma nova maneira de organizar conhecimentos e gerar resultados a partir deles.
O deslumbre pelo ferramental não adianta.
Comentando o texto 5 do Daniel.
Cabe a nós acreditarmos que o quadro irá reverter-se e trabalharmos na criação de melhores e mais eficientes redes sociais, o sucesso delas é certo e está provado pelo próprio Orkut.
Sim, mas o mais importante é perceber que o projeto é basicamente de trabalho cultural educativo e não de tecnologia.
Isso já é um passo enorme para diminuir os riscos de fracasso.
abraços,
Nepomuceno.
A maioria das escolas, universidades e empresas ainda possuem a forma 1.0 se agir. Realmente não é um blog, comunidade ou software 2.0 que fará com que estas pessoas mudem de comportamento.
É preciso começar de baixo para cima e sem imposições, pois é assim que funciona hoje a Internet.
Também acho que é questão de tempo pois cultura não se cria de uma hora pra outra.
Mas como criar a cultura da disseminação do conhecimento se dentro da empresa não há ferramentas para isso?
A galinha não pode nascer se não houver um ovo. As pessoas não irão se aculturar com as redes sociais da empresa se essa não existir, obviamente.
Cabe a nós acreditarmos que o quadro irá reverter-se e trabalharmos na criação de melhores e mais eficientes redes sociais, o sucesso delas é certo e está provado pelo próprio Orkut.
Abraços a todos.
Raciocinem comigo…
A maioria dos projetos de e-learn implantados hoje tem como objetivo o atendimento em larga escala… um único professor, um único conteúdo, uma série de ferramentas tentando manter a interatividade… e uma escala de alunos cada vez maior…
Difícil mesmo é um projeto com revolução cultural e/ou social.
Alguns anos atras e-learn por exemplo era um absurdo, hoje já vem disputando espaço com as aulas presenciais, é tudo uma questão de tempo para as pessoas se adaptarem….
http://noticiasgenericas.blogspot.com/
É bem por aí mesmo! A Escola precisa se reinventar! Deixar de ser um espaço de ensino para ser um espaço de aprendiagens
A grande dificuldade é fazer com que a super-estrutura das instituições não impeça que pequenas contra-hegemonias locais (leia-se, tentativas isoladas de se fazer diferente a escola!) possam ocorrer…
As ferramentas, de um jeito ou de outro estão aí… Faltam as pessoas para construirem as novas práticas 🙂
[]s
A aplicação nas universidades e organizações não é favorável, devido a uma dinâmica baseada na hierarquia e no processo de retenção da informação como relevante para a manutenção da autoridade. Modelo de autoridade que está intriscico de diversas formas, desde o plano de carreiras, manutenção de cargos e salários e propriedade intelectual por exemplo.
Ou seja, inteligência coletiva, faz-se, quando indivíduos escolhem as plataformas que desejam utilizar (descentralização), com recursos que permitam a comunicação entre sí e integração com outras plataformas (agregação). Exemplo simples é a dinâmica dos blogs e rss feeds.
Talvez o problema seja devido ao ICOX. Pois não é o tipo de plataforma mais indicada para promover a inteligência coletiva. Foi desenvolvido confundindo web 2.0 com blogs, wikis e rss feeds. Quando na verdade a web 2.0 é mais sobre dinâmica de baixo para cima, descentralização, autonomia, etc. Os estudantes, evidente, não tem muito a ganhar utilizando uma plataforma destas. Mas no dia em que for pedida em algum concurso público, quem sabem não?