O jazz e a Tecnologia da Informação e Comunicação

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O professor Frank J. Barrett, em seu artigo “Creativity and Improvisation in Jazz and Organizations”, de 1998, afirma que existem fortes semelhanças entre o “jazzista” e o profissional de gestão: “… Ambos precisam encontrar novas respostas em sua área de atividade e ambos o fazem sem o benefício de um roteiro, nem certezas quanto à qualidade das soluções encontradas…”.

O artigo explica que o jazz se caracteriza por estruturas mínimas que permitem a máxima flexibilidade. Os músicos dominam conhecimentos que os habilitam a desenvolver sua música a partir de regras gerais. Isto é, embora haja muito improviso, este não é aleatório ou desconectado das estruturas básicas do jazz. Por analogia, podemos perceber que nas organizações essas estruturas são a missão, a visão, os valores e a cultura organizacional, que atuam como suporte para que os gestores improvisem e ainda assim se mantenham alinhados com as estratégias estabelecidas.

É cada vez mais notório que existe a premente necessidade de adaptação, por parte das empresas, às características e aos panoramas cada vez mais competitivos apresentados pelo mercado.

A necessidade de inovação e improvisação tem conquistado, de maneira significativa, um lugar relevante no processo de aprendizado e desenvolvimento organizacional, à medida que as características das “paisagens” em que se movem as organizações contemporâneas, vão adquirindo contornos que as obrigam a repensar os já estabelecidos modelos de gestão.

Neste quadro, o papel que a área de Tecnologia da Informação e Comunicação vem assumindo diante aos constantes desafios apresentados pelas organizações é fundamental para definir seu futuro.

Na zona de conforto?

Não é difícil estabelecer paralelos entre o “jazzista” e o profissional de gestão da Tecnologia, da Informação e da Comunicação. Percebe-se que ambos tendem a se apoiar em arranjos bem sucedidos no passado ou em repetir ações executadas anteriormente, que são comuns diante dos riscos que a inovação e o improviso representam.

No jazz, músicos que dominam as estruturas básicas correm o risco de permanecer na zona de conforto e repetir padrões conhecidos, ao invés de improvisar e inovar. Trata-se da armadilha da competência: especialmente em momentos de turbulência há uma tendência de recorrer às respostas habituais, gerando um obstáculo ao questionamento de suposições ou ao surgimento de uma nova perspectiva.

Neste último Fashion Business realizado no Rio, segundo dados divulgados pela Firjan: “…um quilo de algodão vale US$ 1,21, um quilo de tecido de algodão vale US$ 4,40 (3,6 vezes mais) e um quilo de roupa 100% algodão vale US$ 14,40 (12 vezes mais) e um quilo de moda praia de algodão (sem ser de grife famosa), sai por US$ 50 (21 vezes mais)…”.

Através da visão tradicional de uma linha de produção conseguimos entender o custo da matéria prima (um quilo de algodão), de todo o ciclo da cadeia produtiva até chegar ao produto final (um quilo de roupa) e o seu valor como produto. Isso é mensurável e passível de ser contabilizado, apresentando resultados no balanço, deixando satisfeitos e seguros todos os envolvidos no processo. A questão que fica é: como efetuar o “salto quântico” para o patamar do valor seguinte que é intangível? Como um CIO expressaria esta questão à assembléia de acionistas?
 
Recentemente foi publicado na Computerworld, em janeiro de 2008, um artigo com o título “Um em cada três projetos de TI não atinge objetivos, diz estudo da Tata Consultancy Services?. Neste artigo também está declarado como resultado da pesquisa que: “… 43% dos gestores de TI dizem que os gerentes e diretores de suas organizações aceitam problemas nos projetos da área como mal necessário”.

Certamente que esta cultura instaurada nos leva a imaginar que os gestores estão aptos a considerar o erro como fonte de aprendizagem. Outro detalhe que nos é possível considerar é que o custo do insucesso de um em cada três projetos de TIC é tangível e está sendo contabilizado no intervalo compreendido entre o custo da matéria prima e o custo do produto. Até quando? Sabemos que este é um momento de transição e também de conscientização.

Padrões culturais

Estimular o rompimento de padrões é uma tarefa importante, mas complexa, que acarreta inclusive a mudança de padrões culturais nas organizações.

Uma base de conhecimento muitas vezes não é só uma ponte segura, mas uma oportunidade, uma ponta de trampolim para se alcançar mergulhos mais profundos. Em um dos trechos do livro Fernão Capelo Gaivota o personagem relata que após o esforço despendido em romper com o tradicionalismo e uma prática persistente, descobriu que o mergulho a uma velocidade maior, de uma altura mais elevada, o levava a desfrutar de iguarias. Novos tipos de peixes, que só eram alcançados em mergulhos mais profundos.

Constatou também que as outras gaivotas não desfrutariam da saborosa iguaria, pois elas estavam cativas à sua zona de conforto e a repetir padrões conhecidos de mergulho.

O valor do ativo intangível

No final de 2007 através do evento patrocinado pelo BNDES e promovido pelo Centro de Referência em Inteligência Empresarial – CRIE da UFRJ, o banco apresentou uma metodologia que desenvolveu junto com a Coppe/UFRJ e que começará a medir a presença do ativo intangível nas empresas para as quais empresta.

O que se pretende é criar uma nota de classificação de risco baseada no peso do fator “inteligência” dentro das corporações. Este rating poderá beneficiar o cliente (micro, pequenas, médias e grandes empresas) na análise de crédito feita pelo banco, reduzindo o custo de capital. Nesta classificação entram práticas de governanças, práticas de gestão, processos e rotinas organizacionais eficientes, tecnologias de informação e comunicação, software, marca e patentes, entre outros.

Conforme informações colhidas na página do CRIE, verificamos que no início deste novo século, “…25% das exportações dos Estados Unidos foram de bens intangíveis como softwares, produtos da indústria do entretenimento (música, programas de televisão, filmes), consultoria e pagamento de royalties. Segundo o Institut for the Future, mesmo os bens tangíveis (aviões, computadores, etc) exportados pelos EUA são intensivos em conhecimento, fazendo com que, do total das exportações americanas nessa data, mais de 70% estivessem relacionados ao conhecimento e menos de 30% aos fatores tradicionais de produção (terra, mão-de-obra, energia e matéria prima). Cada vez mais, portanto, o componente intangível é o principal responsável pelo valor dos bens comercializados no mundo”.

Seguramente uma analogia interessante proposta pelo jazz é a capacidade dos integrantes de uma banda de alternar seus papéis entre fazer performances solo e apoiar os demais componentes.

De acordo com a música, cada um dos integrantes tem sua oportunidade de criar e improvisar, sendo o destaque naquele momento. Essa característica do jazz aumenta a motivação de cada um e estimula a inovação e o desejo de aproveitar sua oportunidade.

Em um modelo de gestão a substância intersticial não são os acordes, a harmonia ou a música, mas a informação, o conhecimento, a capacidade de comunicação e envolve a habilidade que qualquer organização tem em aprender e exercer as suas próprias capacidades de improvisar e inovar.

Ao passo que a Tecnologia da Informação e Comunicação e sua governabilidade se eleva ao patamar de ativo intangível, pode-se considerar, no mínimo, interessante o fato de citarmos o próprio Nicholas Carr (2003): “desde que permaneça protegida, a tecnologia proprietária pode ser a base de vantagens estratégicas de longo prazo, permitindo a empresa obter lucros superiores aos de rivais”, ou ainda “só ganha uma vantagem sobre os rivais aquele que tem ou faz algo que os outros não têm ou não fazem”. [Webinsider]

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Avatar de Jorge Castro

Jorge Castro (jorge.castro@globo.com) é professor e coach em Governança de Tecnologia da Informação e Comunicação.

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12 respostas

  1. Gostaria de não me pronunciar antes da hora para não influenciar as opiniões. Por isso, deixei que todos postassem seus comentários livremente.

    Só para elucidar um fato, o Balanced Scorecard (BSC) – Kaplan e Norton (1992), que trata do alinhamento da estratégia de negócio e seu desempenho tem sido amplamente estudado e aplicado até os dias atuais.

    Finalizando, ressaltamos que recebemos várias solicitações para publicação deste artigo. Entre elas, a da revista eletrônica semanal sobre tecnologia – TIC Mercado, já para a próxima edição (26.03). Esta revista é uma publicação da Odisseu Agência de Informação, sendo amplamente distribuída para deputados, senadores, autoridades brasileiras e empresas envolvidas com o setor de tecnologia.

    Agradeço a todos que fizeram seus comentários e contribuíram para evidenciar o foco da abordagem do artigo. O objetivo continua sendo atingido.

    Cordialmente,
    Jorge Castro

  2. Realmente a lingua portuguesa padece. Por favor, entendam o meu comentário. Eu disse que o artigo é oportunista, e não oportuno! FOI UMA CRÍTICA. Não gostei nem elogiei. Pelo contrário. O tema é batido e o artigo nao tem relevância, não agrega.

  3. Caro Jorge,
    Parabéns pela seleção do artigo.
    Fui músico quando nos tempos da faculdade e o tocar jazz era minha paixão.
    Realmente, no Jazz temos a linha base da harmonia da música que iremos cobrir com nossos improvisos, perfeitamente comparados em seu artigo.
    Mas, devo confessar que meus improvisos nunca foram desenvolvidos no momento da apresentação. Nós os estudávamos com antecedência em grupo e discutíamos como deveria ser e ensaiávamos muito, de forma a apresentá-lo com segurança e sem erros de execução. Frustrei os amantes do Jazz ? Então, perdão!
    Novamente parabéns e peço a gentileza de continuar a nos brindar com artigos tão bons quanto estes.

  4. Parabéns pelo artigo Jorge,

    O interessante é saber que embora o trabalho base para o seu artigo tenha sido escrito há dez anos ele ainda continua atualizado e reflete a mais pura e dura realidade da maior parte das organizações.

  5. Prezado Jorge, Amigos,
    Agradeço o convite à leitura, mas dessa vez passo.
    Alguém citou nos comentários que o artigo base do texto tem mais de 10 anos.
    Creio que já expirou o prazo de validade.
    Desejo-lhe sorte.
    Abraços
    Carlos.

  6. Fantástico o Artigo. Achei o paralelo entre a banda de Jazz e as corporações bastante apropriado. Ainda mais ao considerar que a profusão de boas práticas que vemos hoje no mercado de TI cria algumas situações em que a gestão fica restrita a seguir o que foi publicado. Parabéns pelo insight!!

  7. O texto é excelente… Essa ?ponte? entre Jazz e o mundo executivo é realmente muito feliz! Há pouco tempo fiz uma consultoria para a presidência e diretores de uma multinacional versando sobre teamwork.. e, na palestra de encerramento, contratei justamente um grupo de jazz que, além de tocar, destacou os pontos em comum entre a atividade gerencial e a música… em especial, o Jazz, justamente pelos atributos que você tão inteligentemente (como sempre!) destacou no seu artigo!

    Há uma outra coisa muito interessante nessa analogia entre música (popular, em especial, sem contudo se limitar a ela…) e o mundo empresarial: Uma das coisas que mais se treina num grupo musical (sendo ?obrigatório? no caso de bandas de Jazz) é que, quando um músico erra, todos os outros ?absorvem? o erro ? ou seja, alteram o que estariam tocando para ?errarem? junto ? de forma que o público (audiência) não perceba o erro… Fui músico (com empresário e tudo…) quando no final da minha fase teenager e esse era um dos exercícios que sempre fazíamos… (Combinávamos, a cada vez, qual músico iria errar ? sem nos dizer quando o faria… ?, cabendo aos demais identificar (sem nenhum gesto por parte de quem estava intencionalmente errando) e corrigir… É espetacular!

    No mundo executivo, numa equipe realmente ?afinada?, eventuais falhas de um dos membros da equipe devem ser imediatamente ?absorvidas? como um problema (desafio, melhor dizendo!) de toda a equipe, devendo cada um dar o máximo de si para que a ?audiência? (clientes, superiores hierárquicos, etc) sintam queda nos resultados do trabalho final… Isso é tremendamente verdadeiro, também, em atividades de T.I… em especial, em projetos… Implantação de ERP?s, por exemplo, esse entrosamento entre os clientes internos (áreas fins de negócio), a área de T.I. da empresa e os terceiros do fornecedor do sistema é fundamental para que, em vez de se ter sessões de fingerpointing a cada evento indesejado (de escopo ou de cronograma), todos se comprometam em buscar a melhor solução para o item em foco.

    Em resumo, e mais uma vez, ótimo artigo seu…!!!!

  8. Concordo com o comentário do Professor Renato.
    São dez anos e inúmeros artigos explorados na literatura sobre management. A banda tocando o seu jazz e 33% dos investimentos de projetos em TI são refugados por não atingir as expectativas dos contratantes. Quase metade dos gerentes e diretores aceitam esse fato como normal quando se trata de TI. Um outro dado da pesquisa é que 69% dos entrevistados responderam que a diretoria continuou a fornecer todo o suporte financeiro para estes projetos.
    O que caracteriza o oportunismo do artigo, e que considero de alta relevância, é que está evidenciado que as práticas de management (praticadas nos últimos anos, principalmente em TI) expõem as empresas a riscos e podem ocasionar impactos nos custos de capital através de juros mais elevados, ou até mesmo, a falta de financiamento. Estes riscos interferem significativamente em futuros investimentos das corporações. Quem investiria numa empresa em que parte de sua tecnologia está baseada em uma ?máquina? que refuga 33% de sua produção?
    Considero que o core deste artigo esteja na necessidade que TI tem em assumir definitivamente o seu papel como agregador de valor, gerador de ativos intangíveis, e deixar de ser somente mais um centro de custo na linha de produção (aliás, de baixíssima rentabilidade).
    Como se diz aqui em Minas, já está na hora de começar a perceber que o cliente necessita do furo, e não da furadeira!
    Jorge, parabéns pela abordagem aplicada no artigo e pela eficácia na prática do pensamento lateral.

    Kris

  9. O artigo é bastante interessante. Eu só acho que a palavra improviso (de fato utilizada no mundo do jazz para os solos criados na hora) pode ser mal interpretada. Eu entendo que o artigo chama de improviso a capacidade criativa do profissional de TI. E é bom lembrar um momento do artigo em que reforça que mesmo os grandes improvisadores de jazz só o são porque lançam mão de conhecimento prévio, experiência, estudos. Por isso são ótimos improvisadores. O profissional de TI em tempos de mudança constante deve ser munido de conhecimento, estar alinhado às boas práticas, beber das lições aprendidas, para potencializar sua capacidade em adaptar-se às mudanças. Muitos falam em gestão de demanda, que seria o Nirvana para todos nós de TI, não é mesmo ? Apesar de vários estudos sobre isso, gerenciar demandas ainda é algo bastante intangível e que nos desafia a todo o momento. Risco é outro problemão a ser gerenciado. E inovação está, sem dúvida, aliada à estas questões, mas quanto mais estruturada estiver a organização, mais controle ela terá sobre estes fantasmas. Jorge, parabéns.

  10. Artigo oportunista, sobre um tema batido e já explorado na literatura sobre management. Como o próprio autor cita, o artigo original é de 10 anos atrás, sem falar nos inumeros que vieram depois.

  11. Artigo muitissimo interessante, traçando um paralelo entre música e TI que até então eu nunca tinha lido ou sequer pensado.
    Este artigo nos faz refletir sobre o novo papel dos gestores em qualquer ramo de conhecimento, e em especial de TI.
    Nos dias de hoje, não só o conhecimento e a experiencia são valiosos, mas também a capacidade de improvisação e inovação, e este artigo retrata muito bem este novo paradigma.

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