Um vídeo, um texto, um som não estão (ou deveriam estar) presos a seus formatos e, definitivamente, não estão restritos a uma mídia ou meio, menos ainda a formatos de veiculação pré estabelecidos.
O conteúdo é fluido e a fluidez pode ser interpretada de várias maneiras.
A primeira: formatos são livres para transitar em diferentes modelos de distribuição.
Os sentidos são a porta de entrada para a informação. Independente das discussões científicas que dizem termos 10 ou 15 deles, tomemos o popular padrão aristotélico dos 5 “principais” (visão, audição, olfato, paladar, tato).
Tendo isto como pano de fundo, gostaria inicialmente de propor uma abordagem diferente sobre a propagação de conteúdo: ao invés de nos preocuparmos com quais “mídias” ou “veículos”, por que não planejar a comunicação combinando-se o “onde” com o “quê”.
Quero dizer: ao invés de tipos de mídia, teríamos tipos de conteúdo, cuja formatação, essa sim, seria adequada à maneira como é consumido em cada meio:
Visuais
- Puramente visuais: estáticos e/ou interpretativos visualmente, como textos, imagens, fotos.
- Audiovisuais: independente do grau de interatividade, conteúdos animados ligados primordialmente à visão (ainda que complementados pela audição), sejam filmes, vídeos “virais”, animações.
Sonoros
Auto explicativo, têm na audição o único sentido de captação. Música, entrevistas em áudio, etc
Experimentativos
Táteis, olfativos, gustativos
. . .
“Cara, que viagem é essa? Tem mais desse troço que você tomou?”
Muita calma nessa hora…
FLUIDO
adjetivo
que corre ou se expande como líquido.
fig. macio, mole, flácido.
fig. que flui facilmente; espontâneo, corrente, fluente.
Qualquer substância capaz de fluir (p.ex., os líquidos e gases) e que não resiste de maneira permanente às mudanças de forma provocadas pela pressão.
Um programa de TV não é um programa de TV. É um conteúdo audiovisual e, assim sendo, não precisa “residir” em sua televisão. Grosso modo, eu deveria poder assistir “Hora da Aventura” em qualquer meio / dispositivo / mídia audiovisual, e não apenas no Cartoon Network em minha TV.
Afinal, as pessoas não querem “assistir TV”, elas querem consumir o conteúdo que ela, por acaso, apresenta. Se este conteúdo é exibido às 16:30h no canal 620 da NET ou se o acesso de maneira não linear via YouTube, é uma questão de antecipação do desejo (buscar ativamente pelo conteúdo) ou passividade de consumo (curadoria de terceiros, no caso, do programador do canal Cartoon Network).
Mas, se há interesse ativo no consumo de um produto e ele não está disponível, é bastante frustrante. Vale para uma marca de shampoo num supermercado, vale para um conteúdo midiático…
– “Como assim… me deu vontade de assistir o 15o episódio da terceira temporada de Phineas e Ferb enquanto estou aqui no metrô e ele não está disponível no meu celular em nenhum lugar?”
. . .
A logística de conteúdo mudou.
– Ah, mas se fizermos isso, as operadoras de TV a cabo (ou insira aqui seu modelo de negócio tradicional preferido) vão ficar bravas.
“E eu com isso?”. Ass.: Netflix, Spotify, YouTube, WhatsApp, Uber…
A alternância e convivência do Linear e do Não-Linear reflete-se, inclusive, nas transmissões ao vivo (ex.: Periscope) versus on-demand (olha só, o Periscope entra aqui também!). O conteúdo deve estar quando o público está, e não o contrário.
E meio e conteúdo coexistem, mas são independentes – “Ninguém mais lê jornal, mas todos leem notícias”. É aquela frase bonita para colocar em um slide durante um evento do mercado publicitário e que será imediatamente ‘instagrameada’.
Conteúdo não é meio, não está preso a uma mídia, ele deve viver livre, móvel, onipresente.
Uma outra abordagem sobre a fluidez do conteúdo está ligada à “cultura do remix”, termo cunhado por Lawrence Lessig, que flexibiliza a própria essência daquilo que é criado. Conteúdos são códigos abertos de informação e, desta forma, uma vez livres do emissor, podem ser desconstruídos e reconstruídos em essência, forma e meios diferentes.
No momento Beakman:
“Cultura do remix é um termo criado da Teoria da Comunicação e representa uma sociedade acostumada a compartilhar, transformar e editar obras previamente conhecidas e protegidas por direitos autorais.
A prática não é só presente na música, mas também na produção audiovisual e literária, utilizando da popularização dos recursos de produção de conteúdo e da facilidade de divulgá-los através das plataformas na internet.”
Uma vez livre, o conteúdo sofrerá alterações, para o bem e para o mal, de forma construtiva – catalisando o valor do original, como fan fics e paródias – ou destrutiva – deturpando o significado do significante – como hoaxes. Nem mencionar a infinidade de possibilidades transmidiáticas de um universo narrativo (Lego, Star Wars, Harry Potter)
E como se controla isso?
Aí está a beleza do mundo digitalizado. Você não controla! Você incentiva os remixes construtivos e minimiza os efeitos dos remixes destrutivos.
Tudo que puder ser digitalizado deixa de constituir um objeto íntegro e passa a ser composto de bits e bytes trafegando de maneira independente em uma rede de coisas interligadas (também conhecida como “internet”).
Com isso, chegamos à efetiva fluidez do conteúdo:
- mutável, adaptável e interpretável;
- disponível em função da forma de consumo e não do meio;
- cujos canais de distribuição podem ser proprietários e controlados, ou distribuídos e sociais.
Assumindo a liberdade poética, conteúdos midiáticos são hidrodinâmicos. [Webinsider]
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JC Rodrigues
JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.