Quanto mais se puder digitalizar conteúdos, alguns bens – antes ‘produtos’ – passam a ser vistos como serviços sob demanda. Músicas, filmes, jogos eletrônicos, o mercado de entretenimento como um todo foi um dos mais impactados por esta nova ordem digital.
Da mesma maneira, por mais que se tente coibir o compartilhamento de conteúdos digitais, sempre haverá contornos tecnológicos ou sociais que impedirão o total controle sobre a distribuição destes conteúdos. Com isto, no futuro, o direito autoral em sua essência, antiga fonte direta de renda será, em pouco tempo, não o principal gerador de receita, mas complementar, onde a distribuição de conteúdo será utilizada para angariar consumidores de outros produtos e serviços que não possam ser facilmente compartilhados, de forma gratuita, em redes digitais.
Aliado a esta questão, ainda sob a ótica legal, está o fato de que não há a percepção, por parte das pessoas que compartilham bens digitais, da irregularidade do ato, ou melhor, ainda que cientes da contravenção, há um consenso de que tal atitude é justificada por questões sociais – como o alto preço destes bens, quando adquiridos legalmente, em muito ligados aos altos impostos incidentes sobre o preço final dos produtos – e a falta de ciência de quem seria prejudicado com isso.
Concomitantemente, a magistratura brasileira ainda não consegue enxergar e entender certas peculiaridades do meio digital, sobretudo da Internet, e tende a julgar os casos por analogia, incorrendo em excesso ou ausência de punição em função de cada ato ilícito.
Enquanto alguns lutam para repreender a livre distribuição de conteúdos, seja através de manobras jurídicas, tecnológicas ou de comunicação/conscientização – ganhando algumas batalhas, mas claramente, perdendo a guerra – outros tentam encontrar formas de se aproveitar deste meio ou, ao menos, sobreviver financeiramente alterando em partes seu modelo comercial.
A questão então não está em como cercear a possibilidade da troca de arquivos (conteúdos digitais), mas sim em como se adaptar a uma realidade irremediável.
O mercado fonográfico não reagiu a tempo; sucumbiu aos Napsters, Kazaas e Limewires da vida. O mercado áudio-visual, antevendo o mesmo destino, tratou de apurar-se em oferecer alternativas legítimas de consumo de seu conteúdo e, neste momento, transformou o conteúdo em serviço.
O serviço é entregar o conteúdo
Já havia argumentado que serviços como o Netflix e iTunes não vendem propriamente o conteúdo, mas sim o valor agregado de tê-lo facilmente disponível, em boa qualidade, com o áudio e legendas próprias, pagando, por isso, um valor acessível e, digamos, “justo”.
Tudo depende do valor percebido por este serviço versus o esforço em buscar a alternativa gratuita (e, usualmente, ilegal, embora isso possa não ser, neste julgamento, tão relevante).
Claro que podemos explorar a web para encontrarmos a versão completa daquele filme, fazer o download dos ~5Gb de dados e torcer para ele estar legendado; ou, caso não esteja, buscar entre arquivos .SRT a legenda do filme e sincronizá-los em algum outro software para, ufa, finalmente, tirar a pipoca do microondas e assistir com o laptop no colo (com cabo HDMI, Apple TV, etc).
E, neste momento, serviços de curadoria de conteúdo digital oferecidos a preços acessíveis (ou subsidiados por anúncios publicitários) ajudam a inibir a posse destes arquivos áudio-visuais à medida que tornam facilmente acessíveis (disponibilidade, usabilidade, qualidade) aquele conteúdo.
Posse dos conteúdos ou nuvem
No caso de músicas, a alternância entre “posse-descentralização” continua quando músicas em MP3 dão lugar a serviços online como o TuneIn, Pandora e Jango, entre outros; mesmo serviços on-demand, como a compra via iTunes, tem como benefício a transferência facilitada do arquivo entre todos seus dispositivos, do que a música em si. A questão sobre linearidade controlável e descoberta de novos conteúdos poderá ser tratada em um novo texto.
No caso de vídeos, serviços como Telecine Play, Netflix e Netmovies tratam de tornar disponíveis filmes recém-lançados. Neste caso, claro que podemos discutir sobre as janelas de lançamento (período de liberação) entre os diferentes meios, do cinema para serviços on-demand (aluguel pontual de um titulo), para TV a cabo, para serviços abertos (tipo Netflix), para TV aberta.
Todo esse ciclo pode levar até cinco anos, mas tem sido continuamente reduzido justamente para equilibrar o anseio da população e o combate antecipado da pirataria.
Se chegará o momento em que o conteúdo será gratuito e outras fontes de receita (licenciamento?) tentarão compensar esta perda, é discutível.
Parece estar claro, entretanto, que a facilidade de acesso a estes filmes e músicas, principalmente entre a parcela economicamente ativa da população, através de serviços de distribuição digital volta a atribuir valor ao comoditizado mundo dos conteúdos de entretenimento. [Webinsider]
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JC Rodrigues
JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.
Uma resposta
JC,
Sou consultor em propriedade intelectual (marcas, patentes, direito autoral, etc…) e compartilho a percepção de que deve haver uma adaptação, a internet não pode ser vista como um inimigo, até porque se for assim a guerra já está perdida para quem se opor à ela.
A internet é um organismo vivo, com milhões de células, a questão é que todas elas pensam, se uma descobre uma rota alternativa, um atalho que contorne um problema ou censura as outras rapidamente aprendem e compartilham essa solução, é o caso do Pirate Bay.
Não adianta bloquear o domínio, eles mudam para outro e em poucas horas todo mundo já está sabendo a nova URL.
Alguns artistas já entenderam e estão aprendendo (rapidamente) como usar a internet à seu favor, acredito que os grandes estúdios em breve começarão a fazer algo similar, afinal, não vamos esquecer a origem de Hollywood.
Pra quem não sabe, Hollywood foi criada por alguns cineastas que não queriam pagar royalties para Thomas Edison, que tinha a patente do “cinematógrafo”, a Califórnia tinha uma lei mais branda e todos foram pra lá, em resumo: Hollywood foi fundada por piratas!
Mas não se iluda, acho que quem cria algo deve ser remunerado, só penso que o modelo atual precisa de ajustes.
A internet tem disso desde sempre, por exemplo: conteúdo básico grátis, conteúdo premium é pago.
Let´s think!