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Fazer cinema de boa qualidade custa muito dinheiro. E exibi-lo também.

A produção de filmes com acabamento sofisticado começou a tomar corpo no início da década de 1950, diante da ameaça do avanço da televisão nos lares norte-americanos. A presença da fita magnética nos estúdios vinha progressivamente mostrando a sua utilidade como mídia de som de alta fidelidade. Isto porque, até então, o principal parâmetro para a gravação de áudio no cinema ficara restrito ao uso da chamada “banda ótica”, inclusive em múltiplos canais (Fantasia, Walt Disney, 1940).

O formato de som ótico em filme sempre se mostrou problemático. A alta concentração de prata nas cópias enviadas para os cinemas diminuía significativamente a relação sinal/ruído da banda ótica. Sem falar na resposta de frequência limitada. Uma vez eu ouvi do engenheiro de gravação Sylvio Rabello que era difícil gravar mais do que 8 kHz na banda ótica.

Não por mera coincidência, as primeiras tentativas de se separar a banda ótica mono em dois canais estereofônicos se mostraram frustradas, por causa do ruído. Tanto assim, que quando o formato Dolby Stereo foi desenvolvido, o laboratório Dolby só conseguiu fazê-lo convincentemente depois de introduzir no sistema o redutor de ruído Dolby A.

Os problemas de baixa relação sinal/ruído perduraram até a modificação recente da banda ótica para a sua composição com corantes: primeiro com magenta (“High Magenta”), depois com ciano. Para tal, também as cabeças leitoras dos projetores tiveram que ser modificadas. A tradicional lâmpada excitadora com filamento de tungstênio não tem espectro de emissão de luz adequado para a leitura da banda ótica com corante. As novas cabeças podem usar tanto emissor de raio laser quanto o LED vermelho.

Abaixo se pode ver uma cabeça leitora Kinoton, com tecnologia de varredura reversa pelo emprego de LED vermelho como emissor de luz e o conjunto lente-placa de captura do som analógico, ambos separados do digital:

image001

 

A passagem de som ótico para magnético nos filmes foi um passo importante para a melhoria da reprodução de áudio nos melhores cinemas. Mas, trouxe com ela alguns problemas técnicos e operacionais, não só no aspecto do custo de instalação, mas principalmente na manutenção das cabeças de leitura, passíveis de acúmulo de sujeira, na forma de óxido de ferro (que bloqueia a leitura e acarreta perda de alta frequência), ou então desalinhamento, com efeito parecido e distorção.

 Perspecta Sound

A Fox, principal proponente e propulsora do CinemaScope e do som estereofônico magnético na película, foi também a primeira a reconhecer os custos e as dificuldades das exibições, experimentadas com a constância de manutenção das cabeças magnéticas. Tanto assim que passou a distribuir cópias sem pistas magnéticas, com a volta da banda ótica tradicional. Eventualmente, distribuiu cópias híbridas, com as bandas ótica e magnética (“magoptical”).

Entretanto, isto não freou os outros estúdios de procurar soluções alternativas. Foi então que o lendário engenheiro de gravação Robert Fine, conhecido entre os audiófilos pelo seu pioneirismo nas gravações estereofônicas, introduziu em 1954 o formato Perspecta Sound, capaz de usar a banda ótica mono e transforma-la em som direcional, semelhante ao som estereofônico de três canais na tela, introduzidos pelo CinemaScope.

O Perspecta foi inicialmente adotado pela Paramount, como complemento para as produções VistaVision e pela M-G-M, nas cópias de filmes em CinemaScope. Abaixo se pode ver a captura dos créditos do filme “Silk Stockings” (no Brasil, “Meias De Seda”), onde o logo do formato é mostrado no canto inferior direito da tela:

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O Perpecta trabalha com três tons embebidos na trilha sonora monaural, nas frequências de 30 Hz, 35 Hz e 40 Hz, todos eles inaudíveis para a plateia. Uma vez o tom detectado por um integrador ele seria deslocado para a esquerda (30 Hz), para o centro (35 Hz) ou para a direita (40 Hz).

Uma demonstração do Perspecta de um colecionador pode ser reproduzida a seguir, caso o sistema de som ligado ao computador do usuário seja do tipo multicanal:

O colecionador que postou este vídeo fez primeiro uma decodificação, e a transportou para 3 canais frontais. O ouvinte mais atento irá perceber a principal falha do Perspecta: o som, apesar de deslocado para um lado ou para o outro continua Mono! O que implica em dizer que a mixagem de diálogo direcional não pode ser acompanhada da trilha sonora, ou ainda que esta última jamais terá separação orquestral entre os canais.

A propósito, uma quantidade significativa de filmes da M-G-M foram produzidos para exibição com som Perspecta. Em uma conversa com o Ivo Raposo, criador da réplica do Metro-Tijuca, ele me provou que todos os três cinemas Metro do Rio de Janeiro foram originalmente equipados tanto com Perspecta quanto com o som estereofônico magnético. Eu me lembro distintamente dos alto-falantes surround do Metro-Tijuca, mas dali só saía o som dos discos da Musidisc, tocados nos intervalos das sessões.

E, coerentemente com esta observação que me intriga até hoje, eu percebo que vários arquivistas vêm se dedicando à descoberta de cópias com som Perspecta em filmes da Metro, em CinemaSope ou em formato widescreen plano (1.75:1). E descobriu-se que estas cópias não eram distribuídas para os cinemas da época, em território americano. E aparentemente elas também não apareceram por aqui também. E a gente que nunca se deu conta de Perspecta ou som estereofônico nos cinemas Metro poderia presumir que isto seja verdade ou que os operadores preferiram ignorar esses formatos ou foram instruídos para tal pelas suas gerências.

Se hoje nós somos agraciados com as trilhas sonoras estereofônicas na mídia de vídeo, incluindo-se as últimas edições em DVD e Blu-Ray, isto se deve ao trabalho destes mesmos arquivistas, que recorreram às gravações originais do estúdio, tentando, na medida do possível, mixar o conteúdo o mais próximo possível do que se pretendia na época, sem contar, é claro, com a mixagem do som Perspecta.

Filmes Perspecta da Paramount seguiram pelo mesmo caminho. Eu, pelo menos, nunca vi qualquer filme feito em VistaVision nas nossas praias ser exibido com som direcional, era tudo mono mesmo. Quando da restauração de Vertigo (“Um corpo que cai”) de Alfred Hitchcock, os arquivistas se depararam com a gravação completa da trilha sonora em canais separados, e produziram dela uma trilha nova, em formato DTS 5.1, para película 70 mm.

 O legado que não perdurou

É uma pena que se tenha feito tanto esforço em vão. Várias trilhas sonoras estereofônicas de desenhos Tom & Jerry teriam sido encontradas nos arquivos que hoje pertencem a Ted Turner, mas que ficaram longe de serem apreciadas pelo colecionador doméstico. Se elas em algum momento vão ver a luz do dia, só mesmo consultando um oráculo. Algumas das mais recentes “restaurações” de curtas animados da M-G-M tem se mostrado desastrosas.

O Perspecta, como formato, teve vida muito curta, parando de ser usado em 1957. Eu tenho visto pela Internet alguns entusiastas afirmar que é possível se conseguir som Perpecta em casa, com a ajuda de um decodificador apropriado e trilhas encontradas em edições em mídia doméstica, filmes como “O Planeta Proibido” ou “A Fortaleza Escondida”. O ideal seria que os estúdios preparassem uma trilha em disco separada, com a mixagem Perspecta original, a bem da curiosidade, da apreciação ou do estudo das mesmas.

Para mim, o Perspecta como formato já nasceu morto. Na época não se tinha banda ótica com um mínimo de qualidade que ele exigiria, sem falar na mixagem desajeitada, e sem termo de comparação com o som estereofônico magnético, tão competentemente usado no CinemaScope e melhor ainda nas apresentações de filmes em 70 mm.

Quanto à banda ótica estereofônica, ela só foi de fato introduzida com uma certa qualidade no advento do Dolby Stereo, em 1975. Mas, anos se passaram e os cinemas custaram a adotar o novo formato. Em minha opinião, o som estereofônico magnético sempre foi notoriamente superior ao Dolby Stereo daquela época. Tanto assim que a própria Dolby substituiu o Dolby Stereo antigo pelo Dolby Spectral Recording (Dolby SR) e dali para o Dolby Digital, que usa uma trilha ótica em separado. Os filmes em película 35 mm exibidos hoje nos cinemas contêm estas duas trilhas.

Muito do que se faz hoje em trilhas sonoras é fruto da evolução positiva natural da mentalidade dos engenheiros de mixagem. Os antigos, como Hazard Reeves, estavam em número desfavorável, em relação ao conservadorismo daquela época.

A partir de um dado momento, este conservadorismo absurdo só encontrou paralelo nos filmes de Woody Allen, que insiste até hoje no som mono, até encarcerado em trilhas de 5.1 canais modernas.

O som estereofônico foi componente importante na valorização das trilhas sonoras do passado, que tanto enriqueceram os filmes dos quais fizeram parte, e que nos proporcionaram enorme prazer na apreciação dos melhores espetáculos das boas salas de cinema! [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Tresse, de longa data eu escrevo sem incentivo ou com objetivo de orientar a quem estuda. A minha meta é resgatar memória sempre que possível, e em o fazendo tentar discutir os formatos.

    Entendo, salvo melhor juízo, que assuntos como esse deveriam constar de qualquer currículo decente sobre cinema e/ou áudio. Quando eu estudei cinema não se falava uma palavra sobre áudio, talvez por falta de professores especializados nisso. Então que tive que me virar sozinho, por conta do hobby.

    Eu não faço a mínima ideia se eles constam de algum curso, universitário ou não. Se algum leitor souber, por favor informe!

  2. Paulo, o áudio não sossega e não nos deixa em paz, mas sem ele não existiria imagens em movimento. Na TV, se eu conheço o programa/evento/história entendo sem o vídeo, mas sem o áudio é impossível. Tenho uma experiência prática sobre isso. Uma Senhora de Campo Grande seguiu uma novela só tendo Áudio. Foi gratificante para mim. Não pare de escrever. As novas gerações agradecerão.

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