O pai de um amigo, sujeito muito respeitável, gastava 15 minutos engraxando seus sapatos italianos todos os dias. Ele achava essa tarefa muito degradante para uma de suas empregadas domésticas.
A filha de Lord Grantham casou com o motorista. O pai aceitou mas continua tratando o genro como se fosse seu empregado.
Uma babá muito competente trabalha para uma glamorosa editora de moda. Seu facebook tem as mesmas referências que a patroa.
No filme Grande Illusion de Jean Renoir, Erich von Stroheim interpreta um nobre oficial que dirige o campo em que está preso um também oficial nobre francês. O filme é de 1937 e se passa durante a primeira guerra mundial. O comandante do campo trata os franceses com decoro ético admirável mas diz ao seu preso de sangue azul: “nós somos os últimos sobreviventes de uma polidez moribunda”.
O mundo muda todos os dias há milhões de anos mas existem momentos, marcos, grandes inflexões. São os pulsos que marcam o espírito do tempo.
A relação que sempre tivemos com nossos empregados, desde a Casa Grande e a Senzala, é uma bagunça que mistura trabalho com afeto. Essa é a primeira constatação. A segunda é que o empregado doméstico ou, por extensão, o empregado “subqualificado”, não gera lucro para o patrão. Por isso, por conta da promiscuidade da relação – família? empregado? – e porque não se pode propriamente falar em exploração de mão de obra – na acepção da expressão marxista – convivemos com duas realidades distintas, no Brasil.
Imaginemos uma empresa supermoderna, agressiva, expansiva, com sistemas de remuneração avançados, numa atividade de ponta. Agora, vamos simular uma situação: no mesmo dia, duas pessoas são demitidas da empresa. O analista formado em boas escolas, ligado nas paradas mais modernas e a copeira carinhosa que todo mundo adora. Dois tipos de comentários vão aparecer na empresa quando a notícia se espalhar: 1) “aquele rapaz, que pena que saiu, mas são coisas da vida” 2) “a Cidinha, não é possível gente, que sacanagem!”
Por que? Porque o país está vivendo simultaneamente em dois regimes: capitalismo e servilismo. Porque vivemos simultaneamente, ainda, numa sociedade racional de um lado e patriarcal de outro.
Mas no dia em que a doméstica se negar a lavar suas cuecas, no dia em que a recepcionista fizer cara feia se tiver que servir café, no dia em que você tiver que desentupir o banheiro, no dia que você tiver que servir café para os clientes, o mundo mudou. [Webinsider]
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