Quem quer aumentar os impostos dos meus jogos?

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Você já jogou videogame, certo? Tudo bem, pode ser um Atari2600 ou um Master System; vale até mesmo aquele aplicativo no seu celular. Ou, pelo menos conhece alguém que joga, isso sem dúvidas! Bem, a pergunta que alguns órgãos governamentais estão se fazendo hoje em dia é: os videogames são produtos audiovisuais ou softwares?

Será que é tão fácil responder à esta pergunta?

Durante muito tempo o mercado de jogos eletrônicos foi classificado analogamente como um entretenimento doméstico, similar aos filmes vendidos em DVD ou Bluray, aproximando-se mais de um produto audiovisual. Isto porque se usou a similaridade dos modelos de produção e distribuição do conteúdo.

Aliás, como curiosidade, as empresas replicadoras – aqueles que produzem a mídia/disco – dos games para Playstation e XBox no Brasil são as mesmas dos filmes e séries em DVD e Bluray, o que gera decisões como “devo produzir mais DVDs dos Minions ou Call of Duty”, já que até as máquinas utilizadas são as mesmas.

A discussão entre a natureza deste tipo de produto (games) tomou forma recentemente em função da intenção da Ancine – Agência Nacional do Cinema – em regulamentar a distribuição e venda de videogames no Brasil, tendo como pretexto o desenvolvimento de um mercado de produção nacional mas que, na prática, reflete apenas a ânsia por taxações adicionais nos produtos desenvolvidos (concebidos) fora do país (quase a totalidade, haja vista que todas as produtoras multinacionais possuem uma operação global, com desenvolvimento descentralizado em múltiplos estúdios no mundo) e produzidos (manufatura da mídia física) no país.

Com este pensamento, o governo brasileiro entenderia os jogos como um produto audiovisual. E a insistente mania de comparar os valores de produção e receitas entre filmes de Hollywood e jogos eletrônicos alimenta ainda mais esse entendimento.

Na outra vertente, por muitos anos associações ligadas aos desenvolvedores de jogos combateram fortemente a pirataria, que chegou a representar 70% dos videogames vendidos no Brasil na década passada, em conjunto com desenvolvedores clássicos de softwares, como a Microsoft. Ué, mas agora ele é software?

Mas a confusão não para por aí…

Jogos online contínuos

Se com a mídia física (jogos vendidos em disco, em uma “caixinha”) já havia margem para discussão, algumas mudanças complicaram ainda mais o entendimento de como um game, enfim, é classificado dentro do entretenimento pessoal.

Duas questões temperam esta discussão: a digitalização dos games e modelos de jogo contínuos, onde são colocadas expansões e/ou itens virtuais, mas não uma nova produção completa.

Explicando cada um destes pontos:

A cada vez maior digitalização dos conteúdos, eliminando-se a mídia física, reduz não só a similaridade com os antigos DVDs e Blurays, mas também inibe a pirataria e permite aos publishers trabalharem com margens mais aceitáveis, ao reduzir o custo de distribuição e produção.

Afinal, segundo dados do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário (IBPT), do ponto de vista da taxação, os videogames só perdem no Brasil para o cigarro (80%); grosso modo, o governo brasileiro prefere que você importe armas de fogo (71%) do que videogames (72,18%).

imposto

Claro que isso ajuda fortemente a elevar o Brasil à primeira posição…… na lista de consoles mais caros mundo:

preco_xbox

Mas… ok, desabafos à parte, o que acontece quando o jogo é digitalizado e distribuído pelas plataformas conectadas?

Um novo modelo de negócios

Ao se digitalizar o conteúdo, não existe mais “disco”, não existe mídia física, portanto, não há circulação de mercadoria (bem físico) no território nacional. Paralelamente, como o Netflix para filmes e séries.

Então ele é software porque é feito de bits e bytes? Espera, mas o filme do Netflix também é feito de bits e bytes mas não é um software, é um conteúdo audiovisual. Onde está a diferença?

Se sua resposta for “ah, mas filme eu assisto passivamente, e jogo eu ‘faço’ alguma coisa”, bem, lamento meu amigo, esta argumentação muito em breve não funcionará. Logo TVs inteligentes e programações interativas (a verdadeira “TV digital”) puxarão de um lado, enquanto as grandiosas produções narrativas dos games, de outro (você já “assistiu” as histórias dos modos campanha de alguns jogos do estilo First-Person-Shooter?).

Um novo modelo de negócios adotado pelas desenvolvedoras de jogo também contraria o que antes era entendido como um ‘videogame’. Ao invés de histórias lineares e finitas, publishers de games para console estão se assemelhando a produtoras de MMOs (Massive Multiplayer Online), ou seja, criando ambientes/universos persistentes, onde milhares de jogadores combatem entre si, e a evolução do jogo se dá através da introdução de novos elementos virtuais (como armas, roupas, habilidades, dispositivos, etc).

É um jogo que não tem fim, literalmente, já que a cada entrada o jogador tem como objetivo combater os demais, e não seguir uma linha narrativa traçada e imutável. É o que eu carinhosamente chamava de “beta eterno” (um conteúdo digital eternamente em desenvolvimento, já que não há necessidade de se “fechar” uma versão).

O que é o produto, então? O conteúdo inicial? (e se ele for distribuído gratuitamente?). A união do conteúdo inicial e itens virtuais ofertados em microtransações? Mas como ter visibilidade do conteúdo total se os itens virtuais são desenvolvidos em função da aceitação do jogo e a permanência dos jogadores em seu ambiente?

Se impostos são calculados percentualmente de acordo com a natureza/classificação de um produto, quais (e quantos) cobrar? No Brasil, não seria realista esperar uma desoneração das taxações mas sim o oposto (já que a ‘fome’ de captação de recursos onerando a população tem sido a prática mais frequente). Porém, tentemos ser justos quanto à natureza do que está sendo taxado, ao invés de classificá-lo em função do potencial de arrecadação.

Ambos elementos acima (digitalização do conteúdo e impossibilidade de determinar toda sua composição), corroboram com outro elemento: a diferença entre posse e uso.

Consumo sob demanda

Plataformas online como o Playstation now, que permitem ao jogador acessar um amplo catálogo de jogos com o pagamento de uma assinatura, transformam o bem em serviço, eliminam o conceito de “posse” do game, remunerando o provedor de acesso ao conteúdo que, por sua vez, redistribui parte de seus ganhos com os publishers (produtores do conteúdo).

Não pago por um software, não pago pela compra de um conteúdo (audiovisual?), pago pelo consumo sob demanda. Esticando muito a amizade, jogos online com serviços de voz deveriam estar sujeitos à fiscalização da Anatel? Quer dizer…

Frente a todas estas discussões, minha humilde opinião é que os games tendem a ser equiparados a serviços de entretenimento, como um parque temático, uma atração cujo valor é a experiência e tempo de experimentação (pista de patinação no gelo, boliche, etc) e não a transferência de valores/bens. Grosso modo (caricaturalmente), isso tudo tem mais a ver com ISS (Imposto Sobre Serviços de qualquer natureza) que IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados).

Toda esta conectividade (que hoje chamamos de “Internet”) trouxe novos modelos de negócio e distribuição mas, enquanto órgãos reguladores tentarem encaixar o novo em modelos consolidados antigos, sempre haverá margem para distintas interpretações.

Independente de que órgão regulador assuma a gestão deste mercado, uma verdade permanece absoluta: os consumidores querem pagar menos impostos e terem produtos a preços mais acessíveis. Do contrário, a natureza (inclusive aquela de querer se divertir) sempre vai achar uma forma, legalmente aceita ou não. [Webinsider]

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Avatar de JC Rodrigues

JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.

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Uma resposta

  1. Genial! Estava falando sobre exatamente isso em uma roda de amigos ontem. Acontece que o mercado de games sempre foi atrativo, porém, ultimamente tem se mostrado muito mais lucrativo do que se imaginava. A geração fã de super herois que não só consomem esse tipo de produto, e sim adota um estilo de vida totalmente embasado no visual e na diferenciação, paga altos preços pela customização e diferenciação dos demais. Sendo assim, estão dispostos a pagar qualquer preço pelo game do qual se consideram fãs, e com o volume de arrecadação é óbvio que chama a atenção do governo brasileiro que sempre tenta a qualquer custo melhorar as suas vidas por meio de exploração da nossa.
    Sad, but true.

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