Em mais uma noite na universidade, uma de minhas alunas muito naturalmente exclamou: “Nossa, professor, é muito estranho escrever”, ao comentar a dificuldade (física, não intelectual) em responder as questões de uma prova feita com uma caneta, aquele objeto ainda utilizado por algumas pessoas para escrever e necessário em algumas avaliações no meio acadêmico. (A propósito, devo dar o crédito pela frase para poder escrever o artigo, obrigado Clarissa Wagner.)
Este fato, e um vídeo sensacional que assisti da Kansas University, me fizeram tentar entender um pouco mais sobre como é o processo de aprendizagem (e, como professor, claro que também o processo de ensino) para estudantes que nasceram num mundo digital, considerando todo impacto comportamental e social que ferramentas online proveram a esta geração.
A relação professor-aluno, a clara imagem de um ser único provido do conhecimento através de anos de estudo e leitura e seu pupilo, carente de informações e de direcionais sobre como conhecer novos fatos e replicar fórmulas de sucesso pré-concebidas é algo que há muito já não mais existe.
Todos que nasceram sob um mundo com excesso de informação (information overflow, como cito) desenvolveram novas formas de lidar com todo o conteúdo que lhes é apresentado. Os 160 bilhões de Gb produzidos no último ano e os demais bits desde o ano em que estes meus alunos nasceram, obrigam-nos a absorver de forma superficial uma quantidade enorme de estímulos e a filtrar pequenos trechos do que é relevante e efetivamente entrega o conceito principal sobre o conteúdo, para que tenham tempo de serem impactados por outros e outros estímulos.
Em outras palavras, este é o conteúdo a ser passado:
“Ontem fui ao shopping para fazer compras de inverno, desci a escada rolante e, bem em frente àquela nova lanchonete de fast-food que abriu no segundo subsolo, olhei paro o lado e vi a atriz Fulana, que faz o papel de empregada doméstica na novela das 18h, comprando equipamentos de esqui, junto com aquele cantor Beltrano”
Este é o conteúdo absorvido:
“Vi a Fulana no shopping com Beltrano”
Olhando bem, a essência da informação foi colocada, mas uma grande quantidade de informação foi dispensada. O que ocorre é que nem sempre a informação dispensada é realmente dispensável, ou pior, nem sempre o conteúdo absorvido traduz o cerne da informação a ser transmitida, completa ou parcialmente.
Isto impacta, claro, na forma como a aprendizagem acontece nas escolas e universidades. E não adianta os mais puristas reclamarem, descabelarem-se e tentarem subjulgar ou penalizar nas salas de aula o comportamento replicado do dia-a-dia destes estudantes; a “geração e” nasceu, cresceu e aprende muito mais pela experimentação e vivência própria do que pelos relatos, experiências e cases de terceiros, sejam eles professores, autores ou o Michael Porter.
A falta de capacidade em aprofundar-se em qualquer tema que lhes é apresentado é refletida na baixa adesão à leitura da bibliografia apresentada. Em resumo, quem consegue ficar tanto tempo dedicado a um único conteúdo, enquanto é bombardeado constantemente por outros diversos?
Os livros são efetivamente usados pelos estudantes que querem, rapidamente, tornarem-se especialistas num determinado tema, usualmente porque está relacionado ao direcional de sua carreira ou a um forte interesse pessoal. Do contrário, não é relevante, click no cérebro e na atenção dispensada.
O aprendizado, desta forma, se dá bastante pela vivência e pela forte capacidade que tem de criar links entre as idéias, novas associações que normalmente envolvem vários assuntos diversos simultaneamente; por este motivo, uma disciplina não pode viver isolada de todas as demais ligadas à área de especialização, bem como a todo o mundo.
Minha disciplina – Comunicação Digital – tem relação e impacto direto em Planejamento, Mídia, CRM, e também pode influenciar Finanças, RH, Gestão de vendas bem como Teologia, Evolução das espécies e Economia doméstica. Nada mais vive isolado em diferentes tubos de laboratório. Toda informação irá impactar necessariamente uma área de conhecimento diversa e essa correlação é bastante clara para os graduandos.
A transmissão de conhecimento, portanto, será feita à medida que os alunos sentem-se desafiados a realizar coisas, a fazer o que lhes está sendo ensinado, sem que isto tenha um peso avaliativo. Quer dizer, fazer também trabalhos em sala “sem valer pra nota”, onde a execução é monitorada e continuamente revista, a fim de que aprendam fazendo.
Claro que a digitalização do conhecimento também trouxe um grande vilão para o desenvolvimento intelectual, a famosa combinação Control+C, Control+V, assunto para um próximo texto.
Finalizando, a idéia de aprender por experimentação não é (nada) nova; o que é relativamente novidade é o fator que catalisou esta prática. Como dizia o supra-citado vídeo da Kansas State University sobre a visão dos estudantes hoje:
“Se estas paredes pudessem falar, o que elas diriam? Se os estudantes aprendem o que fazem, o que eles estão fazendo sentados aqui?” [Webinsider]
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JC Rodrigues
JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.
13 respostas
Não ha nada melhor que o conheçimento,a grande arte do saber; a transformação de sonhos em realidades;a grande tranformação dos seres humanos…
Eu gostaria de estar fazendo uma pergunta,
Muitos professores não estão inseridos no mundo digital.quais os motivos desta exclusão e quais as medidas q. podem ser tomadas para evitar este problema.
Olá José Carlos, realmente o que você escreveu é real. O vídeo sensacional.
Este semestre estou com uma disciplina no curso de Pedagogia oficinas tecnológicas.
Onde tenho alunas que se identificam com as propostas e outras resistentes…a tudo não usam nem o computador….
Você tem alguma bibliografia para indicar sobre o assunto… Tecnologia em sala de aula…
Obrigada.
Francine, eu sou estudante, e o que você falou é fato. Não há interesse. Mas realmente é complicado ver o professor falar algo que está bem melhor explicitado na wikipedia.
Sinto dificuldade em pensar exatamente como o professor poderia realizar..experiências de vida..brincadeiras..atividades práticas..
não sei ao certo..mas gosto muito de dois modelos de educação, construtivista e educação problematizadora.
Talvez seja por aí o caminho..Talvez não..
Parabéns pelo artigo. Adoro esse tema!
Gostaria de compartilhar 3 aspectos, que achei interessante.
1)Se, segundo dizem, estamos na era da informação, será que o medo está na perda justamente desse poder informacional??
2)Daqui algum tempo só lembrarei mesmo é do título: Ambiente digital mudou o processo de aprendizagem
3)Antes de terminar esse comentário, já distribui para alguns amigos – que lidam indiretamente com formação juvenil – lerem tbm… viva o CTRL+C e CTRL+V!
Kaléu,
Concordo contigo que o professor deve ser um integrador hoje em dia. Estou me graduando para ser professora de Inglês e, o que posso perceber é que pela facilidade de encontrar informações, os alunos nem se preocupam em fazer anotações e muitas vezes, por isso, nem ao menos prestam atenção no que falamos.
É por isso que hoje em dia, não basta ser professor, tem que ser especialista em tecnologias, ator, palhaço, pós-graduado, mestre, doutor, viajado….e muitas outras coisas!
JC
Artigo maravilhoso. Estou promovendo o EducaCamp (http://educacamp.wordpress.com) para professores que discutem toda esta questão e veio em ótima hora.
Lá no Laboratório, também investigamos, de forma livre e permanente, como transmitir conhecimento on-line. Um projeto novo (só quatro meses no ar), mas que já anda criando suas raízes na rede.
abraço
Excelente artigo e praticamente que se resume o que acontece hoje em dia.
Entretanto, vale lembrar que, como qualquer informação existente no mundo, seja ele digital ou real, está livre para ser aprendida ou não. Ou seja, há muita informação, mas o que vale mais é o interesse em aprender, claro que óbvio. Mas, isso nos remete ao fato de que é necessário sempre filtrar.
Eu concordo com algumas colocações da professora Gláucia Roberta, mas o que eu acho é que os jovens de hoje, eu me incluo nesse mundo, que as pessoas tem preguiça de escrever. Velocidade em digitar as palavras leva a uma falta de paciência em escrever tudo de forma correta e de fácil entendimento. Então, o que os jovens estão fazendo é apenas utilizando a tecnologia para encurtar o caminho de algumas coisas.
Isso é minha opinião e minha vivência com algumas situaçãoes. Pode ser errada, pois as vezes as concepções, o que geralmente acontece, se diferem uma das outras.
Talvez o que exista seja uma fase de transição entre a escassez e o excesso de informação.
Estamos aprendendo a lidar com todos os estímulos e acerdito ser normal que nos sintamos perdidos no começo.
Acredito realmente que com o tempo aprenderemos como lidar com este novo cenário e esse número de pessoas que não conseguem compreender uma oração de três linhas inevitavelmente diminuirá..
inclusive por ação direta do mercado que Precisa dessa nova geração que consegue entender a dinãmica do Twitter, que compreendem a força de um Fórum ou wiki..
Oi Glaucia, concordo contigo nesta falta de capacidade de argumentação por parte dos alunos.
meu texto não trata, contudo, de minimizar a importância de conceitos teóricos para que a prática se desenvolva de forma adeqüada, mas sim de COMO estes conceitos são passados, quer dizer, absorve-se a teoria à medida em que se erra na prática (percebendo, então, a importância em entender o porquê de se fazer assim ou assado).
O como eles expressam (em papel ou notebook) as idéias que derivam desta absorção de conteúdo é outra história, também crítica, mas não tratada especificamente neste texto.
Primeiro, gostaria de parabenizar pelo artigo. Gostei muito da observação sobre como age essa nova sociedade.
Bem?
Hoje é muito fácil estudar, ouvir um professor falando sobre o que posso ler é muito antiprodutivo.
Tirar dúvidas?
O google, a Wikipedia e os fóruns já fazem isso.
Transmitir suas vivências?
Já temos muitos artigos, livros, vídeos, etc. Muito Obrigado.
Que papel resta então ao professor?
Porque não o ter como ?integrador? do conhecimento de seus alunos?..Porque não criar algo novo a partir desse conhecimento ao invés de repetir velhos trabalhos que realmente o pobre do aluno não tem alterativa a não ser copiar da wikipedia (Quem foi Tirandentes? por exemplo).
Com certeza José Carlos, compartilho da idéia de que tudo está integrado demais para queremos atuar sozinhos e considero que as melhores formas de interação estariam nas atividades em essência práticas como ?teatro?, ?esportes? e aonde eu acho que podemos encontrar uma grande oportunidade..Projetos Reais -> com foco em resolver algum problema na sua sociedade, criar um conteúdo novo..agregar conhecimento ao mundo.
Perdão pelo tamanho do comentário..ms obriagdo por terem chego até aqui.
Primeiro, gostaria de parabenizar pelo artigo. Gostei muito da observação sobre como age essa nova sociedade.
Bem…
Hoje é muito fácil estudar, ouvir um professor falando sobre o que posso ler é muito antiprodutivo.
Tirar dúvidas?
O google, a Wikipedia e os fóruns já fazem isso.
Transmitir suas vivências?
Já temos muitos artigos, livros, vídeos, etc. Muito Obrigado.
Que papel resta então ao professor?
Porque não o ter como integrador do conhecimento de seus alunos?..Porque não criar algo novo a partir desse conhecimento ao invés de repetir velhos trabalhos que realmente o pobre do aluno não tem alterativa a não ser copiar da wikipedia (Quem foi Tirandentes? por exemplo).
Com certeza José Carlos, compartilho da idéia de que tudo está integrado demais para queremos atuar sozinhos e considero que as melhores formas de interação estariam nas atividades em essência práticas como teatro, esportes e aonde eu acho que podemos encontrar uma grande oportunidade..Projetos Reais -> com foco em resolver algum problema na sua sociedade, criar um conteúdo novo..agregar conhecimento ao mundo.
Perdão pelo tamanho do comentário..ms obriagdo por terem chego até aqui.
Que a forma de aprendizagem mudou é fato, entretanto aprender apenas ou focado na experiência sempre leva a questão: como praticar e/ou experimentar algo que não se conhece? Sabe-se que toda tecnologia, práticas empresariais e inovações só têm condições de ocorrer após uma base fundamentada em conceitos, estes que não são absorvidos apenas na tentativa e erro. O que tenho percebido é uma geração que vive na tão chamada sociedade da informação se transformando em um grupo cada vez maior de jovens e adolescentes que não conseguem raciocinar o mínimo necessário para conseguir interpretar e associar um oração de três linhas. Será que o mercado está esperando e precisando destes que não conseguem somar um mínimo de informações necessárias para se escrever? (aqui a dificuldade de escrever não é apenas física e sim incapacidade de se colocar no papel, ou no notebook algumas linhas úteis sobre qualquer assunto que esteja ocorrendo mundialmente, ou seja, fora do mundinho que estão vivendo.