O historiador Marco Antonio Villa em artigo no Globo, no dia 05/04/16, sobre o governo Lula comenta: “A participação das ruas na política brasileira inaugurou um novo momento na nossa história. É incrível o desinteresse da universidade em estudar o fenômeno representado, entre outros, pelos movimentos Vem pra Rua e Brasil Livre.”
Concordo com ele, mas há pesquisadores no Brasil estudando o assunto, mas não na universidade, pois lá não é ambiente de pesquisa e produção de livre conhecimento – a burocracia não deixa.
Há gente na rede, com e pela rede se dedicando ao tema. Dito isso, vamos tentar entender como a internet ajudou a tirar a Dilma do poder.
Em geral, as análises que fazemos sobre o momento político atual se restringem a períodos muito curtos de tempo e, por isso, não conseguimos enxergar o que ocorre. A chegada da internet é fenômeno macro-histórico. Rupturas de mídia ocorrem raramente na história.
Vejamos: chegada da oralidade (70 mil anos), da escrita (8 mil), escrita impressa (550), mídias eletrônicas de massa (100), computador (60 anos) e internet (20).
São movimentos de passagem de eras cognitivas para outras.
A chegada da prensa revolucionou
Antropólogos cognitivos têm comparado o momento atual com a chegada da prensa, em 1450. Em ambos os momentos, temos a passagem de mídia hiper-centralizada para mídia descentralizada. Rapidamente, a sociedade que não tinha informação, não trocava impressões, passa a fazer.
Por causa disso, os movimentos de rua no Brasil, desde 2013 e agora de 2015 e 16, não se assemelham aos anteriores do país, nem da marcha dos 100 mil (68), nem das Diretas (83-84) e nem do Fora Collor (92). São movimentos só comparados aos que ocorreram no final da Idade Média com a chegada da prensa – o primeiro deles a Revolta Protestante, na Alemanha, por volta de 1510-20.
Seguidos pela Renascença, Iluminismo, revoluções científicas, industriais e culminando com as revoluções liberais na Inglaterra (1642), americana (1776) e francesa (1789). Nenhuma delas teria ocorrido sem a difusão da escrita impressa, séculos antes.
No fim da Idade Média havia mídia concentrada, com as limitações da escrita manuscrita e rapidamente se espalha na sociedade a mídia impressa, através da chegada da prensa. Há surto de inovação social, igual ao que temos agora, pois sociedades com ideias fortemente controlada passam ao descontrole, com os seguintes reflexos:
- Acesso à informação de diferentes fontes locais e internacionais;
- Passagem de papel passivo de receptor para também emissor;
- Aumento do adensamento social, em ampliação do contato permanente com desconhecidos, conhecidos, amigos e parentes;
- Organização de eventos, sem o controle de antigos intermediadores.
Transparência social
São revoluções cognitivas descentralizadoras, que têm como missão iniciar longo ciclo de renovação tecnocultural, a partir do:
- aumento de autonomia de pensamento de cada cidadão que se utiliza da nova mídia;
- aumento de transparência social e respectiva redução de taxa de hipocrisia entre o que se faz e o que se diz;
- sofisticação cada vez maior das demandas em qualidade, quantidade, tempo de resposta e respeito à subjetividade.
Indo mais fundo na análise, podemos dizer que tanto lá como agora tais movimentos são motivados pela complexidade demográfica progressiva, fenômeno típico, especial e particular de espécies tecnoculturais, como a nossa. Os outros animais têm limitação genética para crescer em tamanho, nós não!
De tempos em tempos, conforme vamos aumentando a demografia, precisamos OBRIGATORIAMENTE inovar de forma incremental ou radical a tecnocultura.
O MBL e o Vem para a Rua são expressões destes movimentos de mudança cognitivos, São organizações que fogem do modelo hierárquico dos partidos e sindicatos. São, entretanto, ainda primitivos diante do que está por vir.
A meta do Sapiens, se me permitem prever, é trazer algo parecido com o Uber para a tecnopolítica.
Avaliação debaixo para cima, constante e online, através de qualificação coletiva para produção de decisões de leis, orçamentos, decisões dentro de plataformas digitais participativas, reguladas por algoritmos sociais inteligentes. É o que chamo de República 3.0, nova etapa digital da tecnopolítica.
A queda de Dilma só é passível de explicação porque o país mudou e não aceita mais o que aceitava antes. Se o PT teve sorte com as commodities, deu um azar danado em querer repetir o modelo Sarney em plena revolução digital.
O país passou de estágio cognitivo para outro. O que era passível de aceitação pelo cidadão diante do rádio e televisão, passivo, não é mais teclando ativamente na rede.
Quem se ilude que o movimento de mudança vai parar com a queda da Dilma levará grande susto, pois caminhamos, liderando a América Latina, em direção ao novo ambiente tecnopolítico digital.
Tais temas estão presentes no meu livro, ainda em fase alfa, “Tecnopolítica Digital: novas premissas e macrotendências” da coleção “Mundo 3.0″, que tem ainda o Volume 1, “”Curadoria Digital: filosofia, teoria e estratégias”, já na fase beta e com versão impressa.
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[Webinsider]
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Carlos Nepomuceno
Carlos Nepomuceno: Entender para agir, capacitar para inovar! Pesquisa, conteúdo, capacitação, futuro, inovação, estratégia.
3 respostas
e automaticamente botar temer. substituir 6 por meia dúzia. uma lástima.
É isso aí, a força digital é tão ou mais poderosa que a força militar. Ninguém ficará mais calado ou protestando nas esquinas sem nenhuma representatividade.