Se cancelar a TV por assinatura ninguém vai notar

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Os estúdios, os produtores de conteúdo, todo o ecossistema de produção audiovisual que temos estabelecido hoje em dia, foi estruturado num outro panorama, numa outra realidade de dinheiro. Com MUITO mais dinheiro.

Netflix e os novos canais de TV não vão conseguir pagar as contas e bancar todo o custo das incríveis produções que tanto adoramos.

 

Um amigo cancelou o serviço de TV a cabo. Um casal de amigos, há muitos anos não tem TV em casa.

Já pensei em fazer o mesmo algumas vezes. Pagar essa conta pra quê? Não tem nada que presta nos trezentos e tantos canais que eu assino.

Vou cancelar tudo e ver só Netflix. YouTube. Baixar algumas coisas…

Quando você cancela o seu serviço de TV a cabo, o que está incomodando não é a falta de conteúdo legal para ver. Porque se você for olhar todo o conteúdo disponível naqueles 300 canais, independente da hora, tem muita coisa legal para se ver. O problema é que essas coisas legais não passam justamente quando você está assistindo. Você fica obrigado a assistir o que está passando naquela hora e muitas vezes, mesmo com 300 canais, você não acha nada.

Broadcast

A culpa não é da TV. É do formato e da tecnologia. Esta tecnologia se chama ‘broadcast’ e o sistema de organização de conteúdo é por grade. Cada hora do dia passa uma coisa. Não é assim porque os caras são maus. É assim porque a tecnologia, até pouco mais de 10 anos atrás, não permitia que fosse de outra forma.

Vamos andar um pouco mais pra trás. Quem lembra da TV antes da TV por assinatura? Apenas aqueles 4 ou 5 canais que a turma 35+ tinha para ver quando era pequeno. Também era uma questão de tecnologia. A imagem chegava por ondas às nossas TVs e só cabiam 5 canais no espectro que as ondas permitiam. É o que se chama de TV ‘aberta’.

Quando a gente só tinha 5 canais pra ver, a gente se virava. Mas daí chegou a TV por assinatura, a gente passou a ter dezenas de canais e passou a achar chata a TV ‘aberta’. E daí estava tudo bem em ter 300 canais, a gente se virava. Mas daí chegou a internet e nos permitiu ver o que a gente quisesse na hora que quisesse. Daí nem os 300 canais dessa TV por assinatura fizeram mais sentido.

VOD

A culpa é do formato broadcast e de grade. E você só começou a achar ruim porque experimentou a maravilha do conteúdo sob demanda, o chamado ‘Video On Demand’ (VOD em inglês).

Aha! Tchau TV chata! Olá Netflix! Olá YouTube e internet! Vamos de torrent! Barões da TV, vocês perderam!

Será?

Esse cenário que agora está instalado já estava claríssimo para as empresas de telecom e produção de conteúdo desde o final dos anos 90. Isso iniciou um movimento de consolidação na área de telecom que foi originalmente chamado de ‘triple-play’, onde as operadoras de telecom ofereciam na mesma assinatura telefone, televisão e internet. Hoje este sistema se expandiu também para a telefonia celular.

É por isso que Globo entrou no cabo lá atrás. Por isso que a Net e a Claro se juntaram. É por isso que a Vivo e a Oi oferecem TV por assinatura e internet para as nossas casas. É por isso que muitos equipamentos de TV por assinatura permitem que você grave de forma muito fácil a programação. Estes players já anteviam que o conteúdo um dia seria sob demanda e que a TV por assinatura não seria mais interessante um dia.

A infraestrutura

Até bem pouco tempo atrás, ver conteúdo em vídeo sob demanda não era tecnologicamente viável. Apenas com qualidade muito ruim, no computador. Não dava pra ver na TV. Foi necessário a tecnologia se desenvolver, a infraestrutura estar disponível (passar cabos nas ruas, fibra ótica) e a internet ficar mais rápida para que a gente pudesse começar a ter isso em casa.

Pois bem, esse momento chegou. E rapidamente novos players se apresentaram. O mais conhecido deles é o Netflix, mas ele não é o único. Há diversos outros oferendo sistema similar. Aliás, praticamente todos produtores de conteúdo (que a gente ainda chama de ‘canais de TV’), já lançaram seus sistemas de conteúdo sob demanda. Olha aí o Globo Play, Telecine Play, HBO Go, etc, etc. São sistemas de conteúdo sob demanda para que você possa ver o que quiser, na hora que quiser, onde quiser: celular, tablet, SmartTV.

O novo cenário

Todos os estúdios produtores de conteúdo estão de olho nesse novo cenário. O próprio Netflix só é bacana porque mostra conteúdo destes estúdios e, ele mesmo, agora produz conteúdo próprio, se tornando mais um estúdio… ou canal de TV.

Sim. Netflix é um canal de TV. É tão canal de TV como o GNT ou a HBO. A diferença é que ele foi um dos primeiros a romper a barreira da grade e te permitir ver tudo sob demanda.

O Netflix acertou no preço. Ele encontrou um valor + oferta de conteúdo irresistível. Como não assinar isso tudo que ele oferece por tão pouco? Não chega a ser uma invenção dele. Spotify funciona do mesmo jeito para a música. E antes do Spotify, outros serviços já estavam testando o modelo.

Tudo vai bem neste novo formato e a gente migra sem pensar. Cancela nosso serviço de TV por assinatura, nunca mais assiste comercial porque é chato e segue nossa vida feliz, até que…

Vai faltar dinheiro

Até que a conta não começa a fechar. E isso vai começar a acontecer em breve.

Os estúdios, os produtores de conteúdo, todo o ecossistema de produção audiovisual que temos estabelecido hoje em dia, foi estruturado num outro panorama, numa outra realidade de dinheiro. Com MUITO mais dinheiro.

Funciona (ou funcionava) assim.

Filmes e séries, percorrem um sistema de “janelas”. No caso dos filmes, primeiro eles vão para as salas de cinema. Depois de um determinado tempo, são oferecidos nos sistemas de vídeo sob demanda (VOD) por um preço quase igual ao que a gente paga no cinema (é quando o NetNow te cobra pra ver um filme).

Passado mais um tempo, eles estreiam nos canais de TV e ganham dinheiro com a publicidade que é vendida pelo canal. Mais outro tempo e eles vão para o catálogo, onde começam a ser reprisados e mostrados ‘de graça’, sendo ainda pagos com uma fração do que você paga pelo seu serviço de assinatura de TV.

Com as séries acontece mais ou menos o mesmo, tirando a parte de exibição em salas de cinema. Quando acaba esta última janela é que eles vão para serviços como o Netflix, a menos que exista uma negociação especial. É por isso que o Netflix acaba tendo, na sua maioria, filmes e séries tão antigos. E é por isso que eles investem em produção própria. Para deixar sua programação mais atraente e fazer você sentir que está pagando por um produto bacana e não por um monte de filmes e séries antigos.

No novo cenário é possível a gente ver o que quiser, conteúdo para todos os gostos. A chamada ‘cauda longa’. Acontece que a receita que este novo cenário gera não é suficiente para pagar o custo das produções. Os centavos que cada produção recebe do Netflix não pagam a conta do que custa produzir. Se você baixa um torrent então… está indo diretamente na garganta de quem produz.

Estas produções precisam daquela grana toda para sobreviver. E na medida em que as pessoas deixam de ver TV por assinatura, os anunciantes não mais se interessam em anunciar porque ninguém vê seus anúncios.

Não ver anúncio pode ser legal para quem assiste seu vídeo sem interrupção. Mas a receita publicitária vinda destes anúncios é o que paga a conta para a gente ver esses programas tão legais. São os anúncios mais a assinatura “cara” da TV que pagam essa conta. Existe ainda o dinheiro vindo da venda de ingressos de cinema, mas este só paga os blockbusters, as grandes produções. As demais precisam da grana do cabo e da publicidade para se pagar.

Sem a receita da assinatura, nem da publicidade, é muito provável que os estúdios produtores de conteúdo comecem num futuro bem próximo a não conseguir mais fechar a conta de seus custos.

E se isso acontecer, vamos começar a ter menos produções novas de conteúdo. Menos séries, menos filmes, menos coisas interessantes para a gente ver, além daqueles filmes e séries antigos que o Netflix tem de montão (são baratos porque são velhos), com exceção das suas produções.

O resumo da ópera

O objetivo deste artigo não é reclamar da mudança. É fazer uma análise do que está acontecendo e para onde (provavelmente) estamos indo.

Saber disso não vai fazer ninguém deixar de cancelar sua TV por assinatura, nem parar de ver comerciais. Este é um caminho sem volta.

Conteúdo sob demanda é o que as pessoas querem. Mas o novo modelo de receita que acompanha não paga as contas e não vai conseguir bancar todo o custo para que sejam feitas as incríveis produções que tanto adoramos.

Vamos entender que muito menos dinheiro vai passar a estar disponível em breve e isso vai ter um impacto tremendo nos produtores de conteúdo, o que significa diminuir a oferta de programas e séries interessantes, que a gente tanto gosta de assistir, na hora que quer, onde quer.

Portanto, não vamos nos surpreender quando o novo modelo acabar com a nossa série favorita. [Webinsider]

. . .

O que virá depois do Netflix?

 

Avatar de Michel Lent Schwartzman

Michel Lent Schwartzman (michel@lent.com.br) é um empreendedor serial e especialista em marcas e negócios digitais, com sólida experiência em acompanhar carreiras e aconselhar empresas. Pioneiro na indústria digital, é formado em Desenho Industrial pela PUC-Rio e mestre pela New York University. Ao longo de quase 30 anos, fundou e dirigiu agências e atuou como CMO em grandes fintechs, além de prestar consultoria para diversas empresas globais

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Uma resposta

  1. Pois eu efetivamente cancelei a minha, e não sinto falta alguma. A única perda foi o futebol, que eu curtia no Pay-per-view em casa e agora saio em dia de jogo, tomo uma geladinha e vejo o jogo no bar. A mulher até prefere pois gosta mais de ir pra rua do que de ficar em casa.

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