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Prestes a completar 20 anos de existência, o modelo de TV por assinatura no Brasil mostra sinais de senilidade precoce. Quase todos os seus defeitos são congênitos, baseados na má formação original do modelo. O que começou como uma opção de entretenimento de elite no começo dos anos 90 chega ao fim da primeira década do século 21 como um punhado de ações de marketing cansadas, viciadas e muito mal-intencionadas.

Para piorar, esse filhote monstrengo da televisão brasileira sugou nesse período praticamente tudo que havia de bom na antiga TV aberta, deixando para trás um território irritante e sem lei, onde pontificam tele-igrejas e tele-vendas (ou vice-versa), planícies jurássicas onde habitam as Hebes, os Gugus e congêneres. E, surpreendentemente, onde ainda reside a mais rica plataforma publicitária do país.

Como um assinante pioneiro de TV paga (minha família comprou um dos primeiros pacotes da Globosat, no extinto sistema Multicanal), eu lamento não ter tido a presença de espírito de registrar essa evolução desde os primórdios. Conto principalmente com a memória, como consumidor e como jornalista.

Como consumidor, pude acompanhar como um modelo original que beirava o utópico foi sofrendo mutações, sempre para pior. Reza a lenda que a TV paga brasileira surgiu a partir de uma sacada de José Bonifácio Sobrinho, o Boni.

O velho mestre da Globo, muito familiarizado com a TV a cabo dos EUA, teria imaginado um sistema de canais complementares à própria Globo, divididos por temas: um canal de documentários, um de jornalismo, um de espetáculos e variedades, um de esportes e um de filmes. Essa ideia deu origem ao GNT, GloboNews, Multishow, SporTV e Telecine, em suas versões originais.

Segundo minha memória de consumidor, eram canais realmente extraordinários: uma programação excepcional, inédita, exclusiva, sem breaks comerciais, sem a gritaria do varejo da TV aberta.

Enfim, um produto interessante o bastante para atrair o espectador comum de 20 anos atrás para a exótica ideia de “pagar para assistir televisão”. Era um produto declaradamente de elite, nunca foi barato esse acesso. Aí se repetia a história do lançamento da TV por Chateaubriand nos anos 50 — só os ricos podiam comprar os caríssimos televisores RCA.

Para complementar essa oferta de canais brasileiros, os pacotes iniciais tinham um número surpreendente de canais, a maioria deles estrangeiros sem qualquer adaptação para o público local — nada de legendas, dublagens, etc. Havia uma série de canais latinos, europeus, asiáticos, árabes. Uma variedade cultural que foi varrida sem cerimônia, em muitos casos de forma abrupta. A Multicanal deixou de exibir uma dúzia de canais da rede Televisa de um dia para outro. Eram canais cafonas e de baixa qualidade, mas eram interessantes por isso mesmo. Outros sumiram porque eram caros — em particular os canais europeus de programação cultural mais sofisticada.

Em meados da década de 90, ouvi de um executivo do setor durante um seminário que a TV paga “jamais” deveria fazer concessões às classes C e D. Com isso ele queria se referir ao preço das assinaturas, e não ao conteúdo.  Quer dizer, o preço se manteria sempre alto (não é coisa pra pobre), enquanto a empresa faria o possível para reduzir os custos de programação, e buscando parcerias comerciais que eram território exclusivo da TV aberta (a “gratuita”).

Usando a desculpa das sucessivas crises econômicas dos anos 90, as operadoras foram enfraquecendo seu conteúdo.

Os melhores programas custavam (custam) caro — os nacionais exigem grandes investimentos, e os internacionais são cotados em dólares ou euros. É verdade que os contratos em dólar com as fornecedoras de conteúdo deixaram a maioria das empresas brasileiras no vermelho no fim do século. Também é verdade que para sanear suas contas, essas empresas abandonaram qualquer pretensão de oferecer uma programação de qualidade, cancelaram todos os contratos que davam prejuízos e substituíram praticamente toda a programação por uma tapeação marketeira, baseada em consultorias e estatísticas.

Um processo que tornou a TV paga um grande “Domingo Legal”: um conteúdo raso e pasteurizado, mas com nariz empinado de produto de luxo. Filmes dublados e reprisados à exaustão são o principal prato dos canais hoje. Dezenas de canais exibindo horas seguidas de informerciais e leilões de jóias.

Ao mesmo tempo, os poucos assinantes da TV paga foram vendidos ao mercado publicitário como “público AAA altamente qualificado, formadores de opinião com alto poder aquisitivo”  — justamente porque são poucos e pagam caro por esse serviço. E esse foi o golpe fatal, que tornou os canais pagos a plataforma ideal para lançamentos de produtos de luxo e um laboratório para as mais ultrajantes ações de marketing. O GNT e o Multishow são exemplos dessa ideia, com muitos “programas” que de fato são anúncios disfarçados.

É claro que a internet despencou como um maremoto sobre tudo isso. O co-fundador do YouTube, Chad Hurley, disse em uma recente passagem por São Paulo que a Internet vai arrasar o modelo atual de televisão. É muito provável, a começar por esses sistemas de TV paga.

E a resistência elitista das operadoras em criar pacotes populares deu no que tinha que dar: uma pirataria incontrolável de sinais, analógicos ou digitais. É ingenuidade das empresas supor que um decodificador será a prova de pirataria, quando os próprios técnicos que instalam esses equipamentos não ganham o bastante para pagar por uma assinatura “oficial”.

E hoje, depois de duas décadas de atuação, a TV paga não atinge 7 milhões de assinantes no Brasil. Um número ridículo em qualquer aspecto. Basta comparar com o crescimento do número de assinantes de internet em banda larga, que chegou a mais de 30 milhões em menos da metade do tempo.

Como será o mercado para essas empresas na próxima década?

Novos players estão entrando, em particular as empresas de telefonia. A internet já permite criar uma programação em alta-definição, com liberdade de horário (mesmo num país sem TiVo).

A nova geração tem um relacionamento muito menos passivo com os entretenimentos eletrônicos, e prefere usar aparelhos que cabem na palma da mão.

Vamos examinar possíveis cenários do setor no próximo artigo. [Webinsider]

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Avatar de Sergio Kulpas

Sergio Kulpas (sergiokulpas@gmail.com) é jornalista e escritor.

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27 respostas

  1. Na verdade o brasileiro quis copiar os Americanos, nada mais natural pois somos um povo que gosta muito de novidades e etc.

    Entretanto qdo tentamos copiar a America Do Norte os tupiniquins nao emplacam tao bem.

    Os programas dominicais projetam conteudo de internet e os Domingos viraram um belo dia pra sair.

    Precisamos melhorar !!! Mas tudo que se ve na tv e reflexo da propria sociedade.

  2. E qual a solução para isso? Estou passando por um problema:Tenho SKY há 10 anos. Atualmente alguns canais não estão chegando e eles dizem que eu tenho que pagar 140 reais para mandar um tecnico na minha casa para consertar esse problema. Se é transmissão, não creio que o problema seja interno e sim uma forma de retirar dinheiro do cliente.

  3. Em relação ao que o Rafael disse, antigamente a TV a cabo era muito mais barata do que hoje. Eu assinava a extinta multicanal desde 1996. Naquela época, para ter o pacote completo eu pagava míseros R$ 78,00 (Em 98 ou 2000 a HBO saiu do pacote e vieram outros canais como MGM, etc…) Hoje, para ter todos os canais, desembolsarei por volta de quase R$ 170,00.

  4. Assinei a tv paga durante um ano apenas, e foi o suficiente para cancelar o serviço.

    Joguei fora todos os aparelho de tv que eu tinha em casa, comprei um bom notebook, hoje acesso o conteúdo que eu quero, na hora que quero.

    E sim, eu baixo LOST por exemplo, poucas horas depois do episódio sair nos Estados Unidos.

    A Tv paga no Brasil é um dinossauro.

  5. É cômico ver programas de TV terem como grande atrativos vídeos da internet. A prova indiscutível da superioridade da net isso só em termos de distração, sem falar nas outras funções que só a web possui.

  6. As operadoras de TV à cabo, desde que chegaram ao país, deixaram claro seu objetivo de explorar os assinantes. Por incompetência para coibir a pirataria, cobram preços extorsivos daqueles dispostos a contratá-los. A direção destas empresas não consegue esconder seu despreparo para trabalhar na área de Comunicações, fornecem pacotes mal dimensionados com canais que ninguém quer assistir. Na falta de interesse dos anunciantes criam peças irritantes com locutores estrangeiros tentando falar português ou locutores locais tentando pronunciar o nome original dos programas, exageram nos comerciais muitas vezes mais que as TVs abertas! Estavam acomodados neste relacionamento ganha x perde até que algum abençoado político nacionalista resolveu propor um projeto de abrasileiramento da programação. Um projeto que certamente teria ficado no fundo das gavetas caso estas operadoras tivessem um histórico de respeito aos seus clientes.
    Agora eles precisam da ajuda destes telespectadores/cidadãos.
    Assistimos nos intervalos da programação (paga pelo assinante) um homem de voz embargada que clama pela ajuda dos assinantes para proteger os interesses destas empresas, pede para esta legião de fregueses abusados que venham em defesa da sua liberdade de continuar abusando dos trouxas.
    Bem feito! é bom ver alguma perturbação para estes senhores responsáveis por transformar o pouco tempo que temos de lazer em um inferno. Eskavurska pra vcs também!

  7. Parabéns amigo; continua batendo, esses parazitas
    não pensam em divresam,cultura ou coisa parecida
    eles só têm uma coisa ma cabeça $$$$$$$$$.

  8. Existem verdades que dão um imenso prazer quando são expostas!

    Você acertou, na minha opinião, em absolutamente tudo.

    Primeiro o GNT é canal da PUTARIA, que agora passa mulheres nuas nas vinhetas.

    e assistir LEgamente Loira até a TV ficar com Image Persistence…

  9. Excelente artigo, Sergio Kulpas! Realmente perspicaz na percepção dos erros do sistema de tv por assinatura no que tange à programação. Porém, penso que o motivo fundamental para o insucesso do sistema em nosso país, foi a opção de investimento tecnológico em detrimento da oferta de programação. Explico: não atendendo às recomendações da legislação da TV a Cabo, que orientava os empresários para a construção de uma rede única a ser compartilhada, ou seja, com olho nas futuras possibilidades de comercialização (triple play etc…) destas redes, o segmento acabou por se descapitalizar, caindo na armadilha (segundo erro) do custo elevado de assiantura, com foco na dita audiencia qualificada da classe A/B. Hoje vemos o absurdo de ruas, ou melhor, quarteirões,onde moram 500 famílias, por exemplo, e na qual estão instaladas 2 ou 3 redes de operadoras diferentes e que ,no entanto , não tem sequer 50 assinantes. Não há sistema que aguente. Não há como fazer investimento em conteúdo. E o que é pior, é a visão que persiste, como você relata, de não se fazer concessões para as classes C e D. Se a infraestura está instalada, porque não ganhar com a quantidade, ainda que com assinatura com valor mais baixo? Se a intenção também continuar sendo a de criar reserva de valor, o segmento está perdido, porque a internet e os aplicativos de mobilidade da Tv digital (celular como receptor) vão destruir este mercado. Prá quem se interessa pelo tema, vale a leitura, na página do Conselho de Comunicação Social (link do site do Senado Federal), do estudo : diagnóstico do Mercado de TVs por assinatura – 2006, capitaneado pelo saudoso jornalista Daniel Herz.

  10. Muito bom texto, Sérgio. Perfeito. Que acabe este modelo e que venham substitutos. Algumas coisas me irritam profundamente:

    – ver uma propaganda na Net pedindo para assinar a Net. Oras, se eu já tenho Net, pq assinaria a Net de novo?
    – a extrema repetição de filmes. Às vezes me parece que eles compram dois filmes por mês e repetem ad infinitum
    – a escalada das propagandas idênticas. Se você assistir uma hora que qualquer canal a cabo, verá por volta de apenas três ou quatro propagandas, repetidas também ad infinitum. Por vezes elas passam duas vezes no mesmo intervalo.

    Depois não sabem pq todo mundo fica mais na internet que na Net… ehehe

    Vamos à parte 2.

    abs

  11. Olá Sergio, gostei muito de sua matéria. Nâo sou usuário há tanto tempo como você e outro colegas, mas é claro que observo canais diversos de vendas e propagandas e outros como algo que incomoda.

    Seria bom se fosse possível contatar a operadora e dizer, por favor remova de meu sinal, o canal A, B, C e assim sucessivamente, pois tem coisas que eu não gostaria nem de ver. O aparelho faz isso hoje, mas não é como selecionar determinados canais que muitas vezes somente repetem coisas e documentários, sem contar nos filmes.

    Atualmente utilizo o serviço da SKY, considero-o melhor que a NET, aqui em SP, ainda mais pelo serviço HTDTV e recursos do aparelho e gravação de alguma coisa via web, mas observei que mesmo a SKY tem dificuldades N de lidar com pedidos, sugestões do cliente, pois já fiz sugestões, já comentei sobre prblemas e até agora nada.

    Exemplo disso é os filmes que as vezes vem dublado e com legenda, você escolhe para remover a legenda e a mesma pernamece … entre outros.

    No caso de canais americanos, que não tem custo, como é o caso do canal BYUTV Internacional, que dá informações detalhadas de como a operadora pode retransmitir o sinal sem custo… o que impede uma operadora como SKY de fazer isto?

    Há algum custo muito grande por trás disso tudo nos bastidores que não vemos?

    * Veja o que este canal informa sobre retransmitir o sinal.
    http://www.byutvint.org/Portugues/getbyutvi

    Grato.
    Márcio Dantas

  12. Olá Sergio, gostei muito de sua matéria. Nâo sou usuário há tanto tempo como você e outro colegas, mas é claro que observo canais diversos de vendas e propagandas e outros como algo q

  13. Não quem consegue gostar de um texto desses, a TV paga no brasil nem teve a ascensão ainda, ou vocês acham que meia dúzia de milhões de assinantes é ascensão??

    Nos países ricos, 70% tem TV paga, isso é ascensão.

    Alias na argentina tem mais assinantes de TV paga que aqui…

  14. Muito bom o seu texto.
    Fiz um retrospectiva e realmente a anos atrás tinha-se pouco ou quase nenhum comercial na TV paga. Eram apenas entre um programa e outro e ainda assim eram anuncios sobre a própia programação. Sempre houve o pay-per-view mas ele era antes um plus e hoje é quase o prato principal das tvs pagas se vc quer ver o relativamente novo.
    Hoje em dia não tenho tv paga, raramente vejo a tv aberta. Hoje assisto mais coisas pela internete em dvds. Mas quem não tem internet contenta-se com a porcaria que está a tv aberta.

  15. Pode-se contar nos dedos os programas interessantes exibidos hoje na TV paga.

    O conteúdo oferecido não justifica os preços cobrados pela assinatura.

    Fazer televisão é caro? Sim, é caríssimo, principalmente no Brasil. Mas com criatividade dá pra fazer muita coisa legal.

    O problema é que a mesma panelinha da TV aberta atua na TV a cabo, e essa panelinha impede que outras pessoas com ideias mais interessantes possam contribuir para melhorar a programação.

    Se não mudarem as estratégicas imediatamente, daqui a pouco, nem a elite vai querer mais, pois os programas de uma forma geral são péssimos.

  16. Boa noite.!
    O problema irá ser quando no IPTV, onde podemos selecionar o que assistir e quando assistir, aparecerem banners e coisas do genero de tempos em tempos.
    Pra fugir mesmo de tudo isso.. so o pay-per-view mesmo e olha lá.
    Falta lei regulamentando propaganda nas tvs fechadas e isso dá no saco!

  17. Estou com o Valmir Silva, querendo que acabe a Televisão como conhecemos e não adianta falar em interatividade com a TV Digital – a Internet (graças!!)já faz isso por nós…

  18. Moooorra TV (aberta, fechada, arrombada, paga, gratuita! Mooooora!

    Viva a internet e todo o seu conteúdo, o blu-ray e seus filmes, novos e antigos, com imagem e áudio de qualidade, os games… Superpop com seu conteúdo trash? Domingão e suas videocassetadas? Domigo legal e a pobreza como espetáculo? Festival de milagres ao vivo, Tele-caça-níqueis? Novelas… novelas…. e mais novelas? Não preciso disso, hehehe.

    Não adianta ter HIGH DEFINITION TELEVISION se o conteúdo é pobre, ou podre.

  19. Sergio

    Muito bom seu texto
    No caso da TV aberta, o lixo é a regra.
    E a internet será sem dúvida a quebra de paradigma para as tvs sejam elas aberta ou paga.

  20. Realmente a qualidade das TVs a cabo tem caído sensívelmente pela voracidade das operadoras por lucros cada vez maiores. Saudades dos canais Telecine com filmes maravilhos e novos, com grandes lançamentos (Na época um único canal telecine.) Hoje os melhores filmes são cobrados à parte, uma cobrança dobrada injustificável.
    Conseguiram piorar os canais abertos, hoje insuportáveis, forçando as pessoas a investirem nestes pacotes caros> Um número maior de operadoras, forçando uma competição, acho que seria alternativa viável para os explorados consumidores. Por que não explorar canais na internet como opção? pacotes para exibição de canais na net? Não seria viável para a HBO por exemplo? As operadoras atuais fazem o que querem e enganam o consumidor cinicamente, como no caso da cobrança do ponto adicional, que continua sendo cobrado legalmente, só com o nome diferente na fatura. Quem vai nos socorrer???

  21. Rídiculo querer comparar a internet com a TV paga, a internet é uma coisa de extrema necessidade na vida moderna, agora a TV paga apenas chega como um complemento de cultura e lazer, outra coisa que você tem que pensar com carinho é que antigamente não tinha TV paga em todo país e com o alto valor de antigamente também era quase impossível, hoje temos a SKY que abranje todo o território nacional, mas como tudo tem seu preço ela é mais cara dentre as operadoras de TV paga.

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